Facção religiosa do RJ queria 'explodir' chefe do CV com drone de guerra

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O TCP (Terceiro Comando Puro), facção criminosa evangélica do Rio de Janeiro, queria usar drones de guerra para matar o líder do CV (Comando Vermelho), indicam conversas pelo WhatsApp anexadas a uma investigação da Polícia Federal.
O que aconteceu
"Irmão, com esse drone, o senhor vai conseguir explodir o Doca, paizão", disse o armeiro do TCP. O diálogo pelo WhatsApp obtido pelo UOL ocorreu em junho de 2024, quando Everton Vieira Francesquet exibia imagem dos drones de guerra comprados para a facção em meio à disputa por território com o CV. Preso na semana passada pela PF, o armeiro se referia a Edgar Alves de Andrade, conhecido como Doca, apontado como o principal líder da facção rival nas ruas.
"E a meta vai ser essa mesmo", respondeu o líder do TCP. Alvaro Malaquias Santa Rosa, o Peixão, é apontado como um dos criminosos mais procurados do Rio de Janeiro. Ele tem sete mandados de prisão por crimes como tráfico de drogas, associação para o tráfico, homicídio e ocultação de cadáver.

Armeiro do TCP encomendou "fuzil antidrone" da China para reforçar o poderio bélico da facção, indica investigação da PF. Ele chegou inclusive a mandar fotos dos equipamentos para Peixão.
Evangélico, Peixão cita crime como presente de Deus em conversa com armeiro. Ele disse ainda ter "um exército" à disposição para enfrentamentos em áreas de disputa com o CV, facção rival.
Eu vou tratar essa comunidade que Deus deu na minha mão igual a um país. E, se é um país, ele tem que ter tudo. Primeiramente, Deus, né irmão? À frente desse barco, guardando essa cidade e abaixo de Deus, mano, a gente tem que ter um exército bem aparado, tem que ter tudo.
Peixão, em conversa por WhatsApp com Francesquet

Após citar Jesus, Peixão comemora o fato de ter ferido dois rivais com explosivos em uma área dominada pelo CV. "Qual é, meu mano? Bom dia com Jesus aí? Explodi eles lá também essa noite. Joguei três bombas lá, conseguimos acertar dois [membros da facção rival] lá (...). Porra, que bagulho maneiro!", disse, em outro áudio enviado a Francesquet, em julho de 2024.
Empresa de fachada no Paraguai
Peixão cogitava abrir empresa de fachada no Paraguai com o armeiro, segundo diálogo de junho de 2024. Segundo documento do MPF (Ministério Público Federal) obtido pelo UOL, a ideia da dupla era tentar comprar mais armas e bloqueadores de sinal, o que é mais fácil no país vizinho.
Em prints encaminhados a Peixão, o armeiro confirmou a compra de diversos fuzis no mesmo período. "O senhor não consegue um endereço no Paraguai, não?", perguntou Francesquet. "Consigo mesmo. A gente tem um pessoal nosso lá", respondeu Peixão. "O endereço lá [para empresa de fachada no Paraguai] é mole. Já vou mandar ver isso aqui agora", completou.

Tipo assim, irmão. Dá para fazer o bagulho bonitão. Dá pra gente montar uma loja lá no Paraguai. Se quiser... Se não quiser, bota só o endereço (...) . E não precisa mandar direto do Paraguai para cá. Eu consigo a transportadora que traz já, já tem o contato do transportador que vai trazer até se for fuzil, não tem problema.
Peixão, trecho de áudio enviado para o WhatsApp de Francesquet
Versículos, drogas e fuzis
Peixão domina áreas do tráfico na zona norte do Rio. Evangélico, gosta de usar símbolos e personagens bíblicos.
Trechos bíblicos, bandeiras do Estado de Israel e imagens de Cristo são vistas em grafites e pinturas gospel nestas áreas. Em um "resort do crime" descoberto pela polícia, havia uma instalação em neon da estrela de Davi.
Traficante apelidou o seu grupo criminoso de "Tropa do Arão", em referência Arão à figura bíblica, irmão de Moisés. A tropa surgiu na Parada de Lucas, depois tomando o controle de Vigário Geral, Cidade Alta, Pica-Pau e Cinco Bocas.
O grupo ficou conhecido pela intolerância a religiões de matriz africana e por usar o nome de Deus para controlar áreas no Rio. No "resort" de Peixão, construído em uma área de preservação ambiental com dinheiro ilícito, a Polícia Civil também encontrou várias bíblias.

O mundo do crime se legitima pelo terror. Mas a religião faz com que ele [Peixão] adquira um outro tipo de poder diante dos seus comandados. Esses presos da cúpula da facção usavam termos bíblicos em conversas informais com os policiais, e demonstravam ter uma espécie de devoção pelo líder da quadrilha, a quem se referiam como 'Irmão de Moisés'.
Marcus Amim, delegado da Polícia Civil do Rio
Como Peixão ocupou área do CV
Traficante invadiu áreas que eram reduto histórico do Comando Vermelho. Segundo fontes na Polícia Civil ouvidas pelo UOL, Peixão expandiu a sua área de domínio entre o fim de 2017 e o começo de 2018. "O Peixão tem um poderio bélico bem expressivo porque precisa disso para manter o Complexo de Israel e impedir as tentativas de invasão do Comando Vermelho", disse o delegado Marcus Amim.
Drogas e armas vindas de fora do país. De acordo com investigações, Peixão tem sido um dos principais líderes do TCP na negociação para trazer drogas e armas de países como Paraguai, Colômbia e Venezuela devido à sua rede de contatos no exterior. "O Peixão é o principal articulador hoje do TCP e conta com uma rede de intermediários, que buscam armas e drogas no exterior", disse o delegado Marcus Amim.
Pelo menos 200 pessoas foram vítimas do TCP nos últimos dois anos no RJ. Em um dos golpes, os criminosos criam anúncios falsos de veículos na internet para sequestrar "clientes" interessados. O dinheiro que seria destinado à compra do carro é roubado e eles pedem Pix aos familiares para soltar os sequestrados.
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