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No Haiti, escombro vira matéria prima

Estinel Eliusma tira, a marretadas, vergalhões de aço de um pedaço de muro jogado em terreno baldio de Porto Príncipe. Sem emprego, a saída é vender o metal retirado dos escombros - Leandro Prazeres/Especial para o UOL
Estinel Eliusma tira, a marretadas, vergalhões de aço de um pedaço de muro jogado em terreno baldio de Porto Príncipe. Sem emprego, a saída é vender o metal retirado dos escombros Imagem: Leandro Prazeres/Especial para o UOL

Leandro Prazeres<br>Especial para o UOL Notícias

Em Porto Príncipe (Haiti)

17/12/2010 13h18

O terremoto de 12 de janeiro fez surgir um novo tipo de comércio em Porto Príncipe: o  mercado de escombros. Todos os dias, milhares de haitianos percorrem as ruas da capital devastada em busca de algo que possa ser vendido entre paredes e pedaços de concreto destruídos. Estima-se que o tremor que matou cerca de 200 mil pessoas tenha gerado 20 milhões de metros cúbicos de escombros. Com a capacidade produtiva estagnada e dois terços de sua população vivendo abaixo da linha de pobreza, o Haiti remexe seus restos para ganhar dinheiro.

Nas ruas esburacadas do bairro de Sarthe ou nas cercanias da favela de Bel Air, comércios a céu aberto vendem o ferro extraído de paredes, lajes, e pilares que desabaram durante o terremoto. O Haiti não tem minas de ferro e isso faz com que os preços do metal sejam quase proibitivos à maioria da população.

Estinel Eliusma, 35, vê oportunidade onde a maioria só enxerga miséria e destruição. Com sua marreta, ele tenta quebrar um pedaço de concreto de um muro. O escombro foi jogado em um terreno baldio próximo a Petión Ville. Estinel está atrás dos vergalhões, que vende no centro da cidade para comerciantes e pequenos metalúrgicos. “Eu vendo por quilo. Não tem um preço certo porque vai depender de como o vergalhão está. O valor a gente dá na hora”, afirma. Ele conta que desde o terremoto, muita gente tem se dedicado à essa atividade. “Nós não temos emprego, não temos nada. A única coisa que nos resta é conseguir alguma coisa pra vender”, conta Estinel.

Ao fim de um dia inteiro de trabalho, ele deverá levar para casa algo em torno de 20 ou 30 quilos de vergalhos retorcidos que ele nem sabe se terão serventia ou como vai negociar. “Vai depender de quem for comprar. Tem muita gente vendendo isso e quando a gente vai oferecer, eles põem o preço lá embaixo”, lamenta.

E o que Estinel vende, Oresca Dutelan, 44, compra. Ele tem uma pequena metalúrgica a céu aberto na entrada da favela de Cité Vincente, na região de La Saline, zona portuária de Porto Príncipe. Para fugir do sol, ele usa um pedaço de carenagem de automóvel como teto de sua oficina. Com o pé direito, prende um vergalhão completamente enferrujado enquanto o martela para destortá-lo. “Os ferros chegam aqui muito tortos. Temos que trabalhar eles para podermos usar”, diz Oresca.

Seu “sócio”, Franckel Domsoir, 39, diz que após o terremoto, a oferta de material vindo dos escombros aumentou. Mas o que poderia ser uma “vantagem” competitiva, acabou se transformando em um problema. “Por um lado, aumentou a oferta de ferro, mas depois agora a gente não tem mais energia elétrica para soldar o metal. Estamos cheios de matéria-prima, mas não temos como fundi-la”, lamenta.

O comércio de escombros não se limita apenas à extração do ferro das construções destruídas. Pedras e até farelo de concreto são vendidos pelas ruas de Porto Príncipe. Por toda a cidade, homens puxam carroças de madeira carregadas de escombros.

Em julho, a Organização das Nações Unidas (ONU) e o governo haitiano iniciaram um plano para remover 10% dos escombros produzidos pelo terremoto. O plano esbarrou no custo, estimado em US$ 120 milhões. Para remover todos os escombros, o país teria de gastar US$ 1,2 bilhão, dinheiro demais para um país repleto de carências.

As equipes que trabalham no lento processo de reconstrução do Haiti encontram dificuldade para localizar terrenos que possam abrigar os escombros. Outra problema tem sido o apego que as pessoas mantém em relação aos restos de suas casas. Parte das famílias atingidas não deixa os tratores e caminhões removerem os seus escombros.