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Colombianos escolhem hoje novo presidente; segurança e diplomacia são os desafios do sucessor de Uribe

Os candidatos colombianos à presidência: o ex-prefeito de Bogotá Antanas Mockus (à esquerda), do Partido Verde, e o ex-ministro da Defesa Juan Manuel Santos, do Partido de La U - AFP
Os candidatos colombianos à presidência: o ex-prefeito de Bogotá Antanas Mockus (à esquerda), do Partido Verde, e o ex-ministro da Defesa Juan Manuel Santos, do Partido de La U Imagem: AFP

Guilherme Balza

Do UOL Notícias* <BR> Em São Paulo

20/06/2010 07h00

Os eleitores colombianos vão às urnas neste domingo (20) para escolher, em segundo turno, o sucessor de Álvaro Uribe, que há oito anos ocupa a presidência do país e tem aprovação de mais de 70% da população. Disputam o pleito o governista Juan Manuel Santos, do Partido Social da Unidade Nacional, ex-ministro da Defesa, da Fazenda e do Comércio Exterior; e o matemático, filósofo e ex-prefeito de Bogotá, Antanas Mockus, do Partido Verde.

De acordo com a última pesquisa eleitoral, Santos possui 67% das intenções de voto, contra 29% de Mockus. Entre os principais desafios do próximo presidente estão a segurança e a relação com os vizinhos sul-americanos, temais centrais no debate eleitoral.

No primeiro turno, realizado em 30 de maio e com uma abstenção próxima de 51% (na Colômbia o voto é facultativo), Santos levou 25 pontos de vantagem sobre Mockus. O surpreendente resultado --já que as pesquisas indicavam os dois candidatos em empate técnico-- foi o empurrão que Santos precisava para conquistar o posto de favorito e colocar um "Governo de união nacional", proposta à qual nas últimas semanas aderiram quase que a totalidade das forças políticas nacionais

O primeiro foi o Partido Conservador, que integrou à coalizão de Uribe; depois uma importante facção dos liberais, na oposição nos últimos oito anos; e, por último, Mudança Radical, liderado por Germán Vargas Lleras, que foi o terceiro mais votado nas eleições passadas.

Se chegar a Presidência em 7 de agosto, data programada para a posse, o candidato governista teria o apoio de mais de 80% do Congresso, ou seja, de 232 dos 268 integrantes das duas câmaras, um apoio maior do que Uribe teve em seus dois governos consecutivos.

Diante desse panorama, o ex-ministro da Defesa se mostrou confiante em que poderá fazer as reformas pendentes de Uribe; mas o que deu a Santos o último empurrão para que na Colômbia já se dê por certa sua vitória foi a operação militar na qual foram resgatados no domingo (13) quatro militares reféns das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) nas selvas do sul do país.

O resgate do general Luis Mendieta, os coronéis Enrique Murillo e William Donato e o sargento Arbey Delgado, na "Operação Camaleão", coordenada diretamente pelo presidente Uribe, lembrou os sucessos de Santos na luta contra as Farc durante sua gestão no Ministério da Defesa. Santos foi o artífice da "Operação Xeque", deflagrada em julho de 2008, quando foram libertados 15 sequestrados, entre eles a ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt e mais três americanos.

Imediatamente após conhecer a bem-sucedida "Operação Camaleão", Santos fechava sua campanha na cidade de Medellín, onde prometeu "perseverar nos resgates militares e em pressionar às Farc", assim como em não descansar "até que não haja nenhum sequestrado mais na Colômbia".

Combate às Farc
Meses antes da libertação de Betancourt, em março de 2008, Santos havia dirigido a "Operação Fénix", um ataque a um acampamento das Farc no Equador que acabou com a vida do segundo no comando da guerrilha, Raúl Reyes. Ao mesmo tempo em que a missão militar levou à ruptura de relações diplomáticas com o país vizinho, representou o princípio do fim da então cúpula guerrilheira, já que no mês seguinte morreu de infarto seu fundador, "Manuel Marulanda".

O governo colombiano acredita que o combate às Farc resultou na redução de mais da metade do efetivo da guerrilha, embora 19 militares e um número não informado de civis permaneçam sequestrados. Apesar de adotar um tom menos rigoroso do que o adversário, Mockus promete que não irá dialogar com os guerrilheiros e manterá a política de combate ostensivo. 

Na análise do especialista em História e Relações Internacionais Carlos Eduardo Vidigal, da Universidade de Brasília (UnB), "o eleitorado colombiano sinalizou no primeiro turno que quer manter as políticas de segurança e mesmo sociais do governo Uribe, em claro posicionamento “continuísta”. "Esse conservadorismo é tradicional na sociedade colombiana, reforçado pelos traumas enfrentados nas últimas décadas em virtude das ações das guerrilhas de esquerda e dos paramilitares", afirmou Vidigal.

No mesmo sentido, a especialista em Economia Social e Desenvolvimento da América Latina Anapaula Iacovino Davila, da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), considerou que os colombianos "não gostam de ver o nome de seu país diretamente associado ao tráfico de drogas, às guerrilhas, ao terrorismo". Por isso, é a "autoestima do colombiano" que está em jogo nestas votações. "Os colombianos reconhecem que muito foi feito, mas que ainda há muito que fazer. A expectativa é de continuidade".

A favor do atual governo, pesa também o declínio na produção e nas exportações de cocaína e a diminuição pela metade dos homicídios no país --embora a Colômbia ainda seja o maior produtor mundial de cocaína e esteja entre os 10 países mais violentos do mundo.

Política externa
O enfrentamento aos guerrilheiros e ao narcotráfico teve a contribuição direta dos Estados Unidos, que participaram ativamente da execução do “Plano Colômbia”, elaborado em 2000 e orçado em US$ 10 bilhões. O plano permitiu aos norte-americanos instalarem oito bases militares no país andino, fato rendeu críticas pesadas à Colômbia por parte de seus vizinhos.

Embora a aproximação com os EUA tenha permitido que os investimentos internacionais na Colômbia quintuplicassem, trouxe como consequência um certo isolamento do país no cenário sul-americano. As trocas comerciais com a Venezuela, por exemplo, despencaram desde meados de 2009, quando o presidente Hugo Chávez criticou a participação militar norte-americana no território colombiano e, como resposta, foi acusado por Uribe de auxiliar as Farc na obtenção de armamentos.

Também permanecem abaladas as relações com o Equador desde a invasão do Exército colombiano ao território equatoriano no episódio do ataque à guerrilha, em 2008. Durante a campanha eleitoral, Mockus classificou a ação no Equador de “absolutamente equivocada” e chegou até a elogiar Chávez, sinalizando que, se eleito, pode amenizar a relação com os vizinhos. “[Com Mockus], haveria uma maior garantia que as relações com a Venezuela seriam melhoradas e, consequentemente, se harmonizaria ainda mais as relações com o Brasil”, afirma Gerson Arias, da Fundação Ideas para La Paz.

Na avaliação de analistas, independente de quem seja o sucessor de Uribe, terá que buscar uma aproximação maior com os vizinhos. “Santos pode ser mais diplomático com os vizinhos. Mas não deixará de lado a dependência dos Estados Unidos, que custa cerca de US$ 700 milhões por ano”, escreveu Julia Sweig, do Council on Foreign Relations, com sede em Nova York. “O que ele não fará é, sem a alta popularidade de Uribe, manter um discurso belicoso contra Chávez ou Rafael Correa (presidente do Equador). Vai conversar.”

Mistéria e desigualdade persistem
Já para Virgílio Arraes, doutor em história pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, apesar de ter obtido sucesso na sua empreitada para reduzir a atuação das Farc, o presidente colombiano não foi capaz de diminuir a miséria e a desigualdade social no país.

Raio-x da Colômbia

  • Nome oficial: República da Colômbia
    Forma de governo: República (Poder Executivo domina a estrutura de governo)
    Capital: Bogotá
    Divisão administrativa: 32 departamentos e 1 distrito capital
    População: 43.677,372
    Idioma: Espanhol
    Grupos etnicos: Mestiços 58%, brancos 20%, mulatos 14%, negros 4%, cafuzos 3% e indígenas 1%
    Religiões: Católicos Romanos 90% e outros 10% Fonte: CIA Factbook 2009

“Basicamente, a grande realização de Uribe foi reduzir a atuação dos chamados grupos de esquerda --que para alguns são grupos terroristas. No entanto, durante o seu governo, a Colômbia teve um crescimento econômico muito baixo, em torno de 2% ao ano, e a desigualdade social se manteve. Mais de 40% da população colombiana vive em torno da linha da pobreza”, disse o pesquisador.

Os principais indicadores confirmam a afirmação de Arraes: o índice de Gini, que mede o nível de desigualdade social, na Colômbia era de 0,510 em 2000 --dois anos antes de Uribe assumir-- e saltou para 0,585, em 2008 (quanto mais perto do número 1, maior é a desigualdade). Entre 2002 e 2009, o país caiu oito posições no ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), ocupando, atualmente, a 77ª posição, atrás de Brasil e Venezuela, que antes do governo Uribe estavam atrás da Colômbia nessa lista.

No mesmo período, o PIB (Produto Interno Bruto) colombiano cresceu num ritmo bem inferior ao brasileiro, peruano e venezuelano. Em contrapartida, o atual governo da Colômbia conseguiu reduzir o desemprego de 17% a 12% da população e permitiu que os investimentos estrangeiros no país quintuplicassem.

 

Direitos humanos
Apesar do apoio de boa parte da população, a forma como se deu o enfrentamento à guerrilha de esquerda é alvo de críticas de organizações não-governamentais, que acusam o governo colombiano de promover o assassinato de civis, espionar inocentes e influenciar o poder judiciário para conquistar o seu objetivo de acabar com as Farc.

Em relatório divulgado neste ano, a Anistia Internacional diz que “o conflito interno continua a ter consequências devastadoras para a população civil, em especial para comunidades indígenas”. “Todas as partes envolvidas --incluindo forças de segurança, grupos guerrilheiros e paramilitares-- são responsáveis por sérios abusos contra os direitos humanos e violações da lei humanitária internacional”, diz.

A ONG afirma também que durante a chefia de Santos no Ministério da Defesa houve denúncias de diversas execuções de civis sob o pretexto de que seriam guerrilheiros, em casos que ficaram conhecidos como “falsos positivos”.

De acordo com Arraes, a política de enfrentamento às guerrilhas obrigou o deslocamento interno ou externo de aproximadamente 10% da população colombiana e provoca um número elevado de "desaparecidos", que seriam possíveis vítimas de grupos paramilitares de direita e do próprio Exército. "É uma situação sem paralelo na América do Sul. Estima-se que haja 50 mil desaparecidos e centenas de sequestrados. Isso ocorre em função da fragilidade que persiste no sistema político-administrativo e do Judiciário na Colômbia".

 

Propostas

Área Juan M. Santos Antanas Mockus
Economia Defende o incentivo às exportações e aos investimentos estrangeiros Defende o incentivo às exportações e aos investimentos estrangeiros
Política externa Deverá adotar uma postura mais amena do a de Uribe com relação à Hugo Chávez (Venezuela) e Rafael Corrêa (Equador) para tentar reaproximar a Colômbia aos países sul-americanos; trabalhará para que seu país assine o tratado de livre-comércio com os Estados Unidos Quer reaproximar a Colômbia com os vizinhos sul-americanos, manter o alinhamento com os Estados Unidos e permitir que as bases militares norte-americanas permaneçam em território colombiano
Segurança Promete manter a mesma política de combate duro às Farc --conduzida por ele enquanto ministro da Defesa de Uribe-- até que a guerrilha seja completamente derrotada e não haja “um só refém” Propõe a política de “legalidade democrática”, em oposição à “segurança democrática” do governo Uribe; apesar de defender a manutenção do enfrentamento ostensivo às Farc, narcotraficantes e grupos paramilitares, Mockus afirma que o combate às Farc deve ser conduzido estritamente dentro da lei

*Com agências internacionais, Folha.com e reportagem de Maurício Savarese e Carlos Iavelberg