Elegante e poderoso: quem é exu Tranca Ruas, citado em show de Ludmilla

A cantora Ludmilla foi acusada de intolerância religiosa por uma frase projetada em um show da cantora que dizia: "Só Jesus expulsa o Tranca Rua das pessoas".

Mas, afinal, o que é Tranca Rua?

É uma entidade da umbanda e candomblé e considerada um dos Exus mais importantes e poderosos. Ele é frequentemente invocado para questões relacionadas à proteção, abertura de caminhos, negócios e questões materiais.

O Tranca Rua está presente de forma majoritária nos terreiros de umbanda, explica David Dias, sacerdote de umbanda no Terreiro Aruanda, em São Paulo, e mestre em ciências da religião pela PUC-SP.

Seu significado nada tem a ver com o diabo. "Trata-se da corporificação ancestral de muito daquilo que é marginalizado em nossa sociedade. Uma entidade que cura pessoas por meio de memórias ancestrais. Tranca Rua é um dos ancestrais que retoma a conexão com a memória negra das comunidades de terreiro."

Tranca Rua é conhecido por sua imagem de um homem elegante e astuto. Geralmente, está vestido com roupas finas e portando uma bengala.

Ele é visto como um guardião das encruzilhadas, representando os caminhos e as escolhas que as pessoas enfrentam na vida. Os devotos muitas vezes o procuram em momentos de dificuldade, buscando sua ajuda para superar obstáculos e alcançar seus objetivos.

Tranca Rua tem muito poder e sabedoria, segundo a crença —por isso praticantes do candomblé e principalmente da umbanda têm muita fé nessa entidade.

É impossível passar por um terreiro de umbanda, cruzar com o Tranca Ruas e seguir descrente da possibilidade de cura.
David Dias, sacerdote da umbanda no Terreiro Aruanda

Tranca Rua também é um ancestral —dessa forma, representa a memória de quem viveu antes. "Não há uma expressão que melhor defina isso senão Exu ancestral." Segundo o pesquisador, os terreiros, além de um espaço religioso, são também um local educacional. E, para a crença, "Tranca Ruas é um grande professor".

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Tranca Ruas cura através do reencanto pela vida.
David Dias, sacerdote de umbanda no Terreiro Aruanda

Intolerância religiosa

Projeção no show de Ludmilla no Coachella mostrava foto de cartaz que diz 'só Jesus expulsa o Tranca Rua das pessoas'
Projeção no show de Ludmilla no Coachella mostrava foto de cartaz que diz 'só Jesus expulsa o Tranca Rua das pessoas' Imagem: Reprodução/X e Instagram

O número de violações motivadas pela intolerância religiosa cresceu 80% entre 2022 e 2023, segundo dados divulgados em janeiro de 2024, pelo Ministério dos Direitos Humanos. As religiões de matrizes africanas são as mais atacadas.

Esse tipo de frase "Só Jesus expulsa o Tranca Ruas das pessoas" não é nova, diz David, que lamenta ataques à cultura do terreiro. "Há jovens, crianças, adolescentes, idosos pertencentes às religiões de matrizes africanas. Isso é um ataque à identidade do sujeito e não somente à instituição religião."

Para o teólogo e pastor batista Renato Ruiz Lopes, situações como essa são reflexos do racismo estrutural e do racismo religioso. "Revela uma triste realidade de desligamento cultural com suas origens." Para Lopes, o caminho para a mudança, além do diálogo inter-religioso, é uma educação conciliadora, "nas escolas, lares e igrejas".

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Ludmilla se defendeu e disse que "tiraram do contexto" a imagem utilizada. "Quando eu disse que vocês teriam que se esforçar pra falar mal de mim, eu não achei que iriam tão longe", escreveu. "Hoje tiraram do contexto uma das imagens do vídeo do telão do show em Rainha da Favela, que traz diversos registros de espaços e realidades a qual eu cresci e vivi por muitos anos, querendo reescrever o significado dele, e me colocando em uma posição que é completamente contrária à minha."

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