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Uribe entrega ao sucessor uma Colômbia mais segura, mas com questões humanitárias pendentes

Do UOL Notícias<br>Em São Paulo

07/08/2010 07h00

Álvaro Uribe encerra neste sábado (7) oito anos de uma presidência centralizadora, atravessada de ponta a ponta pelo enfrentamento aberto contra as “narcoguerrilhas”, e deixa para seu sucessor uma Colômbia mais segura, ao custo de denúncias de violações dos direitos humanos e de tensões diplomáticas com os vizinhos.

  • Eliana Aponte/Reuters e Maurício Dueñas/EFE

    À esquerda, Uribe aparece em foto de 2001, antes de se tornar presidente. À direita, foto de 2009

Os analistas são unânimes em apontar que a luta contra as drogas e contra os insurgentes – unificada sob o termo “narcoguerrilha” – foi o principal tema do governo Uribe, e o terreno onde marcou seus maiores sucessos e fracassos.

Raio-x da Colômbia

  • UOL

    Forma de governo: República (Poder Executivo domina a estrutura de governo)
    Capital: Bogotá
    Divisão administrativa: 32 departamentos e 1 distrito capital
    População: 43.677.372
    Idioma: Espanhol
    Grupos etnicos: Mestiços 58%, brancos 20%, mulatos 14%, negros 4%, cafuzos 3% e indígenas 1%
    Religiões: Católicos Romanos 90% e outros 10% Fonte: CIA Factbook 2009

“Em 2002, o país estava 'balcanizado', não havia unidade nacional. O país era controlado, no norte, pelas Autodefesas Unidas da Colômbia [força paramilitar], no centro, pelo Estado, e no sul, pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia [guerrilha]. A polícia não entrava em 40% dos municípios. Era um país à beira do colapso”, lembra Ricardo Vélez Rodriguez, diretor do Centro de Pesquisas Estratégicas da Universidade de Juiz de Fora.

De acordo com o pesquisador colombiano, Uribe voltou a estabelecer a presença do Estado com uma reforma nas Forças Armadas que incluiu a demissão de elementos corruptos, reaparelhamento das tropas, melhor treinamento e avanços nos serviços de inteligência.

“Em termos estatísticos, houve realmente uma melhora na situação. Por exemplo, o índice de homicídios no país em 2002 era de 66 por cada mil habitantes; no final de 2009, a taxa era de 32, ou seja, caiu pela metade”, compara o professor. “Entre os paramilitares, que eram uma das forças à margem da lei, 52 mil deixaram as armas desde 2002. As Farc tiveram aproximadamente 13 mil guerrilheiros mortos, 36 mil capturados e 18 mil se desmobilizaram”.

Esses números foram conquistados com uma política de claro viés militarizado. Marcelo Santos, pesquisador especialista na região andina, destaca que Uribe assumiu o poder em um contexto de fracasso nas negociações de paz com os guerrilheiros, e sua presidência coincidiu com a de George W. Bush nos Estados Unidos, o que permitiu um apoio financeiro externo para uma política militar de confronto que tinha apoio da opinião pública.

  • Reuters

    Um general colombiano paga um informante civil. Já em 2002 o governo Uribe adotou um programa de recompensas para civis que forneçam informações sobre as guerrilhas do país

  • Stephen Jaffe/AFP

    Em imagem de 2004, Álvaro Uribe, cumprimenta o então presidente dos EUA, George W. Bush, durante encontro na Casa Branca, em Washington (EUA). Visão comum sobre o conflito interno colombiano viabilizou abordagem militarista da questão

  • AFP

    Uribe (de costas) fica diante do presidente do Equador, Rafael Correa, durante reunião do Grupo do Rio, na República Dominicana, em 2008. Na declaração final do encontro, a Colômbia formalizou pedido de desculpas ao Equador pela invasão de seu território na operação que resultou na morte de guerrilheiros das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)

O resultado foi que os guerrilheiros perderam espaço e sua ação ficou restrita às regiões fronteiriças, principalmente com Venezuela e Equador. “Esses grupos tiveram que mudar sua estratégia, que antes era de ocupação territorial, e hoje está muito mais focada em manter acesso a alguns corredores estratégicos que possam dar a eles, por exemplo, a possibilidade de refúgio, de retaguarda, e ao mesmo tempo tenha acesso a recursos econômicos, que nesse caso é o narcotráfico”, explica Santos.

Os custos da guerra

Para sustentar esses confrontos, Uribe destinou cerca de 3,7% do PIB colombiano para as Forças Armadas, o maior gasto militar relativo da América Latina, segundo dados do Banco Mundial. Esse percentual se aproxima dos 4,1% dos EUA, país envolvido em campanhas militares intensas no Afeganistão, e é mais do que o dobro do índice do Brasil, onde os gastos militares são 1,7% do PIB.

Grande parte dos gastos foi financiada pelos Estados Unidos, que despejaram mais de US$ 5,5 bilhões na Colômbia em assistência econômica entre 2002 e 2008. Mas essa fonte pode estar secando.

“A política de segurança democrática de Uribe é uma política militarizada, com problemas gravíssimos de direitos humanos, e isso fez o Congresso democrata dos Estados Unidos reduzir parte da ajuda que era repassada pelos republicanos da era Bush”, explica Marcelo Santos.

Organismos como a Anistia Internacional denunciam que em meio ao confronto contra guerrilheiros as forças militares colombianas praticaram abuso de poder e assassinaram jovens sem conexão com grupos ilegais, em casos que ficaram conhecidos como “falsos positivos”.

Outra emergência humanitária ainda em curso no país são os desalojados, que perderam suas propriedades ou fugiram das regiões de conflito. “A Colômbia é um país de 42 milhões de habitantes. A guerra deixou uma população flutuante de aproximadamente três milhões de pessoas, que foram expropriadas na zona rural e foram engrossar os cinturões de favelas nas grandes cidades. Esse é um problema sério que certamente o próximo presidente vai ter que enfrentar”, acrescenta Ricardo Vélez Rodriguez.