Mulher é confundida com foragida por sistema facial da PM: 'Racismo'

Uma servidora pública registrou queixa na Polícia Civil após ser confundida com uma foragida da Justiça pelo sistema de reconhecimento facial no centro do Rio de Janeiro, durante um evento de igualdade racial. Ao UOL, Daiane de Souza Mello, 35, disse acreditar ter sido vítima de racismo. O caso aconteceu no dia 30 de abril, mas as testemunhas só foram ouvidas nesta semana.

A tecnologia não é feita para reconhecer adequadamente o fenótipo negro, os agentes públicos não são devidamente qualificados para não reproduzir racismo e não nos verem como ameaça e, pelo que entendi da fala do policial, ainda que eles identifiquem que não procede, o protocolo é abordar pra encerrar a ocorrência com o documento. Ou seja, independente de ser inocente, a pessoa vai passar por essa situação ameaçadora e vexatória.
Daiane de Souza Mello

O que aconteceu

Daiane, psicóloga e coordenadora de Promoção de Igualdade Racial de Nova Iguaçu, trabalha há dez anos na luta por igualdade racial e atende vítimas de preconceito. No dia 30 de abril, quando estava em uma conferência no Rio, ela foi abordada por três policiais militares do Segurança Presente.

Daiane de Souza Mello, 35, foi confundida com foragida por sistema de reconhecimento facial no RJ
Daiane de Souza Mello, 35, foi confundida com foragida por sistema de reconhecimento facial no RJ Imagem: Arquivo pessoal

"Eles ficaram me cercando por um bom tempo, me olhando, comparando com a foto do celular e lendo meu crachá. Me abordaram antes chamando o nome da suspeita por duas vezes, para checar minha reação. Depois me chamaram e comunicaram que eu havia sido reconhecida no sistema de reconhecimento facial e que, embora já tivessem visto que não era eu, eu precisaria apresentar o documento de identificação", continua a servidora pública.

Foi então que ela argumentou com os agentes que estava sofrendo racismo dentro de uma conferência de igualdade racial. A psicóloga ainda pontuou sobre seus direitos e a recorrência da polícia confundir negros com criminosos e suspeitos.

Racismo é crime no Brasil e já foi comprovado que essas câmeras não reconhecem bem os nossos corpos. Que não cabia a mim ter que provar que não sou eu, que cabia ao profissional estar melhor preparado.
Daiane de Souza Mello

Após toda a situação, ela registrou a ocorrência na Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância)
e deu entrada na Defensoria Pública para o acompanhamento do caso. Daiane conta que teme que isso possa acontecer novamente, pois não se sabe o que é feito das imagens capturadas por esse sistema, nem como acontece a atualização da base de dados.

"Me pergunto como seria se eu estivesse em uma rua sozinha". "Como será com outras pessoas negras, sobretudo, homens negros já vistos como ameaça? Esse sistema é um risco à nossa segurança e ao direito de ir e vir", diz a servidora.

Continua após a publicidade

O que dizem as autoridades

Em nota, a Polícia Civil confirmou que o caso foi registrado na Decradi e está em andamento. Imagens feitas no dia do evento mostram um grupo de pessoas em volta de Daiane questionando a abordagem dos policiais. A vítima também questiona que a mulher foragida não tem qualquer semelhança com ela.

A Polícia Militar é a responsável pelo sistema de reconhecimento facial, mas a abordagem a Daiane foi feita por agentes do Segurança Presente, que cuidam do patrulhamento do bairro. "A Superintendência do Segurança Presente informa que a abordagem realizada no dia 30 de abril, por agentes do Centro Presente, ocorreu dentro dos protocolos estabelecidos pelo programa e com as preocupações do policiamento de proximidade, que visam ser rápidos e evitar qualquer constrangimento à população", disse a entidade em nota.

O procedimento. "Na abordagem em questão, a equipe recebeu o alerta do sistema de Reconhecimento Facial e ao localizar a pessoa, pediu um documento para a identificação — o que é necessário para imediatamente sanar a dúvida. Uma vez apresentado o documento, foi feita a consulta para encerrar a ocorrência. A superintendência ressalta que o Segurança Presente atua com conceitos de policiamento de proximidade e com respeito aos direitos individuais e e dentro dos Direitos Humanos".

Já a Polícia Militar afirmou que já foram realizadas mais de 220 prisões com o sistema, mas não informou o que será feito com as imagens da servidora pública. "Sobre seu funcionamento, há um protocolo estabelecido com três filtros: a primeira análise do vídeo; a abordagem do policial militar no terreno; a confirmação dos dados e do mandado de prisão em delegacia. Vale ressaltar que o software utilizado pela SEPM do Rio de Janeiro foi selecionado através de processo licitatório conforme previsto na legislação brasileira vigente", diz o comunicado enviado ao UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes