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"Não sou atraído por bombas, mas por questões de justiça social", diz Joe Sacco

Do UOL Notícias

Em São Paulo

11/07/2011 20h42

O quadrinista maltês-americano Joe Sacco explicou nesta segunda-feira (11), durante a sabatina Folha/UOL, seu gosto por temas políticos internacionais, como guerra e violência, em seu trabalho. Autor de obras como  "Palestina" e "Notas sobre Gaza", consideradas reportagens ilustradas, ele afirmou que não se sente atraído pela violência. "Não sou tão atraído por bombas. O que me interessa são questões de justiça social", explicou. 

Para Sacco, que nasceu em Malta, mas morou por muitos anos nos Estados Unidos, foi horrível presenciar nos anos 90 um conflito tão sangrento quanto o da Bósnia. "Como europeu, foi um choque ver isso [a violência] acontecer na Europa. Vimos brancos matando brancos e as atrocidades que já tinham acontecido em outros lugares", contou.

Palestina

Segundo Sacco, o interesse pela questão da Palestina veio, justamente, pela quantidade de informações parciais publicadas pela imprensa americana. "No colegial, associei os palestinos a terroristas. Até por osmose da informação que chega por lá. A mídia americana não fala a verdade sobre certos eventos e não os apresentam com as nuances necessárias", criticou.

"Eu estudei jornalismo e me enraivecia, pois os editores não tinham me passado a verdade. Por isso, fui lá na Palestina ver o que, de fato, acontecia", completou.

Mas o quadrinhista não concorda com tudo o que se passa na Palestina. "Os palestinos não estão todos contentes com o Hamas, pois é um regime repressor. Não acho que os palestinos têm uma boa liderança, assim como os israelenses. As pessoas precisam de bons líderes", afirmou.

Jornalismo subjetivo

Como desenhista e jornalista, Sacco acaba sendo criticado por apresentar uma versão supostamente parcial das histórias retratadas em suas HQs. "Desenhar é o máximo da interpretação. Eu não me considero um jornalista objetivo, eu tento enfatizar o fato de que essa é minha forma de olhar, a minha versão - definitivamente você [jornalista] é um filtro", afirmou.

Especificamente, sobre a Palestina, Sacco se mostrou simpático aos palestinos, mas disse que, antes de mais nada, precisa ser honesto em sua obra. "Tenho que dar uma voz aos palestinos, o que às vezes não soa bem aos americanos. Mas, se algo foi dito a mim, preciso contar. Me separo do ativismo. Tenho que ser honesto, não objetivo", disse.

Obama

"Não há dúvidas de que Obama deu um tom diferente de George W. Bush. Mas me decepcionei com Obama por várias razões", opinou Sacco.

O autor considera que, por mais que o presidente tenha boas intenções, é necessário jogar "o jogo do poder". 

"Não tenho muitas esperanças com Obama em relação ao Oriente Médio", disparou.

Cobertura de guerra

Para Sacco, é possível fazer amigos e ter uma relação bonita com as pessoas durante uma cobertura de guerra. Na Bósnia, o autor contou que os moradores se abriam muito com ele. 

"Era uma situação complicada e interessante ao mesmo tempo. Eu escutava coisas de amigos que eram inimigos entre si", disse. "Tinha um sérvio que tinha um muçulmano como melhor amigo. Ele achou um livro de fotografias na frente da casa dele e eles começaram a trocar recados. E estavam em lados diferentes do front", completou, lembrando uma de suas histórias de guerra.

O autor não viaja à Bósnia há dez anos, mas segundo relato de amigos, o país ainda "está em tratamento na UTI na comunidade internacional". Mesmo assim, Sacco disse ter ficado satisfeito com a prisão do ex-comandante sérvio-bósnio Ratko Mladic.

"As rodas da Justiça viram devagar, mas fico feliz que elas funcionem", afirmou.

Censura

Sacco não considera que tenha sido censurado durante a carreira. "Já fui editado. As pessoas são muito sensíveis sobre certas questões", disse.

O autor afirmou ter apenas um censor implacável. "Talvez meu maior censor seja eu mesmo. Essa é a pior censura", explicou.

Estilo e influências

Joe Sacco contou que sua maior influência é o cartunista Robert Crumb, autor de Fritz, the Cat. "Peguei dele o jeito de desenhar em que cada objeto importa", disse. Já sobre seu estilo, em preto e branco, Sacco explicou que se trata de uma limitação: "Não sei trabalhar com cor. Eu não falo isso me gabando, pois é algo que realmente requer habilidade", contou.

O autor já está preparando uma HQ sobre cidades-fantasmas americanas e outra sobre a primavera árabe. ""Talvez uma parte de mim diz que eu tenho que ir pra lá [Oriente Médio], outra, que eu tenho que terminar o que estou fazendo", disse.

Sacco também cogita fazer uma autobiografia. "Talvez comece pelos anos da minha faculdade. E, depois de 25, 30 anos, comecei a ler de novo os diários que escrevia naquela época e fiquei chocado: 'Nossa, eu era tão ingênuo! Eu era religioso?!' Eu tenho certeza de que eu era uma pessoa diferente", afirmou Sacco.

Brasil

Sacco bem que tentou dizer que gostou do Brasil mas, na verdade, conhece pouco do país. "Adoro o Brasil. Ganhei um convite do Brasil e disse 'uau, lugar entusiasmante'. É um país que está mudando muito e estou interessado nisso", elogiou. "Vi muitos hotéis, pessoas na plateia, mas não vi o Brasil real. Vi alguns aspectos do país e gostei", completou.