TJGO anula ação que condenou médico por postar vídeo de negro acorrentado
O Tribunal de Justiça de Goiás anulou processo que havia condenado o médico Márcio Antônio Souza Júnior pelo crime de racismo por filmar e divulgar imagens de um caseiro negro acorrentado.
O que aconteceu
Competência para julgar o caso é da Justiça Federal, não da Justiça Estadual. Essa foi o entendimento do desembargador Nicomedes Borges, que anulou o processo contra o médico "em virtude da incompetência absoluta da Justiça Estadual". A decisão é do dia 13 de junho.
Vídeo foi publicado em perfil aberto no Instagram. Nesse caso, diz a decisão, o Superior Tribunal de Justiça determina que a competência para o julgamento do fato é da Justiça Federal, haja vista que "a extração da potencial internacionalidade do resultado advém do nível de abrangência próprio de sítios virtuais de amplo acesso".
Postagem feita pelo médico ficou submetida "ao arbítrio do algoritmo" do Instagram. Para o desembargador, a inteligência artificial se valeu "de critérios próprios para direcionar [o vídeo do caseiro acorrentado] para públicos-alvo de quaisquer dos seis continentes terráqueos".
Não bastasse a ampla divulgação nacional da discriminação racial hipoteticamente praticada pelo apelante, tem-se que o perfil pessoal [dele] no tempo do fato era do tipo aberta, ou seja, que permitia acesso irrestrito de qualquer usuário do Instagram, independentemente de sua localização no planeta [...] Diante de todas essas circunstâncias, compreendo que o Juízo da Vara criminal da comarca de Goiás não detinha competência para processar e nem tampouco para condenar Márcio Antônio Souza Júnior, sendo, portanto, a ação penal nula de pleno direito, desde o seu nascedouro.
desembargador Nicomedes Borges
Defesa diz acreditar na Justiça e reiterou que o episódio se tratou de uma "brincadeira entre amigos". Ao UOL, o advogado criminalista Pedro Paulo de Medeiros disse que o médico "reafirma seus sinceros pedidos de desculpas pela infeliz e despropositada brincadeira que, com seu amigo, fez sobre um tema tão importante e sensível para nossa sociedade, confirmando que ambos nunca tiveram qualquer intenção de incentivar qualquer tipo de discriminação ou de racismo, o qual sempre aprenderam, com suas famílias, a combaterem".
Caseiro não trabalha mais com o médico. O homem negro filmado por Márcio Antônio continuou prestando serviços para ele "até pouco tempo atrás", mas deixou seus serviços na fazenda do médico, conforme a defesa.
A Justiça Federal de Goiás disse que ainda não recebeu a denúncia. Em nota, o órgão informou que a Justiça Estadual precisa notificar as partes relacionadas para que o processo chegue à esfera Federal e só então será analisado.
Relembre o caso
Em fevereiro de 2022, Márcio Antônio Souza Júnior postou vídeo de um homem negro acorrentado no Instagram. A gravação foi feita em uma fazenda de propriedade do médico em Goiás e, na ocasião, o profissional de saúde aludiu ao período da escravidão ao dizer que o funcionário estava em sua "senzala".
Nas imagens, o homem negro aparecia com correntes nas mãos, nos pés e no pescoço. "Falei para estudar, mas não quer. Então vai ficar na minha senzala", falou Márcio Antônio na época.
A vítima da gravação recebia um salário mínimo para realizar serviço pesado, segundo a investigação do Ministério Público.
Médico foi condenado por danos morais coletivos. Em novembro de 2023, o TJGO sentenciou Márcio Antônio a pagar indenização de R$ 300 mil a duas associações, além de prestar serviços comunitários. A defesa e o Ministério Público recorreram da decisão, mas o processo agora foi anulado e transferido para a esfera Federal. Ainda não há data para o novo julgamento.
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