'Sargento Cadu': militar volta para onde nasceu e ajuda desabrigados no RS
Dentro do quartel ele é chamado de Campos, seu sobrenome. Mas na Colônia Z3, o lugar mais pobre de Pelotas (RS) atingido pelas enchentes do último mês, os desabrigados, seus amigos de toda vida, só se referem a ele como Cadu.
Carlos Eduardo Campos voltou fardado ao bairro onde nasceu e se criou. O comandante da operação, para os moradores da colônia majoritariamente formada por pescadores, é o terceiro-sargento de apenas 23 anos.
"Quando eu era mais novo, meu apelido era Cadu. Aí todo mundo me conhece como Cadu. As pessoas vêm aqui e falam: 'Cadu, tô com fome; Cadu, eu preciso de tal coisa'. Às vezes, chamam até de 'sargento Cadu'", diz o militar.
Por conhecer as pessoas, o sargento Cadu diz saber a dificuldade de cada um. "O pessoal aqui é bem humilde. Então, ajudo na alimentação, a organizar doações e verificar se todo mundo já comeu, pra ninguém passar por fome", afirma.
A gente faz de tudo aqui. Se a pessoa precisa, a gente corre atrás. De medicamento, tudo...
Carlos Eduardo Campos
Retrato da maioria dos lugares periféricos das cidades brasileiras, há lacunas entre os serviços prestados pelo estado e a população local. Nessa brecha, o crime organizado se estabelece e indica as leis locais, em meio aos trabalhadores.
A presença do sargento Cadu tem impulsionado as crianças a vislumbrar novas oportunidades. "Aqui tem bastante viciados em drogas. Então, as crianças acabam sendo afetadas, porque normalmente os pais são viciados", lamenta o militar.
Um mural de desenhos foi feito entre o dormitório e a cozinha de um dos abrigos da Colônia Z3. Muitas das pinturas expostas contêm um homem em específico, com roupa verde e bigode. Muito semelhante ao sargento Cadu.
"O pessoal aqui, na infância, tudo queria ser pescador. Mas é uma profissão muito difícil. Com a nossa presença aqui, o pessoal já diz: 'como eu faço pra ser que nem tu?. Então, a mentalidade das crianças já muda'."
Além dele, outros dois dos 30 militares que estão atuando na Colônia Z3 também nasceram e se criaram no bairro. Entre eles, o cabo Rafael Soares Rodrigues, 21.
"Antigamente, enchentes não aconteciam muito. Agora, já em menos de um ano, atingiu duas vezes a minha casa. Agora, ela veio numa altura mais considerável. Acabei perdendo algumas coisas", diz.
O cabo afirma que tem ajudado seus vizinhos e amigos, enquanto militar, durante resgates de pessoas, mas também de bens materiais. "Os móveis são coisas muito caras, que as pessoas demoram a construir. A gente conseguiu botar muitos móveis pra cima", comemora.
Faz diferença ser daqui. Ainda mais com água cheia, porque tem muitos locais que têm valetas. Sabendo disso, é mais fácil atuar.
Rafael Soares Rodrigues
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O tenente-coronel Eduardo Menna Barreto, 44, comandante do 9º Batalhão de Infantaria Motorizado do Exército, contabiliza cerca de 3 mil moradores na Colônia Z3.
"Aproximadamente 50% dos moradores conseguiram sair da região e foram para áreas fora da colônia dos pescadores. Os outros 50% que permaneceram têm recebido assistência tanto da prefeitura quanto de voluntários que vêm para cá fazer o seu apoio", diz.
Ao todo, o abrigo local está com cerca de 153 pessoas alojadas. Diariamente, são servidas alimentações. As bandejas só são retiradas quando a comida termina completamente. E isso não demora para acontecer.
Na tarde desta quinta-feira (23), arroz, feijão, carne moída com batata cozida, farinha e maçãs foram servidos. Em 30 minutos, não havia mais nada.
Mãe e filha, as pescadoras Letícia Souza Machado, 36, e Rosa Maria Souza, 64, almoçavam enquanto recordavam tudo o que aconteceu a elas.
"A água subiu um nível que está tudo boiando. Teve gente que teve perda total. Perda total da casa, perda total dos imóveis. Perda de tudo", diz Letícia.
"Com a idade que eu estou, eu não tinha visto ainda. Só deu em 1941, que a minha mãe contava. E a minha mãe tinha 18 anos na época. Ela estava grávida do meu irmão. Meu irmão tem 83 anos. E ela dizia que vinha um rebocador trazer comida para eles aqui", complementa a mãe.
Já o pescador Idomar Fidélix, 52, foi buscar roupas em um dos pontos de doação na quinta-feira. "Tá me fazendo falta lá no abrigo. Meu guarda-roupa caiu tudo dentro d'água lá. Virou com tudo. Aí eu tenho que pegar umas roupas que eu tô precisando".
O problema é que a gente tem roupa, alguma coisa. Mas tá suja e não consegue lavar. Não tem água limpa.
Idomar Fidélix
Um canil que abriga 38 cachorros foi montado ao lado do dormitório. Outros animais também estão abrigados ali: ao todo, 80, incluindo gatos, galinhas, cavalos e pássaros. Além disso, são oferecidos no local atendimentos médico e odontológicos.
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