Tem como ser ateu e acreditar em Jesus? Entenda o que é o ateísmo-cristão

"Por achar impossível ter um criador bondoso de um mundo tão cruel, me considero ateu. Por concluir que Jesus foi 'o cara', me considero cristão. Sou um ateu-cristão". A declaração é do escritor Fábio Chap, de 29 anos, nas redes sociais, e gerou debate. Será que é mesmo possível acreditar em Jesus sendo ateu? Embora pareça contraditório, o ateísmo-cristão existe e é validado por religiosos e pesquisadores mundo afora.

A doutrina ateísta se desenvolveu e outras correntes se originaram dentro do movimento. Uma delas é o ateísmo-cristão. Pesquisadores ouvidos pelo UOL não cravam sobre a datação de seu surgimento, mas afirmam que a prática é relativamente recente.

O ateísmo surgiu no século 18 e é a negação de um deus, seja ele uma divindade cristã ou não. A doutrina se baseia não apenas na refutação de uma existência divina, mas também na consequente adoração dela. É um estilo de vida que historicamente carrega a conotação negativa em países majoritariamente cristãos, como é o Brasil, que tem 90% de sua população crente em Deus, segundo dados de 2023 do Ipsos.

Mas o que é o ateísmo-cristão?

O termo parece contraditório, mas a sua essência se demonstra coerente até mesmo para religiosos. No ateísmo-cristão, os adeptos partem do pressuposto de que não há um deus. No entanto, eles acreditam que Jesus Cristo existiu. Para eles, Jesus não é adorado como devoção e foi alguém comum, um homem normal de seus tempos - com uma mensagem com a qual simpatizam.

"O ateísmo-cristão é uma maneira de se definir aqueles que não creem na existência de Deus, porém acreditam em Jesus Cristo enquanto personagem histórico e simpatizam com seu modo de vida e alguns aspectos de sua mensagem", resumiu Huanderson Leite, mestre em teologia cristã pela PUC-SP e líder do GT Católico-Pentecostal da Arquidiocese do Rio de Janeiro.

O que sustenta o ateísmo-cristão é a mensagem e ensinamentos que rodeiam a mais importante figura histórica cristã. Por não acreditarem no Deus cristão, não significa que os ateus-cristãos fogem da cruz. O inferno e o paraíso, para eles, também não existem.

"E nesse sistema de crença [de ateísmo-cristão], Deus é rejeitado como divindade, mas aquilo que Jesus ensinou e pregou é levado em consideração. Isso até porque Jesus é visto, muitas vezes, como um profeta, um avatar, alguém que viveu de fato, que deixou ensinamentos bons, mas [no ateísmo-cristão] se nega a divindade a Jesus. Inclusive, existem religiões que negam a divindade a Jesus, justamente a sua afiliação de Deus, mas acreditam nas suas propostas", pontua o padre José Carlos Pereira, mestre em Ciências da Religião e autor do livro "Operários da Fé" (Matrix Editora).

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Vale lembrar que, além do ateísmo, existem os agnósticos. Neste caso, são pessoas que não acreditam na existência de Deus, mas não negam a possibilidade de haver divindades - desde que um dia isso se comprove.

Ateu-cristão comemora o Natal?

Os praticantes também podem celebrar datas religiosas se as olharem pelo ângulo da mensagem por trás, como a Páscoa pela renovação da esperança e o Natal pela compaixão com o próximo. Ou melhor, o"Newtal", como alguns ateus brincam, em referência a Isaac Newton — ironicamente o cientista acreditava em Deus e era estudioso da Bíblia, pois buscava confirmar passagens do livro pela matemática.

"A figura histórica, segundo a tradição, deixou um legado espiritual inegável, que é recuperado por acadêmicos contemporâneos, justamente, desassociando-o do Jesus do cristianismo. Sendo assim, é possível acreditar em Jesus de forma não institucional", afirmou Andrey Mendonça, mestre em teologia e em ciências da religião e professor da ESPM.

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