Conteúdo publicado há 1 mês

No 1º semestre, país teve 91% dos casos de intolerância religiosa de 2023

Somente no primeiro semestre deste ano, o número de violações à liberdade religiosa no Brasil chegou a 1.940 registros no Disque 100, canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos. Esse dado representa 91% do total de violações desse tipo em 2023.

O que aconteceu

Essas 1.940 violações estão distribuídas em 1.227 denúncias, segundo levantamento feito pelo UOL no painel do Disque 100. No ano passado, o canal registrou 2.128 violações, em 1.482 denúncias.

As religiosidades afro-brasileiras são o principal alvo dessa intolerância. De 525 violações em que a religião da suposta vítima foi identificada, 276 envolvem adeptos de crenças de matriz africana. Essas violações, registradas no primeiro semestre de 2024, estão distribuídas em 160 denúncias.

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Imagem: Arte/UOL

O candomblé lidera entre as religiões de matriz africana com 166 violações. Em seguida, aparecem umbanda, 124; e umbanda e candomblé, violações que teriam relação com as duas religiões, com 22 registros.

Correntes evangélicas aparecem como as crenças predominantes entre os suspeitos de cometer essas violações contra adeptos das religiões afro-brasileiras. Evangélicos seriam os autores de 55 dessas violações, distribuídas em 34 denúncias.

O Disque 100 é um serviço ligado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. O canal recebe demandas relacionadas a violações de Direitos Humanos, principalmente ataques contra grupos em situações de vulnerabilidade social.

Serviço funciona diariamente, incluindo sábados, domingos e feriados. As ligações podem ser feitas de todo o Brasil por meio de discagem direta e gratuita, de qualquer terminal telefônico fixo ou móvel, bastando discar 100. O canal também pode ser acionado pelo email ouvidoria@mdh.gov.br e pelo Whatsapp +55 61 9 9611-0100.

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'Demonização' do negro

Racismo religioso contra as crenças afro-brasileiras "não é coincidência", avalia o antropólogo Ordep Serra, em entrevista ao UOL. Para o professor aposentado da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e presidente da Academia de Letras do estado, "não é por coincidência ou acaso que são justamente os templos de matriz africana que são vandalizados, atacados. É a 'demonização' de tudo que tem a ver com o negro".

Serra ressalta que os evangélicos não podem se deixar contaminar pelo fundamentalismo religioso. "O problema não é a religião em si, mas essa atitude fundamentalista, de que é dono da verdade, quem não tiver com eles é satânico. O fundamentalismo é manipulado politicamente porque o código religioso é gerador de consenso, então, isso é explorado para ganhar poder".

Cassiano Luz, diretor-executivo da Aliança Cristã Evangélica Brasileira, diz que não se surpreende com os números. "A informação faz sentido em meio a notícias que temos ouvido em anos recentes. Sabemos, no entanto, que o termo 'evangélicos' abrange hoje uma vasta gama de diferentes perspectivas, manifestações, modos de ser e práticas", ressalta, destacando a diversidade da comunidade.

Cassiano Luz, diretor-executivo da Aliança Cristã Evangélica Brasileira
Cassiano Luz, diretor-executivo da Aliança Cristã Evangélica Brasileira Imagem: Reprodução/Instagram

Ele afirma que a associação, que reúne igrejas, organizações e outras entidades cristãs do país, discute a liberdade religiosa. "Liberdade religiosa só existe de fato quando vale para todas as religiões. É incoerente e não faz qualquer sentido militarmos pela 'nossa' liberdade se essa militância não se estender a todas as outras manifestações religiosas".

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O número de denúncias aumenta em meio à maior divulgação do Disque 100, avalia o diretor de Promoção dos Direitos Humanos do ministério."Quando há um aumento, também significa que os casos estão sendo formalmente noticiados, quando anteriormente eram subnotificados", disse ao UOL Fábio Mariano. A expectativa do ministério é de que esse número de denúncias ainda apresente um aumento no próximo ano e comece a cair em cerca de dois anos.

O diretor de Promoção dos Direitos Humanos do ministério, Fábio Mariano
O diretor de Promoção dos Direitos Humanos do ministério, Fábio Mariano Imagem: Clarice Castro/MDHC

Mariano também diz que o ministério tem investido em políticas públicas que garantam a liberdade religiosa. A nova gestão à frente da pasta lançou, por exemplo, a coordenação-geral de Promoção da Liberdade Religiosa.

'Intolerância constante'

A mãe Paloma de Ogum, que comanda uma casa de umbanda em Rolim de Moura, no interior de Rondônia, diz que a intolerância religiosa é constante em sua vida.

Ela conta ao UOL que, se estiver com alguma vestimenta relacionada à religião, uma simples ida à padaria pode ser um problema. "Se a gente estiver vestido como qualquer um, tudo bem. Mas, se estivermos paramentados, o atendimento muda. Dá para escutar os comentários ao redor".

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Na última segunda-feira (8), Paloma não precisou sair do terreiro para ser alvo de racismo religioso. Dois homens e uma mulher invadiram a casa dela e agrediram uma mulher que visitava o local. Segundo Paloma, a mãe deles foi ao terreiro com o atual companheiro, um homem transexual.

Mãe Paloma de Ogum, que comanda uma casa de umbanda em Rolim de Moura, no interior de Rondônia
Mãe Paloma de Ogum, que comanda uma casa de umbanda em Rolim de Moura, no interior de Rondônia Imagem: Arquivo pessoal

Eles quebraram imagens de Exu, cultuado como entidade na umbanda, e outros objetos religiosos da casa. "Um dos filhos falava, o tempo todo, do absurdo que era a mãe dele 'no meio dessas coisas', que ela estava sendo levada pelo homem trans a fazer isso".

Além do racismo, a homofobia também não é uma novidade para Paloma, que é transexual. "Por ser uma cidade do interior, tudo fica mais complicado ainda, não é fácil. É um preconceito que a gente não se acostuma porque não devemos nos acostumar com isso", relatou.

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