Cavernas e cobras: terreno hostil marca área de fuga do presídio de Mossoró
A fuga de Rogério da Silva Mendonça (vulgo Querubim, Chapa ou Cabeça de Martelo ou Martelo; e Deibson Cabral Nascimento (conhecido como Tatu, Deisinho ou Deicinho) da penitenciária de segurança máxima de Mossoró (RN) na quarta-feira (14), leva a uma região de muitos perigos e desafios, com o risco de se encontrar animais peçonhentos pelo caminho.
A área em torno da penitenciária é permeada pela caatinga, um bioma brasileiro comumente considerado um ambiente hostil para muitas espécies de plantas e animais, principalmente para o homem. Ela é afetada por secas extremas e períodos de estiagem, característicos do clima semiárido.
Construída próxima ao Parque Nacional Furna Feia, a penitenciária está cercada por mais de 400 cavernas, que podem servir de esconderijo para fugitivos, mas que abrigam aranhas, escorpiões e cobras venenosas, como a coral-verdadeira, cascavel e jararaca.
A população sertaneja local desenvolveu técnicas de convivência com o semiárido ao longo dos anos para se adaptar à falta de chuvas, mas, se os fugitivos desconhecem métodos de sobrevivência ao bioma, além da geografia e a topografia da região, podem enfrentar sérios desafios, caso ainda estejam na região.
Passada uma semana da fuga, eles já podem até ter deixado o estado.
Plantas perigosas e pouca água
Prestes a concluir o mestrado em história, o pesquisador Gustavo Sandres é um estudioso do cangaço e vem refazendo pessoalmente os caminhos seguidos por Lampião e as volantes (grupos de policiais) no agreste brasileiro.
Recentemente ele esteve na região de Nazaré do Pico, área semelhante à de Mossoró, e afirma que, apesar dos animais característicos, a caatinga oferece perigos muito mais preocupantes.
O primeiro deles é a vegetação. Muitas plantas do agreste possuem espinhos com toxinas, que podem causar alergias e urticárias graves. Ele cita a faveleira, o cansanção e o facheiro. Basta esbarrar numa folha do cansanção, por exemplo, para que a pessoa comece imediatamente a sentir o prurido e queimação causados pela toxina da planta. O quadro ainda pode se agravar para uma inflamação, que deixa a pele coberta por bolhas dolorosas.
Outra questão importante é a dificuldade para encontrar água e alimentos. Por ser marcada pelo clima semiárido, a fauna local é escassa e a água, difícil de encontrar. Na opinião de Sandres, seria quase impossível para os fugitivos saberem que podem obter água a partir de bromélias que crescem na área, como a macambira.
Existe uma espécie de resíduo de água que fica retido nessa planta. E eles (os policiais) filtravam essa água para beber, o que dava para manter um pouco mais a jornada das volantes em busca de Lampião e seu bando. Eles comiam a raiz do caroá, se alimentavam às vezes até da folha do umbuzeiro, só para causar uma salivação, sabe? E essas pessoas de fora [os fugitivos] realmente não vão ter conhecimento sobre nada disso
Gustavo Sandres, pesquisador
Ausência de comunicação
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Quero receberA ausência de comunicação é outro fator apontado por Sandres como um desafio para quem se perde na caatinga. Em suas andanças pelo agreste brasileiro, Sandres notou que, ao se embrenhar por trilhas, o sinal de internet e de telefonia móvel desaparecem por mais de dez ou vinte quilômetros.
Ele acredita que, por essa razão, se algum dos fugitivos se ferir ou entrar em estado de insolação, ou desidratação, será quase impossível pedir ajuda. Uma solução seria encontrar casas isoladas que ainda existem na região. Porém, muitas delas, segundo o pesquisador, já foram abandonadas há anos.
De qualquer forma, ele acredita que os prisioneiros, se sobrevivem ao ambiente hostil por alguns dias, podem até apelar para a violência, render à força algum morador da área, conseguir água, alimentos e exigir que os levem até uma cidade próxima, caso ele tenha algum carro ou camionete.
Mas sem água e suprimento não acredito que uma pessoa sobreviva mais que alguns dias. Mas não é impossível, porque até mesmo a caatinga é muito rica em possibilidades de caça e alguns reservatórios água, se estiver chovendo por lá. O grande desafio, a meu ver, é manter os fugitivos encurralados na região até o momento da prisão. Isolados, dificilmente conseguiriam resgate. Mas se chegarem a alguma cidade, tudo ficará mais fácil.
Gustavo Sandres, pesquisador
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