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Ainda em luto, famílias de vítimas veem com descrença eleição em Brumadinho

Corpo de Bombeiros de Minas Gerais
Imagem: Corpo de Bombeiros de Minas Gerais

Colaboração para o UOL, em Belo Horizonte

24/10/2020 04h00

Devastada pelo maior acidente em barragem no Brasil e entre os maiores do mundo, Brumadinho (MG) impõe dois desafios aos seis candidatos a prefeito nas eleições do próximo dia 15 de novembro.

Primeiro, terão de convencer a população a ir votar. Descrentes com as atitudes de políticos desde a tragédia, a maioria dos moradores da cidade ainda enfrentam a dor e a depressão crônica.

O segundo vai ser direcionado ao vencedor da disputa eleitoral. Quem assumir o cargo terá de convencer a Vale, principal responsável pelo mar de lama que dizimou centenas de vidas, a mudar a relação com as famílias das vítimas.

Concorrem Breno Carone (MDB), Bruno Johnny (DC), Cláudio Teixeira (PRTB), Professor Márcio Guru (PTB) e Reinaldo Fernandes (PT), além do atual prefeito, Nenen da Asa (PV), que tenta a reeleição.

Situações como a da tragédia em Brumadinho lançam grandes desafios para o Estado e para a sociedade, pois evidenciam a precarização das instituições diante do avanço desmedido das empresas sobre bens naturais e de uso comum.
Andréa Zhouri, professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)

São quase dois anos de consequências do rompimento da barragem, em 25 de janeiro de 2019, quando milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério arrasaram a região. Onze corpos ainda não foram encontrados, dos 272 mortos ao todo.

arlete - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Arlete Silva perdeu o filho Vagner na tragédia de Brumadinho
Imagem: Arquivo pessoal
Lecilda de Oliveira, 49 anos à época, 30 deles a serviço da Vale, foi uma das vítimas. "Estamos perto do segundo aniversário dela debaixo da lama", diz a irmã Natália. "A Vale forçou um acordo, e as famílias, fragilizadas em todos os sentidos, aceitaram."

Pais, cônjuges e filhos das vítimas receberam, cada um, R$ 700 mil por danos morais. Irmãos receberam R$ 150 mil. Mas há ações judiciais rebatendo os valores pagos, para as quais a Vale reage com recursos que se arrastam na Justiça.

Para a dona de casa Arlete Silva, 57, e seu marido, o aposentado Alberico Silva, 62, o luto pelo filho Vagner Nascimento não terminou. Somente sua perna direita foi identificada pelo DNA.

"Para a Vale, meu Vaguinho é um a menos para ela se preocupar, porque já me entregou a perna dele, mas, para mim, ele continua desaparecido", diz.

Eu o coloquei inteiro no mundo, ele saiu inteiro para trabalhar, é inteiro que eu tenho o direito de enterrá-lo.
Arlete Silva, mãe de vítima em Brumadinho (MG)

Todos os dias, religiosamente às 18h, Alberico sai da letargia imposta pela depressão para cumprir um ritual: no portão, aguarda que o IML apareça para lhe entregar o restante do corpo do filho.

A espera deve demorar: ainda existe uma área com 5 milhões de metros cúbicos de rejeitos a ser vistoriada.

Arlete diz que não irá votar. "Perdi a esperança no ser humano."

Sobre as reparações devidas pela Vale, os candidatos têm proposta convergente: exigir indenização integral (material, trabalhista, moral e de saúde) às famílias, bem como reparação financeira e ambiental ao município. Apenas Bruno Johnny não respondeu.

bombeiros - Divulgação/CBMG - Divulgação/CBMG
Imagem: Divulgação/CBMG

"A população sente que o poder público pouco interfere em sua defesa. Triste, pois a solução é política", afirma o coordenador do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) Joceli Andrioli.

A sensação de abandono político é reforçada pela atuação do governador Romeu Zema (Novo), cuja maior preocupação, diz Andrioli, tem sido com a contrapartida da Vale para o estado.

Na última quinta-feira, Zema sinalizou aceitar um acordo por um valor menor do que o acordado. "É preferível receber X agora do que 3 X daqui há anos", afirmou.

Uma população doente

Com 40 mil habitantes, todos tinham algum vínculo com algum dos mortos. A população, em geral, de alguma forma adoeceu. Significativa parcela busca algum tratamento de saúde mental. Os casos mais comuns são depressão, síndrome do pânico e insônia. Os mais graves abrangem desejo ou tentativa efetiva de suicídio.

A procura maior é na rede pública, via Caps (Centro de Apoio Psicossocial), mas há atendimentos particulares custeados pela Vale.

Também existe a ameaça concreta de contaminação pelos rejeitos de minério. "O rio Paraopeba está contaminado. A lama proveniente de mineração é rica em até 12 metais pesados, cada um com efeito diferente. Os mais comuns são câncer linfático e de pulmão. Esse material está às margens do rio. A lama seca, vira poeira fina, é inalada", alerta José Geraldo, farmacêutico e integrante do MAB.

Com pequenas variações, as candidaturas convergem para as mesmas propostas no que se refere à saúde pública.

Contratar, temporariamente ou por concurso, mais profissionais para o Caps e a atenção primária. As críticas aqui são para o atual prefeito, sobre salários baixos e excesso de cargos políticos.

Nenen da Asa rebate: "A saúde está com boa aprovação, uma das melhores do estado. Mesmo assim, vou contratar mais profissionais e inaugurar o Hospital Regional".

Para as famílias, o dia 15 de novembro é apenas um entreato. As datas importantes são os dias 25 de cada mês, quando acontecem os atos em memória das vítimas.