Pais acusam hospital em SP de cobrar R$ 50 mil por UTI; prática é ilegal
Os pais de uma bebê de quatro meses acusam um hospital da rede Hapvida NotreDame Intermédica em Guarulhos (SP) de exigir o pagamento de R$ 50 mil para levá-la à UTI (Unidade de Terapia Intensiva).
É proibido por lei exigir pagamento prévio para pacientes particulares em emergências de saúde quando há risco de morte. Em áudio obtido pelo UOL (ouça acima na abertura da reportagem), uma funcionária confirma que a internação só seria feita após o valor ser pago.
Procurada, a rede Hapvida NotreDame Intermédica disse que não faz cobranças desse tipo e que não há pendências em nome da família, mas que "foram tomadas as medidas cabíveis para prevenir a ocorrência de situações semelhantes no futuro".
O que aconteceu
A bebê, então com três meses, foi internada na observação do pronto-socorro do Hospital e Maternidade Guarulhos no dia 17 de junho. Os pais, o bombeiro Geovane Carvalho Costa Macedo e a dona de casa Lorena Carvalho Pinheiro Macedo, contam que a filha tratava uma bronquiolite em casa, mas piorou.
Médicos disseram que o caso era grave e que a menina devia ser internada na UTI. O prontuário, ao qual o UOL teve acesso, mostra que a bebê precisava de suporte de oxigênio e, na manhã seguinte à internação, "evoluía com piora importante do desconforto respiratório".
Primeiro, a internação na UTI foi negada porque o plano de saúde da menina, também da NotreDame, estava no período de carência —o que também é proibido por lei em urgências. Depois, Lorena conta que ao tentar transferir a filha para o atendimento particular recebeu a informação de que deveria pagar R$ 50 mil como caução.
O hospital só internaria na UTI se eu fizesse o pagamento prévio de R$ 50 mil, ou à vista, ou como a funcionária do administrativo disse 'parcelado em 12 vezes no cartão de crédito para eu ficar tranquila'. Essa não é a realidade da maioria dos brasileiros. Quem tem R$ 50 mil à vista? Ou quem tem um cartão com R$ 50 mil de limite como garantia para não perder a vida da sua filha? Lorena Carvalho Pinheiro Macedo, mãe da bebê
A cobrança serviria como uma espécie de caução. É uma forma de a instituição garantir o valor para cobrir os eventuais gastos da internação. Mas a prática é proibida pela ANS desde 2003 e vetada por lei desde 2012 para emergências de saúde, quando há risco de morte. Três médicos consultados pela reportagem avaliaram os registros médicos da criança e disseram que o caso era grave, com risco à vida da menina, ou seja, uma emergência.
Não desejo isso para ninguém. Vi a minha filha quase morrer, minha filha virou cifrão. Se tivesse dinheiro, ela merecia viver, se não tivesse, merecia morrer. Lorena Carvalho Pinheiro Macedo, mãe da bebê
Dados do prontuário e uma ligação com o setor financeiro apontam que a internação em UTI só seria feita após o pagamento. "Para fazer a internação via particular, ela [mãe] tem que acertar o valor, que é R$ 50 mil", diz o áudio de uma funcionária. Já o prontuário informa que a mãe "estava decidindo se ia pagar ou não o valor". Outro trecho aborda "problemas burocráticos" para liberar a medicação à paciente.
Padrinho da bebê, o advogado Paulo Pantaleão entrou com uma liminar para ela receber o atendimento emergencial gratuito e, por isso, a família também não precisou arcar com os valores após a internação. A decisão favorável foi concedida no dia 19 de junho, e a bebê transferida para a UTI no mesmo dia —dois dias depois de ter dado entrada no hospital. Ela chegou à unidade intensiva com insuficiência respiratória e suspeita de broncopneumonia. A bebê teve alta em 24 de junho e está em acompanhamento com o pneumologista.
Cobranças são proibidas quando há risco de morte
É proibido cobrar previamente pelo atendimento de urgência. E até mesmo condicionar o socorro à exigência de informações para o pagamento posterior, como o repasse de dados bancários no momento. "Isso tudo pode ser exigido previamente, desde que não seja uma situação de urgência e emergência", explica o advogado Kristian Rodrigo Pscheidt, pós-doutorando pela UFPR (Universidade Federal do Paraná).
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Quero receberSe você chega com situação de risco de morte em um hospital privado, eles devem fazer atendimento de emergência, independente de qualquer garantia de pagamento. Exigir essa garantia é conduta criminosa. Hospital privado não pode se negar a fazer atendimento de pessoas nessa situação, sob pena de omissão de socorro. Kristian Rodrigo Pscheidt, advogado
A regra muda para atendimentos eletivos. É o caso de cirurgias pré-agendadas, em que há o planejamento para realizá-las, com valor, cobrança e data pré-determinados. "Não há meio-termo entre eletivo e emergência, porque o eletivo é o procedimento de agenda, que não é necessário naquele momento", explica a advogada Nycolle Soares, especialista em direito médico e sócia do Lara Martins Advogados.
O que diz o hospital
Leia a nota enviada pela rede Hapvida NotreDame Intermédica ao UOL:
"A empresa reafirma seu compromisso com a excelência no atendimento e cuidado aos clientes. A paciente M.P.M. recebeu todo o suporte necessário durante sua estadia no hospital, tendo sido admitida na unidade em 19/06/2024*, com seu plano de saúde ainda no período de carência. Todos os atendimentos, procedimentos e exames indispensáveis e cobertos pelo plano foram realizados. A internação da paciente foi autorizada na mesma data, conforme decisão judicial.
Informa-se que o processo de regulação está em total conformidade com as determinações da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Todos os serviços prestados à paciente dentro da rede foram realizados com a máxima qualidade, e ela já recebeu alta médica.
Esclarece-se que a operadora não realiza cobranças prévias e repudia veementemente qualquer conduta inadequada nesse sentido. Foram tomadas as medidas cabíveis para prevenir a ocorrência de situações semelhantes no futuro. Ressalta-se que não há pendências financeiras em nome da cliente. A companhia está em contato com a família e se coloca à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais."
*A rede afirma que a bebê deu entrada na unidade no dia 19 de junho. Os registros, no entanto, mostram que o acesso ao pronto-socorro foi no dia 17 de junho. Ela foi levada à UTI no dia 19, após a decisão favorável da Justiça pela gratuidade do tratamento.
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