Grupo que resgatou armas em vez de crianças processa Taurus: 'Enganados'

Um grupo de voluntários que ajudava nos resgates durante as enchentes no Rio Grande do Sul, no ano passado, entrou na Justiça contra a Taurus pedindo indenização de mais de um R$ 1,2 milhão. Eles relatam que foram chamados para salvar crianças na tragédia no Aeroporto Salgado Filho de Porto Alegre, que ficou inundado, e acabaram resgatando uma carga de armamentos.

O que aconteceu

Os seis voluntários pedem, juntos, uma indenização de R$ 1.270.800 da Taurus por danos morais. Eles alegam no processo que foram enganados, coagidos e constrangidos na ação, que tirou 3.000 artefatos bélicos de dentro do aeroporto. Eles alegam que foram chamados para salvar crianças ilhadas e acabaram tendo que transportar armas. O processo acusa a Taurus de mentir sobre a missão e dizem que faltou "lealdade, informação e assistência" no episódio.

Os voluntários dizem que foram expostos a um alto risco. Eles alegam que não tiveram treinamento adequado e nem receberam equipamentos de segurança, como coletes a prova de balas, para carregar o arsenal. O UOL apurou, à época, que a carga com fuzis e metralhadoras foi resgatada para evitar saques de grupos criminosos.

A Taurus Armas S.A. nega que tenha recrutado voluntários civis. A empresa diz que não tem qualquer responsabilidade sobre a operação e que as armas estavam em processo de exportação. A custódia seria, por isso, da Fraport, administradora do aeroporto. Ela alega que a responsabilidade da segurança do armamento seria da Polícia Federal. A Taurus afirma que contratou empresas terceirizadas especializadas para o resgate, que todos os envolvidos estavam sendo escoltados e que, por isso, não estariam em risco.

A União também foi processada, porque agentes da PF atuaram no resgate. O processo diz que esses agentes sabiam que eram civis despreparados e foram omissos ao permitirem que fizessem o transporte do armamento sem escolta adequada. O UOL apurou, à época, que a PF não conferiu o documento dos voluntários. Portanto, pessoas estranhas tiveram acesso e ficaram a sós com as armas mesmo com o risco da operação. A AGU (Advocacia-Geral da União) nega que a União tenha responsabilidade e disse que já se apresentou nos autos, apontando que qualquer irregularidade é responsabilidade da Taurus. "A União, que tinha o dever de proteger a área do terminal aeroviário evitando saques, não seria a responsável pelo transporte dos materiais ou armazenamento dos mesmos em outro local", diz.

Carga resgatada do aeroporto
Carga resgatada do aeroporto Imagem: Arquivo pessoal/Nicolas Vedovatto

Grupo alega ainda que suas imagens foram veiculadas no 'Fantástico' de forma indevida. Em reportagem exibida pela TV Globo, todos eles foram identificados como agentes da Polícia Federal, por isso também pedem indenização. "Constrangidos pelos prepostos da Taurus S/A, foram expostos a essa circunstância delicadíssima, e, na prática, organizaram toda a logística envolvendo o transporte das armas para fora do aeroporto, enquanto os funcionários da empresa Taurus S/A e agentes da Polícia Federal apenas assistiam", diz o processo.

O processo pede a atuação do Ministério Público Federal no caso, por se tratar de um assunto de interesse público e social. Para os advogados, o resgate de armas por civis é um problema de segurança pública e nacional.

A ação aguarda manifestação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre. Indenização requerida é de, no mínimo, 150 salários mínimos para cada um dos seis voluntários. Somadas e aplicadas correções, o valor é, ao todo, de R$ 1.270.800. Procurada pela reportagem, a defesa dos voluntários disse que "o dano moral não é fácil de quantificar. É inestimável. Nós levamos em conta a forma que eles foram chamados e a forma que foram enganados".

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Relembre o episódio

O grupo de voluntários surfistas atuava há cerca de dez dias em resgates de vítimas e animais por ter conhecimento em água e embarcações. A informação foi dada por Nicolas Vedovatto, um dos voluntários. A equipe reuniu barcos, apetrechos e até brinquedos para o resgate.

Eles foram abordados por um homem, identificado como Michel Rodrigues, pelo WhatsApp. Rodrigues disse que tinha recebido um pedido de socorro de uma pessoa que sabia da localização de cem crianças ilhadas. A localização não poderia ser exposta para não gerar uma espécie de engarrafamento de barcos. "Tudo sigiloso", disse.

Nicolas, Isaac e Igor, voluntários que participaram do resgate, da esquerda para a direita
Nicolas, Isaac e Igor, voluntários que participaram do resgate, da esquerda para a direita Imagem: Arquivo pessoal/Nicolas Vedovatto

Suposto intermediador alega que também é vítima. Procurado pelo UOL, Rodrigues disse que também foi convocado para auxiliar na busca de crianças e aponta um homem chamado Leonardo Godoy como o líder da operação. Godoy, que se apresentava como empresário nas redes sociais, disse que estava na linha de frente de diversos resgates no RS. Segundo os voluntários, Godoy se colocou como chefe da operação de resgate e pediu barcos ao grupo.

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Eu fui coagido, todos nós fomos enganados. A gente participava daqueles grupos ali de resgate (...) Mas o sorriso dos meninos (voluntários) nos vídeos do aeroporto mostra que eles não foram forçados.
Michel Rodrigues, suposto intermediador

Ao chegarem no ponto de encontro, os 6 voluntários encontraram Godoy e Vivian Rodrigues. Ela se apresentou como funcionária da Taurus, mas a empresa nega que ela parte do quadro de funcionários. A reportagem solicitou uma lista dos participantes do resgate das armas, mas a empresa não quis fornecer.

"Ela disse: 'não são crianças, na verdade, são armas'".Os amigos dizem que resistiram, mas a mulher insistiu, falando que a ajuda deles iria "salvar muitas vidas" e que eles não poderiam desistir pois "sabiam demais" e havia agentes da PF envolvidos. O grupo acabou indo. O UOL tentou contato com Vivian por telefone e mensagem. Ela atendeu a ligação, mas desligou após identificação da reportagem.

Chegou um ponto do trajeto a Vivian falou para guardar os celulares e não fazer movimento brusco por conta dos snipers que estavam nos acompanhando.
Nicolas Vedovatto, voluntário

Equipe chegou ao aeroporto e encontrou homens da PF. O UOL apurou que a PF não fez a conferência de quem participava do resgate da carga sensível. A averiguação é praxe em ocorrências como essa, mas por conta da tragédia climática, não foi realizada. O voluntário disse que no início estava tudo "desorganizado" e que até chegaram a levar parte da carga sem escolta alguma até um caminhão.

Após a instauração do processo, o UOL tentou novamente contato com os envolvidos. Vivian não respondeu, Godoy e Rodrigues não foram encontrados. O espaço segue aberto para manifestação.

42 comentários

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Renato Silveira

Uma coisa é certa: Se fechassem TODAS as fábricas de armas, o mundo seria bem melhor. Haveria, com certeza, MENOS mortes.

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Galindo Hernandez

Fico só imaginado qual a caixinha da Tauros que eles dão por fora mensalmente pra bancada bolsonarista ficar exaltando armas e proponde leis que permitam ao cidadão comum possuir uma. A Tauros deve gastar milhões com a tal "bancada da b a l a ". É só pra isso que serve essa turma no Congresso.. 

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Marcos Tadeu Nolasco da Silva

Indenização pequena em relação ao agravo. Civis não treinados para resgatar carga sensível, poderiam ter sido mortos por alguma facção. Resta esclarecer o potencial conluio da empresa Taurus, intermediários e agentes da PF, certamente com lucros.

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