Consequência do terremoto, amputação tira sonho de ser jogador de futebol de criança haitiana
Jean Baptiste Roudbenens, 5, chora. A dor é intensa e ele mal consegue ficar de pé. O técnico que o acompanha diz com autoridade: "Relaxa...relaxa, garoto. Tenta relaxar que você consegue". O menino não aguenta e pede que a fisioterapia com a perna mecânica fique para outro dia. Jean Baptiste é um dos milhares de haitianos que tiveram algum membro amputado em conseqüência de ferimentos durante o terremoto de 12 de janeiro. Depois das ruínas espalhadas por toda a cidade, os amputados são a face mais visível das conseqüências desta tragédia.
Jean Baptiste estava brincando com um amigo dentro de sua casa naquela tarde de terça-feira. A mãe, Yolene Selicien, lavava roupa do lado de fora. Quando percebeu o tremor, ficou desesperada e procurou o filho. Notou que apenas o outro menino conseguira sair da casa ileso. O filho havia ficado preso a uma das paredes da casa que desabou sobre a perna direita do menino. Yolene entrou na casa e tirou o filho debaixo dos escombros, mas em meio ao caos que se seguiu ao terremoto, o garoto só foi operado três meses depois e mesmo assim em condições precárias.
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“Antes, ele era brincalhão e sorridente. Depois que perdeu a perna, quase não brinca mais. Está triste. Eu fico triste também. Antes, ele me ajudava na casa, mas agora não pode. Mas é melhor assim. Pelo menos está vivo”, diz Yolene.
“Ele gosta muito dos jogadores brasileiros. Ele queria ser um deles, mas não vai conseguir”, acrescenta.
A dona de casa Leon Mosiane, 38, estava dando banho na filha de 10 anos de idade quando o terremoto começou. Pegou-a no colo e correu para fora da casa na região de Na Zon, norte de Porto Príncipe. Salvou a filha, mas não a si mesma. Uma coluna de concreto caiu sobre Leon e esmagou sua perna esquerda.
Ela conseguiu se arrastar até a rua com dificuldade. Horas depois, alguns homens a recolheram e a puseram em um caminhão lotado de feridos. Foi levada a Jimani, na República Dominicana, onde foi operada. "Eu estava sofrendo demais. Minha perna estava doendo tanto que eu não conseguia nem saber quem é que estava me levando para Jimani. Quando acordei da cirurgia, vi várias camas. Em cada uma tinha uma pessoa amputada”, lembra Leon.
Recuperação
Com um sistema de saúde público esgotado, são as organizações não-governamentais que tomam a frente da maior parte dos tratamentos de reabilitação para os amputados do terremoto de 12 de janeiro. “Não há dados oficiais, mas estima-se que pelo menos 1,5 mil haitianos tenham tido membros amputados ou algum tipo de paralisia em razão de lesões na medula espinhal”, diz Reinier Carabain, diretor do centro de reabilitação da Handicap International, uma das 15 ONGs que fazem esse tipo de trabalho no Haiti.
Pascal Kodjo é um ortopedista togolês que trabalha na confecção de próteses e órteses (bengalas, andadores, etc) no centro da Handicap, próximo à região do Champ Du Mars. Ele já atuou em regiões de conflito armado como Moçambique, Serra Leoa e Libéria, mas diz que apesar de o número de amputados ser menor que em Angola, que sofre com as minas terrestres, o impacto psicológico da tragédia haitiana é muito mais intenso. "Não havia conflito aqui. Um dia as pessoas estavam normais, e no outro tinham de aprender a conviver com uma amputação. Não houve guerra, mina ou tiro de fuzil. Todos foram pegos de surpresa", disse Pascal.
Reinier Carabain diz que a maior dificuldade para o tratamento dos haitianos é a falta de estrutura na qual eles vivem atualmente. Há mais de um milhão de pessoas vivendo em campos de desabrigados e isso dificulta o acesso dos pacientes aos centros das organizações. Outra dificuldade é a falta de mão-de-obra especializada na fabricação das próteses e das órteses. “Estamos formando alguns alunos haitianos para que depois que nossa missão termine, eles possam dar continuidade a esse trabalho”, diz Pascal Kodjo, responsável pelo treinamento dos haitianos.
Leon Mosiane, que salvou a filha da morte, tenta se recuperar psicológica e fisicamente da perda de sua perna. Além da perna, perdeu a casa e agora vive em uma barraca em um campo de desabrigados próximo à região onde morava. Mãe solteira e desempregada, depende de doações para alimentar a filha que conseguiu salvar. “Uma parte da minha vida ficou para trás. Nunca mais eu vou ter. Tenho que viver e olhar para frente, mas é difícil”, diz entre uma sessão de fisioterapia e outra.
Segundo Pascal, são as crianças que se recuperam mais rapidamente. O pequeno Jean Baptiste talvez ainda não entenda ao certo a magnitude de sua perda. Ele apenas olha para o vazio.
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