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Na reta final das eleições nos EUA, denegrir oponente é mais importante do que apresentar propostas

Marc Hujer e Gregor Peter Schmitz

03/11/2012 06h00

Michelle Joseph agora está se sentindo bem com as eleições. Mesmo estando com os braços cruzados, toda vez que o candidato presidencial republicano Mitt Romney diz algo que faz a multidão aplaudir como um trovão no teatro a céu aberto em Henderson, Nevada, no dia 23 de outubro, seu otimismo aumenta. Ela também bate palmas, cuidadosamente a principio, depois livremente. Este é o Mitt Romney que seus amigos democratas criticaram tanto? O Mitt Romney dos anúncios de TV? O bilionário alienado? O homem que deveria ser um grande monstro?  

Joseph consegue ver bem o candidato de onde está sentada. Ele está ali na frente, confiante da vitória, animado com seu recente sucesso em muitas pesquisas que o mostram à frente do atual presidente, Barack Obama. Nesta altura, algumas pesquisas o colocam um ou dois pontos percentuais na frente de Obama, enquanto as pesquisas da rede de televisão ABC e do “Washington Post” dão a ele uma liderança de três pontos. 

Joseph está aplaudindo um homem que ganha mil vezes mais dinheiro do que ela, que é vendedora na loja de departamentos Kohl. Ele cultiva uma opinião retrógada das mulheres, é furiosamente contra a lei de Obama que determina igualdade de salários para elas e dificilmente conseguiria imaginar o que deve ter sido quando os pais dela imigraram do México e eram tão pobres que a mãe tinha de cortar a carne com uma tampa de lata, porque não tinha dinheiro para comprar uma faca.  

Mas como católica fiel, ela só pode votar nos republicanos, diz ela, especialmente por causa da questão do aborto. Ela diz ter duas escolhas: votar em Romney ou não votar.  

Tudo o que Romney está dizendo no palco a faz querer votar nele, tanto assim que está começando a se esquecer das perguntas horrorizadas e dos olhares incrédulos de seus amigos e colegas quando disse a eles que não votaria em Obama de forma alguma. A aclamação aumenta quando Romney faz o público temer a possibilidade de um segundo mandato de Obama, quando ele diz que Obama arruinou a economia norte-americana e que Obama, um socialista enrustido, quer fazer o país virar outra Grécia. Nesta altura, Joseph já está se perguntado se as palavras de seus amigos fazem sentido. Não seria Obama o verdadeiro monstro?        

Equilíbrio de horrores   

Fomentar o medo do outro candidato é uma característica importante nesta campanha eleitoral e foi o medo da possibilidade de uma presidência de Romney que por muito tempo beneficiou Obama. Ele estava à frente das pesquisas enquanto Romney era praticamente desconhecido para milhões de eleitores. Obama o atacou com uma enxurrada de anúncios na televisão que retratavam Romney como um capitaliza inescrupuloso e inimigo da classe média, um homem que, como diretor executivo da firma de investimento Bain Capital, eliminou empregos para aumentar os lucros.

A disputa só avançou para um equilíbrio precário quando que Romney conseguiu contra-atacar no primeiro debate presidencial, diante de milhões de eleitores, em uma espécie de equilíbrio de horrores. 

Os dois candidatos estão achando difícil gerar entusiasmo por programas concretos. Não importa o que o novo plano prometa, Obama está sendo julgado pelos resultados variados do seu primeiro mandato. E Romney, em uma vã tentativa de agradar a todos em seu partido, mudou de posição tantas vezes que todo mundo agora pode votar na versão de Romney que gostar mais. 

Por esta razão, o que tem sido ressaltado são as diferenças, que algumas vezes não passam de nuances, nos termos mais negativos possíveis, como se os dois lados não tivessem mais nada em comum. De um lado está Obama, o socialista que está arrastando os EUA para falência nacional, e do outro está Romney, que quer tirar os tickets de alimentos dos cidadãos mais pobres dos EUA. A campanha virou uma inundação de insinuações, estereótipos negativos e acusações constantes dos dois lados, que dizem que o outro candidato está traindo os EUA.   

A maior parte dos eleitores tomou sua decisão no início do jogo e somente cerca de 2% dos eleitores registrados ainda estão indecisos. Por esta razão é tão importante para os dois lados mobilizarem sua respectiva base eleitoral. Para convencer a base a sair para votar, cada candidato tem que criar medo do oponente.       

O voto judaico     

Muito depende do ambiente nos nove Estados indecisos que serão críticos para vencer as eleições. Os dois partidos estão dividindo a população votante em grupos menores, mais administráveis, esperando motivar aqueles que ainda estão hesitantes em votar. Os gerentes de campanha afinaram suas estratégias para precisamente almejar certos grupos da população. Romney está se focando primariamente em operários de colarinho azul, em Ohio e Virginia, cristão evangélicos no cinturão da Bíblia e amantes das armas no Colorado. Obama, por sua vez, está se concentrando nas mulheres de Virginia, em estudantes universitários em Iowa, latinos em Nevada e judeus em Nova York e Flórida.      

Marvin Manning, democrata registrado e judeu, é um dos eleitores cruciais nestas eleições. Ele está sentado diante de uma fonte na “Clubhouse”, um ponto de encontro democrata em Boca Raton, Flórida, e parece ter perdido o otimismo. Quase 80% dos moradores de sua comunidade de aposentados próxima a Boca Raton são judeus e, se todos fossem votar, dariam uma enorme vantagem para os democratas. Manning, 86, está com a barba por fazer e está vestindo uma camiseta desbotada e shorts. Ele era gerente de uma cadeia de joalherias antes de se aposentar. Hoje, ele também gostaria de se aposentar como presidente do Clube Democrata. Mas primeiro ele quer um último e significativo sucesso.   

Apesar de apenas 2% dos americanos serem judeus, eles detêm muito mais influência do que seus números sugerem. Os cidadãos judeus são politicamente ativos, votam regularmente e, mais importante, muitas vezes moram em Estados cujo número de republicanos e democratas é quase igual. Assim, um pequeno número de eleitores pode decidir o resultado da eleição nesses Estados. Cerca de 148 mil judeus moram em Ohio, 295 mil na Pensilvânia e mais de meio milhão na Flórida.

Para Manning, 2008 foi um ótimo ano. A população judia apoiou Obama, apesar de ele ter passado quatro anos de sua vida na Indonésia, um país islâmico, e dar discursos prometendo a reconciliação com o mundo islâmico. Quatro de cada cinco eleitores judeus deram a Obama seu voto na época. Para Manning, o resultado das eleições em seu distrito também foi uma espécie de sucesso pessoal, uma confirmação de sua influência.     

“Oscilando como um pêndulo”        

Desta vez, contudo, ele vê cartazes em toda parte em Boca Raton dizendo: “Amigos não deixam amigos serem bombardeados com bombas atômicas”, uma referência a Israel e à possibilidade de uma bomba iraniana, uma das questões mais importantes para os eleitores judeus. “Nosso pessoal está oscilando como um pêndulo. Um dia defendem Obama, no outro, Romney”, diz Manning. Para eles, não é suficiente o fato de Obama referir-se a Israel como “melhor amigo” dos EUA.  

“Muitos dos meus amigos simplesmente não acreditam mais que Obama vai se mostrar um forte líder na questão do Irã e de seu programa nuclear”, diz Manning. “Israel é um país tão minúsculo”. Com um dedo, ele desenha um circulo grande na mesa, que representa o mundo, e depois uma bolinha do tamanho de uma ervilha: Israel. “Não há margem para erros –é facilmente exterminado”.   

Ele sabe como é perigosa a queda de entusiasmo por Obama. “Se os eleitores judeus não votarem na Flórida, é como se votassem em Romney”, diz ele. Uma visita de Obama ajudaria nesta altura. “Precisamos ouvir Obama. Ele tem que nos reassegurar pessoalmente”, diz ele. Mas o que Obama deve explicar? Realmente não há mais nada a dizer.  

Os dois candidatos também falaram sobre Israel no terceiro debate televisionado. Romney alimentou os temores dos judeus em Boca Raton. Ele acusou o presidente de se distanciar demais de Israel, mas não disse o que faria de diferente. Em vez disso, elogiou a política do presidente no Afeganistão, a guerra com sondas não tripuladas e a decisão de pôr fim à guerra no Iraque. Ele tampouco discordou do presidente na questão do Irã.            

Clinton em campanha   

Obama já entendeu que esta eleição não pode mais ser vencida com argumentos, e por isso ele nem evita mais usar palavras um tanto brutas, por exemplo, chamando aquilo que seu rival diz de “porcariada”, um termo que os americanos educados nunca usariam. Há sete semanas, na Convenção Democrata de Charlotte, Carolina do Norte, a tarefa mais importante foi dada ao ex-presidente Bill Clinton, um homem que não apenas explicou melhor as políticas de Obama do que o próprio Obama, mas cujo papel também era de lembrar aos americanos de tempos melhores, quando a economia ainda prosperava e o país estava no ápice de seu poder.

Quando Obama entrou na campanha presidencial, há cinco anos, ele procurou se diferenciar exatamente desse período, a era Clinton, especialmente depois de ter travado uma dura campanha primária contra a antiga primeira-dama Hillary Clinton. Mas agora está enviando o ex-presidente para Ohio, que provavelmente é o Estado indeciso mais importante nestas eleições, a garantia de Obama contra a possibilidade de derrota. Desde 1964, nenhum presidente entrou na Casa Branca sem ter vencido em Ohio.

Bill Clinton fez sua primeira aparição no Estado há 10 dias, em Parma, a 15 minutos de Cleveland. O ex-presidente ficou em pé no ginásio em um colégio local, onde as cestas de basquete tinham sido retiradas. Ele criticou Romney, o bilionário que alega ser patriótico, por demonstrar pouco patriotismo quando reduz sua contribuição ao imposto de renda escondendo seus milhões em paraísos fiscais em torno do mundo.

Clinton falou da recusa de Romney em divulgar detalhes de seu plano tributário, e depois perguntou: “Será que acha que somos burros?” Depois, o cantor de rock Bruce Springsteen uniu-se a ele no palco, arregaçou as mangas e cantou uma de suas baladas sobre o homem comum. “Uma nação só pode ser medida por sua compaixão por seus mais fracos”, disse Springsteen à multidão.

Um membro da plateia era Chuck Montague. Há quatro anos, ele trabalhava em um pequeno jornal local, mas quando a situação piorou para a empresa, ele foi demitido. “Foi um grande ajuste”, diz ele, acrescentando que deu a ele a sensação de não ser mais necessário. Hoje, tem 66 anos e poucas perspectivas de encontrar o tipo de emprego que tinha. Nesta eleição, americanos brancos como Montague são a maior ameaça para Obama. Eles estão desapontados e buscam uma alternativa.    

Ele esperava mais de Obama. O presidente não foi um líder tão forte quanto Montague gostaria, e a economia ainda não está se recuperando. Mas e Romney? O que exatamente ele defende? 

Ele acompanha o ritmo da música de Springsteen “The Promised Land”, sobre a vida nos EUA ainda sendo parte de uma promessa. E subitamente, Montague encontra argumentos em favor do presidente novamente. “Você tem que dar crédito a ele por matar Osama Bin Laden”, diz ele. “Acho que Obama merece mais quatro anos”.           

“O menor de dois males”

E no final, a eleição se resume a isso: o poder e a força dos EUA. O país perdeu uma quantidade notável de sua influência desde os anos 90. Esta é a nova realidade à qual os americanos, de qualquer partido, não se acostumam.

As eleições ainda são daqui a uma semana, e a pergunta é se Romney vai conseguir mobilizar os últimos indecisos dentro de seu partido e talvez até os milhões de cristãos fundamentalistas que de fato não queriam votar nele por causa de sua fé mórmon. Eles ajudaram a reeleger o ex-presidente George W. Bush em 2004, mas têm muitas reservas quanto a Romney, pois sua fé desafia a deles, já que os mórmons não acreditam que a Bíblia seja a única fonte de verdade eterna.

Talvez este seja o barômetro mais decisivo na campanha de medo entre Obama e Romney: haverá ódio suficiente por Obama que até os cristãos evangélicos e mórmons conseguirão unir forças para formar uma nova e grande coalizão? Será que os representantes das duas igrejas vão se tornar aliados, apesar de verem um ao outro com desconfiança e ceticismo, para eleger Romney e impedir Obama de ser reeleito?     

A fé mórmon “é uma heresia dos infernos”, disse o pastor evangélico influente Robert Jeffress durante as primárias, quando Romney ainda nem tinha sido eleito candidato republicano. Os mórmons eram seus inimigos, mas agora há um inimigo ainda maior.

Há semanas que Jeffress está fazendo uma turnê por 10 cidades americanas para convencer outros pastores evangélicos a dizerem para suas congregações que precisam votar em Romney. O pastor diz que não é uma questão de política partidária, e sim sobre o que é certo e errado, sobre decência.

“Ainda acredito que a fé mórmon é uma religião falsa e que afasta as pessoas em vez de as aproximarem do verdadeiro Deus”, diz ele. Mas o temor que ele tem de Obama, o candidato do outro partido, o homem que tantos ainda acham que é muçulmano, é ainda maior. Esta é a questão mais importante. Romney, “é o menor de dois males”, diz ele.

Traduzido do alemão por Christopher Sultan e do inglês por Deborah Weinberg