Quem assume se a Enel sair? Lula pode indicar interventor após pedido de SP

O presidente Lula (PT) pode indicar um interventor na Enel de São Paulo antes de decidir se o governo federal extingue o contrato de concessão, como pediu à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB).

O que aconteceu

Após o apagão na cidade de São Paulo e região metropolitana no começo do mês, Nunes disse na quinta (16) que pediu à agência reguladora que extinguisse o contrato de concessão. "Não é só por conta dessas chuvas", afirmou. "A gente já vinha há muito tempo discutindo com a Enel uma série de questões."

Mas o que diz o contrato? Em 1981, o governo Paulo Maluf criou a Eletropaulo, adquirida em leilão pelo consórcio Lightgás em 1998, quando foi desmembrada. Em 2001, passou a se chamar AES Eletropaulo, nome que manteve até novo leilão, em 2018, quando a Enel assumiu, herdando o contrato de concessão, que acaba em 2028.

O documento diz que a agência reguladora pode aplicar advertências e multas caso a Enel não cumpra as determinações contratuais. Dependendo da infração, a multa pode chegar a 2% da receita anual da companhia.

Moradores bloqueiam avenida em São Paulo em protesto contra o apagão que deixou 2,1 milhões sem luz no dia 3
Moradores bloqueiam avenida em São Paulo em protesto contra o apagão que deixou 2,1 milhões sem luz no dia 3 Imagem: Reprodução/TV Globo

Intervenção e fim do contrato

Se a empresa descumprir as penalidades, "no limite, a Aneel pode recomendar ao governo federal a caducidade da concessão [extinção do contrato], a quem caberia a gestão do processo a partir de então", confirmou ao UOL a Aneel em nota.

"Mas isso só acontecerá depois de concedida ampla defesa para a Enel", explica o advogado de direito público Roberto Piccelli. "Não seria de uma hora para outra."

A partir daí, caberia a Lula decidir se indica um interventor na Enel. Diz o contrato: "A intervenção será determinada por decreto do Presidente da República, que designará o Interventor, o prazo da intervenção e os objetivos e limites da medida".

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Funcionários da Enel fazem manutenção na rede elétrica
Funcionários da Enel fazem manutenção na rede elétrica Imagem: Unsplash

O interventor teria seis meses para apurar as responsabilidades. Se o prazo não for respeitado, a intervenção será invalidada, "devolvendo à concessionária a administração dos serviços".

Mas se o interventor decidir cancelar o contrato de vez, a empresa voltará para a União.

A multa é uma penalidade simples por descumprimento do contrato, a caducidade é uma forma de extinguir definitivamente o contrato e a intervenção é uma medida de urgência, necessariamente provisória, para assegurar a continuidade do serviço.
Roberto Piccelli, advogado

Ocorreu no Amapá

"Quando houve um apagão no Amapá em 2020, quem assumiu o controle foi a Eletrobras", lembrou ao UOL Paulo Roberto Feldmann, ex-presidente da Eletropaulo. Foi ele quem cuidou do processo de privatização da estatal em 1996, ainda no governo Mario Covas (PSDB).

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Quando a Eletrobras assumiu o controle da Linhas de Macapá Transmissora de Energia, porém, a Eletrobras ainda não havia sido privatizada pelo governo Jair Bolsonaro (PL), em 2022. "Mas como o governo federal ainda é o maior acionista, o melhor seria repassar o controle da Enel para a Eletrobras", diz o especialista.

Após a privatização, a participação da União caiu de 68,6% para 40,3%. "A Eletrobras saberia muito bem como administrar a Enel", diz Feldmann. "Enquanto isso, o governo do Estado prepararia uma licitação para que outra empresa assuma a concessão, uma atribuição que não cabe à prefeitura."

A licitação abriria para a participação de distribuidores de energia do mundo inteiro. Teria muita empresa interessada, mas vai dar trabalho: uma licitação dessa demora mais de um ano para ficar pronta.
Paulo Feldmann, ex-presidente da Eletropaulo

"Aneel não fiscaliza"

Agência reguladora pode multar e recomendar ao governo federal a "caducidade" do contrato com a Enel
Agência reguladora pode multar e recomendar ao governo federal a "caducidade" do contrato com a Enel Imagem: Divulgação Aneel

A privatização do sistema elétrico brasileiro falhou porque "passou do monopólio do estado para o monopólio do setor privado", diz Feldmann. "Isso não é o recomendado. A promessa das empresas ao Covas era que o consumidor poderia escolher livremente a companhia que lhe forneceria energia, só que isso nunca aconteceu."

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Mas o problema principal é que a agência reguladora não funciona. A Aneel deveria assumir a defesa do consumir, mas o que ela faz hoje é proteger as empresas.
Paulo Feldmann

"Isso acontece porque seus diretores não entraram por concurso", continua. "Eles são indicados por alinhamento político, o chamado cargo de confiança, um aparelhamento típico do Brasil." Questionada a respeito, a Aneel não se manifestou.

Eu não gosto desse prefeito [Nunes], mas é a primeira vez que ele toma uma medida correta. Tem de cancelar o contrato. Ele faz isso porque a Aneel não faz.
Paulo Feldmann

O advogado Piccelli não acredita no encerramento do contrato. "Eu considero improvável. Tem todo um processo para ser seguido e deve ser assegurado o amplo direito de defesa. Se acontecer, não será da noite para o dia e sem um amplo debate", afirma.

Outro lado

Em nota, a Enel afirmou que cumpre as obrigações previstas no contrato de concessão. "Os indicadores oficiais medidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estão em patamares melhores do que as metas regulatórias e apresentaram avanços significativos nos últimos anos", disse a multinacional.

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"Entre 2017 e 2022, a duração média das interrupções de energia (DEC) melhorou 47% e a frequência média de interrupções (FEC) melhorou 46%", continuou a empresa.

A Enel disse ainda que realiza média anual de investimentos de R$ 1,34 bilhão por ano e que apenas em 2022 foram investidos R$ 1,9 bilhão.

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