DJ foi fazer cirurgia para apneia e contraiu bactéria: 'Acordei sem perna'
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O jornalista e DJ Julio Cesar Trindade, 35, contraiu uma superbactéria e sofreu múltiplas amputações após passar por uma cirurgia ortognática no hospital Casa de Portugal, no Rio.
O caso ocorreu em maio do ano passado e, agora, o DJ está movendo uma ação contra a unidade hospitalar e o plano de saúde Bradesco. A Casa de Portugal nega a versão de Trindade (leia mais abaixo).
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'Deram remédio para ansiedade'
Trindade havia feito uma pré-cirurgia em um outro hospital, que foi descredenciado pelo Bradesco. Segundo ele, o procedimento seria realizado na Casa de Saúde São José, onde já havia recebido atendimento.

Com o descredenciamento do plano, restou apenas a opção da Casa de Portugal.
A cirurgia era para corrigir uma apneia —e teve sucesso, mas houve complicações na recuperação. "Comecei a reclamar que estava com falta de ar e identificaram como crise de ansiedade. Deram remédio para isso —sendo que eu nunca precisei tomar medicamento para ansiedade. Relatei diversas vezes a falta de ar."
Trindade diz que demorou 24 horas para que a equipe médica do hospital diagnosticasse que ele estava desenvolvendo um quadro de sepse (resposta desregulada do corpo a uma infecção), causada por uma KPC, uma superbactéria resistente a antibióticos.
Como tinha feito uma cirurgia na região da boca, não conseguia falar, e me comunicava pelo bloco de notas do celular. Pedi para medir pressão e oxigenação, algo que era simples e que poderia ter evitado tudo. Só foram ver que minha oxigenação estava baixa 24h depois e aí começou o processo de intubação, em que tive duas paradas cardíacas. Depois disso, não lembro o que aconteceu.
Julio Cesar Trindade, 35

Ele ficou em coma por 40 dias. Durante esse período, por meio de uma decisão judicial, a família conseguiu que ele fosse removido para outro hospital, onde ficou em coma induzido para ser submetido à terapia com ECMO, uma espécie de pulmão artificial.
Quando finalmente acordou, Trindade notou que havia sofrido amputações. Ele perdeu a perna esquerda, dedos do pé direito e dedos da mão direita.
Isso ocorreu porque, em casos de sepse, o corpo direciona o sangue para os órgãos prioritários: cérebro, coração, pulmões, fígado, rins. Com isso, as extremidades recebem menos sangue que o habitual.
Além disso, no próprio tratamento da sepse, são utilizadas medicações que podem ajudar nessa priorização do fluxo sanguíneo —levando à necrose das extremidades e, consequentemente, à amputação.
Acordei sem perna, extremamente debilitado. Perdi quase 30 kg. Perguntei para minha esposa se tinha sofrido um acidente porque não conseguia mexer os braços, estava sem dedos na mão direita, minhas pernas estavam imóveis.
Julio Cesar Trindade
'Acompanhei parto pelo celular'
Na época, a mulher dele, a jornalista Maíra Gama, 35, estava grávida de sete meses. "Minha preocupação era se teríamos dinheiro para uma prótese. Meu filho estava chegando, tínhamos acabado de comprar um apartamento, mas minha esposa disse que daríamos conta."

O filho nasceu depois de quatro dias da alta hospitalar. O DJ, que ficou 75 dias internado, conta que teve de acompanhar o parto por videochamada, já que corria o risco de contaminar o ambiente com a bactéria que contraiu anteriormente. Hoje, o filho, João, é uma criança saudável de seis meses.
Para mim, essa foi a pior parte. Planejamos muito o João e foi muito dolorido não estar com minha esposa nesse momento. Peguei meu filho no colo tempos depois, mas no parto tive de acompanhar pelo celular.
Julio Cesar Trindade
Trindade foi exonerado do trabalho e hoje está com auxílio-doença pelo INSS. Além de DJ, ele atuava como assessor parlamentar na Câmara do Rio de Janeiro.
Além das amputações, ele relata ter enfrentando problemas no fígado, estômago e medula, além de tromboses pelo corpo e dificuldade de fazer tarefas básicas, como beber água sozinho, dada a perda de massa muscular.
Agora, ele está se readaptando à nova vida. Trindade usa prótese há três meses e passa por reabilitação, reaprendendo a se manter em pé em equilíbrio e recuperando massa muscular.
Estou amputado e ficarei assim o resto da minha vida. Hoje dou mais valor para a minha vida, para meu filho, até para o ato de beber água, já que passei 40 dias sem isso. Cheguei a ter pesadelos.
Julio Cesar Trindade
Processo na Justiça
Trindade entrou na Justiça pedindo indenização por danos morais, estéticos, pensão e pagamento de tratamento e próteses. O processo está tramitando na 8ª Vara Cível do TJRJ desde dezembro do ano passado, mas a família resolveu noticiar o caso apenas neste mês.
Pensei se valia a pena reviver isso [para entrar com um processo], mas diante da forma como a Casa de Portugal me tratou, achei que fosse o correto. Eles ainda ligaram para minha esposa, 5 dias depois que eu saí, para fazer pesquisa de satisfação. E eu semimorto na frente dela.
Julio Cesar Trindade
Para a advogada que cuida do caso, Maria Isabel Tancredo, houve falhas no atendimento. "As infecções relacionadas à assistência de saúde são consequências diretas de falhas nas medidas de prevenção pelo hospital e equipe, tais como higienização das mãos e desinfecção de superfícies e equipamentos."
A situação, já muito ruim, desmorona quando a equipe médica erra em identificar a gravidade do caso e demora a tomar as medidas necessárias. Depois, e graças aos médicos custeados pela família, quando o quadro de Julio exige um tratamento de ponta, único caminho de salvaguarda de sua vida, o plano de saúde nega o tratamento. Foi preciso que um juiz determinasse a realização do tratamento para que o plano finalmente autorizasse. Infelizmente, esse é um cenário que se repete e faz múltiplas vítimas como Julio.
Maria Isabel Tancredo, advogada
Outro lado
O Hospital Casa de Portugal negou a versão de Trindade e disse que o caso será discutido na esfera judicial. "O Hospital Casa de Portugal esclarece que os fatos apresentados não condizem com a realidade, sendo certo que serão amplamente discutidos e comprovados na esfera judicial", afirmou.
Trata-se de paciente admitido para cirurgia eletiva realizada por equipe odontológica externa de sua preferência e escolha, que sofreu complicações decorrentes do procedimento, permanecendo nas dependências do nosocômio por 3 dias, com posterior transferência para outro hospital para realização de ECMO.
Hospital Casa de Portugal
A instituição afirma que seguiu "todos os procedimentos cabíveis e adequados" e "normas de controle de infecção". "Lamentamos o desfecho de sua cirurgia eletiva", diz texto. "Reiteramos ainda que em respeito ao paciente e ao sigilo médico, maiores esclarecimentos serão prestados pela via adequada. O Hospital Casa de Portugal reafirma seu compromisso com todos os seus usuários prestando um serviço de qualidade voltado ao restabelecimento da saúde de seus pacientes."
A Bradesco Saúde informou que "não comenta casos levados ao Judiciário".
17 comentários
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Ricardo Murari
só achei estranho do próprio paciente pedir p ver oxigenação etc coisa simples , não era monitorado o ambiente hospitalar ? pós cirúrgico bem a Deus dará hein!!!
Jose Carlos Caldas da Silva
Esse relato descreve um caso onde a INCOMPETÊNCIA, a IRRESPONSABILIDADE e a INDOLÊNCIA alcançaram o ESTADO DA ARTE. Esse hospital não tem administração? Será que tudo fica por conta de auxiliares de enfermagem por não haver médicos responsáveis por lá? Quando foi a última vez que o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro mandou alguém nesse hospital para fiscalizar alguma coisa? A Agência Nacional de Saúde Suplementar não avalia o tamanho das redes credenciadas onde as empresas vendem seus planos? A Secretaria Estadual de Saúde não fiscaliza nada? Enfim, será que ninguém faz o que precisa ser feito nesta republiqueta bananeira e goiabeira de quinta categoria?
José Malaquias de Oliveira Neto
E assim caminha nosso Brasil. É um plano de saúde no Brasil, um hospital no Brasil, profissionais da saúde no Brasil ... Com certeza nenhum órgão governamental fiscaliza os responsáveis. Que se f*da o paciente.