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Para se fazer ouvir, movimento tem que despertar emoções, diz líder do Femen

Elise Barthet

Le Monde, na Ucrânia

26/02/2012 06h00

As outras garotas encarnam o movimento, mas ela é a cabeça pensante. É nos bastidores, longe do espocar dos flashes, que Anna Hutsol, pequena ruiva de 27 anos, de rosto sério, controla o movimento. Desde que o Femen se tornou uma empresa, ela atua como chefe. Sempre enfurnada no Café Cupido, que as ativistas costumam frequentar, ela nega ser “a líder”, mas reconhece que em um momento foi necessário “dividir o trabalho”. “Mas não sou Lukashenko”, afirma sorrindo a jovem, fazendo uma alusão ao ditador de Belarus.

Assim como Sasha Chevtchenko e Oksana Chatchko, outras duas integrantes do Femen, Anna Hutsol nasceu no território de Khmelnitksi, uma cidade de porte médio situada 300 quilômetros a oeste de Kiev, na Ucrânia. Sua família, estabelecida em um pequeno vilarejo com cerca de mil habitantes, vivia modestamente do cultivo de uma horta e da criação de alguns animais. “Cresci nos anos 1990,” ela lembra. “A situação econômica era muito difícil. Após a queda da URSS, muitos homens se viram desempregados. Eles bebiam demais, eram as mulheres do vilarejo que garantiam a sobrevivência da família”.


Já a jovem entrou na universidade depois que seus pais se divorciaram. Matriculada em sociologia, ela frequentou diversas associações estudantis. Quando decidiu se engajar mais além na luta pelo direito das mulheres? Difícil dizer com certeza. Talvez no dia em que, sentada em um banco em Khmelnistki, ela viu desfilarem casais que saíam do cartório de casamentos. “Eu os observava, felizes, de mãos dadas. As meninas eram muito jovens, tinham no máximo 16 ou 17 anos. A vida delas tinha acabado de terminar, e elas não se davam conta disso”, lembra.
 

Embora muitas vezes elas tenham uma atividade profissional, as mulheres ucranianas, da forma como Anna as retrata, têm pouco espaço para se expressarem fora do lar. “Elas se satisfazem com uma vida doméstica. É muito difícil fazer com que elas entendam até que ponto são discriminadas." Para combater essa inércia, a jovem mergulha nas obras de Friedrich Engels e August Bebel. “A mulher e o socialismo” a inspira de forma especial. Diversas vezes ela percorreu o texto e organizou comitês de leitura. “Ao comparar a situação de nossas mães com a das mulheres no século 19, pode-se dizer que pouca coisa havia mudado”, ela explica.  

Ativistas do Femem tiram a roupa e dão socos em jornalistas

Dentro do Nova Ética, uma associação composta unicamente por garotas criada no começo dos anos 2000, a militante iniciante organizou palestras sobre igualdade dos sexos, montou exposições de fotos tiradas por mulheres, organizou jogos de cultura geral. Sasha e Oksana participavam das sessões e foi Sasha que assumiu quando Anna decidiu, em 2007, trocar a província pela capital.

Quando chegou a Kiev, Anna trabalhou durante um ano “no show business”, com estrelas da música como Tina Karol e o grupo Quest Pistols. “Aquilo não me agradava, mas entendi muitas coisas: para que uma organização seja ouvida, ela deve ser popular. Ela deve despertar emoções, empolgação. As pessoas sempre se interessarão mais pela cor da calcinha de Tina Karol do que pelas conferências sobre feminismo”.

Após a fundação do Femen, em 2008, Anna Hutsol apostou nas relações nesse meio do espetáculo para atrair atenção. Logo percebeu que as jovens não precisavam dessas madrinhas de conveniência para interessar a mídia. A primeira vez que elas saíram vestidas de prostitutas para protestar contra o boom do turismo sexual causou grande impressão. “A Ucrânia não é um bordel”, elas clamavam, acusando o governo de ter favorecido a prostituição ao acabar com a necessidade de vistos de entrada no país para os ocidentais.
 

Segundo um estudo conduzido pelo Instituto Internacional de Sociologia de Kiev, uma em cada oito prostitutas ucranianas é estudante de faculdade ou de colégio. Em Kiev, o número seria bem mais elevado. Segundo estimativas apresentadas por Anna, 60% das garotas que se prostituem na capital frequentam a universidade. “As condições econômicas são tão ruins que algumas delas não têm escolha. Os estrangeiros pensam que podem comprá-las pelo preço de um drink. Eles chegam em voos baratos e assediam as garotas. Todos os dias, tem uma que nos conta ter sido abordada dessa maneira”.

Cientes de que a situação pode piorar com a vinda dos torcedores do Campeonato Europeu de Futebol de 2012, há dois anos as integrantes do Femen vêm pedindo continuamente por uma competição “sem prostituição”. Elas afirmam que a UEFA se faz de desentendida. “As receitas ilegais da prostituição representaram em 2008 entre US$ 750 milhões e 1 bilhão. Em 2010, calcula-se que tenham sido US$ 1,5 bilhão. Dada a corrupção que reina no país, os políticos e alguns funcionários públicos necessariamente lucram com isso”, afirma Anna.

Embora a denúncia desse mercado oculto seja a parte central das atividades do Femen, o grupo também se destaca em uma série de outras lutas. As ativistas são presas com frequência após suas ações. “Antes de 2010, tínhamos relações pacíficas com a polícia, mas quando passamos a protestar contra a ausência de mulheres no governo de Azarov, os confrontos ficaram mais tensos.” Anna providencia as negociações com as autoridades, contata advogados e paga as fianças.

“Eu gostaria de largar tudo isso para voltar a campo”, ela garante. Mas, de acordo com seu amigo Viktor Sviatski, 34, a jovem ruiva é sobretudo “uma grande idealizadora” do agit-prop. “Ela revolucionou todos os estereótipos da publicidade. Com meios limitados, ela fez do Femen o movimento ativista mais famoso da Ucrânia. Essas meninas são como a Marianne de Delacroix: revolucionárias".