'Tentei esquentar corpo do meu filho morto': mãe acusa hospital de descaso
Gabriel de Almeida Santana, de 1 ano e meio, morreu no dia 10 de maio no Hospital e Maternidade Guarulhos (SP), da rede Hapvida NotreDame Intermédica, após ser internado por bronquiolite. Seus pais, a professora Joelma Morais de Almeida, 35, e o motorista Flávio Almeida Santana, 33, acusam a unidade de negligência médica, citando atraso na medicação e falta de um leito na UTI (Unidade de Terapia Intensiva).
O que aconteceu
Gabriel foi internado no dia 7 de maio. Menino foi internado com bronquiolite no Centro Clínico Cotia (SP), que também pertence à Hapvida NotreDame Intermédica. A família já havia buscado outro pronto-socorro da mesmo rede em Osasco no dia 5, quando a criança recebeu o diagnóstico, mas teve indicação de seguir o tratamento em casa.
Tosse intensa e febre alta. Gabriel estava com tosse intensa e febre alta ao chegar para ser atendido, no dia 7. "O hospital estava bem cheio. Não tinha como esperar atendimento, porque o Gabriel começou com uma crise de tosse. Desci correndo para a enfermaria, onde me deram toda a assistência e acionaram a médica. Ela mediu a saturação, que estava baixa, e os batimentos cardíacos bem rápidos", contou Joelma, em entrevista ao UOL.
Criança foi transferida para Guarulhos no mesmo dia. O hospital em Cotia alegou não ter estrutura para lidar com o seu quadro. "Disseram que tinha sido solicitado um leito de UTI para o meu filho e que conseguiram em Guarulhos. Ficamos esperando a ambulância chegar, a previsão era 22h30, mas veio só depois das 23h30", recorda Joelma.
Menino morreu três dias depois. Gabriel morreu por insuficiência respiratória aguda grave, pneumonia e pneumotórax (perfuração no pulmão), indica o atestado de óbito. Durante a internação, Joelma alega que o filho teve sintomas como: falta de ar, inquietação e oscilações de febre e de saturação. Segundo a família, Gabriel não tinha problemas de saúde pré-existentes.
Outro lado. Procurada, a rede Hapvida NotreDame Intermédica lamentou a morte e afirmou "que o paciente recebeu toda assistência necessária com exames e administração de medicamentos indicados". O posicionamento completo está no final da reportagem.
Família aponta negligências
Sem leito na UTI. Como contou, Joelma diz ter sido informada de que a transferência seria para um leito de UTI. No entanto, ao chegar à unidade de Guarulhos, descobriu não haver vaga. "O médico falou: 'Não tem leito. O protocolo é: você vem para o hospital e a gente faz a análise para ver a necessidade de internação lá'", afirma. Ao UOL, a rede do hospital alegou que o atendimento "foi prestado em sala equipada com aparelhos de terapia intensiva."
Medicação teria sido "extraviada". Joelma relata atrasos nas medicações. Em uma das vezes, conta que os remédios previstos para às 17h foram entregues apenas 21h. "As enfermeiras do hospital me falaram que tudo bem dar os remédios uma hora antes ou depois do horário, mas às 18h ninguém tinha aparecido ainda. Depois, soube que a medicação foi extraviada: os remédios tinham sido liberados para o PS e, como tínhamos subido [para o quarto], não encaminharam."
Família aponta falta de atendimento de cardiologista e poucos pediatras. O pedido de transferência de Gabriel indicava a necessidade de "reavaliação por pediatra e cardiologista, com resguardo de UTI", mas a família diz que não houve atendimento de um cardiologista. Além disso, ao menos três profissionais que indicaram protocolos de tratamento para Gabriel não são pediatras, segundo consulta do número de CRM, o registro profissional. Nas redes sociais, uma das médicas diz ter especialização em dermatologia.
Mãe alega descaso dos profissionais. Joelma reclama que as informações "se perdiam" ao tirar dúvidas sobre quando exames seriam feitos, alertas sobre o horário das medicações e pedidos de atendimento médico. Ela diz que um médico afirmou ter solicitado um raio-X, que nunca foi feito —a ausência de exames também é uma queixa da família.
'Gritei que meu filho morreu por culpa deles'
Joelma tirou Gabriel do quarto no dia 10. Na expectativa de conseguir ajuda de enfermeiras do andar, a mãe tirou o menino do quarto. "Não sabia mais o que fazer, olhei para ele e falei: 'filho, vamos pro corredor, para ver se a gente incomoda e fazem alguma coisa'. Cheguei ao posto de enfermagem e falei que ele não estava bem, que não aguentava ficar naquele quarto. Mas me deram uma folha sulfite e uma caneta, para ele desenhar e se acalmar. Meu filho nem conseguia pegar a caneta."
Gabriel passou mal pouco depois. Joelma notou que a boca do filho estava roxa quando voltou ao quarto para receber familiares. "Eu que fui atrás da médica. Desci até o PS e perdi a cabeça, falei que meu filho estava morrendo e ninguém fazia nada", lembra. "Quando viu meu filho, uma médica gritou que ele precisava entubar e de um leito de UTI, mas um enfermeiro disse que não tinha."
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Quero receberJoelma acompanhou as tentativas de reanimar o filho. As tentativas de reanimação duraram 40 minutos —tempo padrão em caso de parada cardíaca. "Eu disse que não ia sair de lá, para tirarem a mão de mim. Só ia sair de lá com o meu filho", diz. "Ele foi sedado, acalmou, ligaram o oxigênio, mas a mangueira estava furada, e os monitores [para ver os sinais vitais] começaram a piscar, estavam ruins", afirma. "Me joguei no chão e comecei a orar."
Depois de 40 minutos de massagem [cardíaca], falaram que ele tinha morrido. Gritei que meu filho morreu por culpa deles. Fiquei lá, peguei meu filho no colo, sentei em uma cadeira. Tentei esquentar o corpo do meu filho morto, mas não conseguia. Joelma Morais de Almeida, mãe de Gabriel
Joelma diz não saber quando vai retomar a rotina. Isso porque é professora na mesma escola que o filho frequentava. Ela buscou terapia e vai consultar o psiquiatra, com indicação da diretora da instituição de se afastar das atividades por um tempo. "Tudo na minha vida envolvia ter o Gabriel. Ele tomava café comigo, no final do dia pegava ele na sala, a gente ficava o fim de semana junto, acordava junto, tomava banho junto."
A minha vida perdeu a cor, não tem mais sentido. Sei que tenho que continuar, porque tenho outra filha, meu marido, minha mãe, mas é uma dor. Minha luta é que quem errou pague pelos erros, até porque a vida do Gabriel não tem preço. Joelma Morais de Almeida, mãe de Gabriel
O que diz o hospital
Leia a nota enviada pela rede Hapvida NotreDame Intermédica ao UOL:
"A empresa lamenta profundamente o falecimento da criança e se solidariza com a perda da família. Desde que deu entrada na unidade, o paciente recebeu toda assistência necessária com exames e administração de medicamentos indicados para seu quadro de saúde, além do atendimento ter sido prestado em sala equipada com aparelhos de terapia intensiva.
A Companhia reforça o seu pesar e está à disposição da família para ajudá-los a lidar com essa perda irreparável."
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