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Lollapalooza: Fiscalização acha violação grave após flagra de escravizados

Gil Alessi

25/03/2023 18h00Atualizada em 25/03/2023 20h54

Cerca de 800 funcionários dos bares do Lollapalooza, responsáveis por entregar as bebidas aos mais de 100 mil frequentadores diários do evento, estão com seus direitos trabalhistas "gravemente violados".

Esta foi a conclusão de uma nova fiscalização no multimilionário festival de música, em seu primeiro dia de atrações, sexta-feira (24). Auditores fiscais do trabalho encontraram uma série de infrações cometidas pela empresa terceirizada Team Eventos, que substituiu a Yellow Stripe depois que a organização da festa rompeu o contrato em razão do flagrante de que cinco trabalhadores eram mantidos em condições análogas à escravidão, conforme revelado em primeira mão pela Repórter Brasil.

Procurada pela Repórter Brasil, a Team Eventos informou que "em menos de 24 horas tivemos que mobilizar grande contingente de pessoal e promover ajustes em nossa operação a fim de realizar o serviço" e disse estar "trabalhando nas adequações cabíveis".

Já a T4F (Time for Fun) afirmou ter o "firme compromisso com o respeito às pessoas e à legislação" e que a conduta da empresa está " expressa em normativos" que são divulgados a colaboradores, fornecedores e prestadores de serviço. "Logo que chegou ao nosso conhecimento as determinações do Ministério do Trabalho com relação a uma de nossas prestadoras de serviço, solicitamos a imediata regularização e o encaminhamento das comprovações", disse a a T4F.

Os contratados da Team Eventos realizavam jornadas irregulares de 12 horas, sem remuneração por hora extra e sem o descanso adequado previsto em lei, tinham o valor do exame médico admissional descontado de seu salário e não recebiam vale-transporte.

A ação foi realizada pela Superintendência Regional do Trabalho no Estado de São Paulo, ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego — a mesma equipe que resgatou os funcionários escravizados no início da semana.

São violações graves. A empresa já foi notificada, exigimos que a situação seja regularizada imediatamente"
Rafael Brisque Neiva, auditor fiscal do Trabalho que participou das fiscalizações.

Segundo ele, a Team Eventos terá que comprovar que se adequou à legislação e que realizou os pagamentos dos direitos devidos aos trabalhadores.

A empresa Team Eventos foi contratada pela T4F, dona do Lollapalooza no Brasil, de forma emergencial após a Yellow Stripe, outra terceirizada, ser flagrada usando trabalho escravo na terça-feira — e ter seu contrato rescindido. "A T4F continua omissa, deixando de fiscalizar e verificar o cumprimento da legislação trabalhista pela nova empresa contratada, uma falha no seu processo de devida diligência", diz Neiva.

A Team Eventos havia combinado com os trabalhadores o pagamento de diárias de R$ 160 e jornadas de 12 horas, sem o pagamento das quatro horas extras adicionais ao turno regular, de oito horas. Além desse problema, de acordo com a legislação, é obrigatória uma folga de 36 horas após essa jornada estendida, mas os trabalhadores do Lollapalooza tinham direito a um descanso inferior a 11 horas depois de cada dia de trabalho.

O Lollapalooza começou na sexta-feira, com um público estimado em 103 mil pessoas, e vai até amanhã (26). O ingresso para um dia de evento custa R$ 1.300, mas pacotes luxuosos chegam a R$ 5.300 — para os três dias de shows e acesso às áreas VIPs, com cadeira de massagem e outros benefícios. Dentre as atrações deste ano estão Billie Eilish, Lil Nas X e Drake. No ano passado, o festival movimentou mais de R$ 400 milhões, segundo a prefeitura paulistana.

Histórico de trabalho escravo

Na terça-feira uma fiscalização resgatou cinco trabalhadores em condições análogas à escravidão no autódromo de Interlagos, sede do festival. Eles trabalhavam como carregadores de bebidas em jornadas de 12 horas diárias: "Depois de levar engradados e caixas pra lá e pra cá, a gente ainda era obrigado pela chefia a ficar na tenda de depósito, dormindo em cima de papelão e dos paletes, para vigiar a carga", afirmou J.R, um dos resgatados, à Repórter Brasil.

A Yellow Stripe, terceirizada responsável pela contratação dos trabalhadores, informou em nota que "cumpriu as determinações do Ministério do Trabalho, sendo que os empregados em questão foram devidamente contratados e remunerados". Já a T4F afirmou tratar-se de um "fato isolado", e disse repudiar "veementemente o ocorrido".

Deputadas pedem proibição de novo Lollapalooza

Duas deputadas e uma vereadora de São Paulo protocolaram na sexta-feira uma medida cautelar pedindo o veto a novas edições do festival de música Lollapalooza pelo uso de mão de obra em condições análogas à de escravo. O pedido, assinado pela deputada federal Sâmia Bonfim, pela deputada estadual Mônica Seixas e pela vereadora Luana Alves, todas do PSOL, tem como base a reportagem da Repórter Brasil.

O documento foi enviado ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e ao secretário da Fazenda e Planejamento, Samuel Kinoshita. Pede que seja aplicada a Lei Paulista de Combate à Escravidão (14.946/2013), que prevê que empresas que façam uso de trabalho escravo tenham o registro do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) suspenso por dez anos.

Além disso, seus sócios ficariam impedidos, por igual período de tempo, de exercer o mesmo ramo de atividade econômica ou abrir nova empresa no setor em São Paulo. Na prática, a medida inviabilizaria novas edições do festival no estado.

Contudo, de acordo com a regulamentação da lei, o processo administrativo que pode levar ao banimento não se inicia com o flagrante da fiscalização, mas após a decisão em segunda instância na Justiça, ou seja, de um colegiado de juízes.