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Rússia defende Assad e seus próprios interesses na Síria; entenda

Do UOL, em São Paulo

05/10/2015 18h21

No dia 30 de setembro, o Parlamento russo aprovou o pedido do presidente Vladimir Putin para realizar ataques aéreos na Síria. O envolvimento da Rússia na Síria torna ainda mais complexo o conflito que opõe desde o início de 2011 o regime de Bashar al-Assad e seus opositores armados antes de entrar em cena inúmeros grupos, sírios e estrangeiros, e as grandes potências.

O Ministério de Defesa russo inicialmente disse que a primeira onda de ataques atingiria apenas o Estado Islâmico, que controla grandes partes do território sírio e atualmente enfrenta tanto as forças do governo de Assad quanto os rebeldes que tentam derrubar o presidente do país. Putin disse que a Rússia estava agindo “preventivamente”, atacando militantes e terroristas em áreas já ocupadas por eles, a pedido do próprio presidente sírio.

Posteriormente, o governo russo esclareceu a campanha militar, afirmando que atacaria "todos os terroristas na Síria", e não só o Estado Islâmico. Isto significa atacar as forças rebeldes que tentam derrubar Assad. EUA e seus aliados notaram que os primeiros bombardeios russos foram realizados em áreas em que o Estado Islâmico não teria presença. Pelo menos um grupo armado e treinado pela CIA foi atingido pelos russos.

A Rússia é um dos aliados internacionais mais importantes de Assad, e a sobrevivência do regime do ditador é vital para manter os interesses russos no país. Membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, Moscou bloqueia resoluções contra o presidente Assad e continua a fornecer armamentos para o Exército sírio.

Mas qual é o interesse russo na Síria?

Entre os vários motivos, Moscou quer proteger uma base naval crucial no mar Mediterrâneo, no porto sírio de Tartous, que serve de base russa para a frota do mar Negro.

A extinta União Soviética foi o principal apoio diplomático e militar do pai de Bashar al-Assad há 40 anos. O país forneceu conselheiros militares soviéticos na guerra síria contra Israel em 1967 e bilhões em equipamentos militares desde então. Em troca, foi permitido o uso do porto de Tartous. Hoje a Rússia não tem outros portos de confiança no Mediterrâneo para acomodar sua Marinha: tudo precisa passar pelo estreito de Bósforo, na Turquia. Além disso, a Rússia tem aviões e militares em um aeroporto na cidade síria de Latakia.

Além disso, a Rússia quer ser levada a sério no Oriente Médio, e a Síria abre essa oportunidade. Os EUA falharam na tentativa de resolver o conflito sírio diplomaticamente, e um ano de bombardeios da coalizão contra o Estado Islâmico –e não contra Assad– enfureceu os grupos rebeldes sírios. Outro ponto considerado positivo por Moscou é a janela de oportunidade para restaurar a opinião pública internacional sobre a Rússia após a crise na Ucrânia e a tomada da Crimeia.

Desde 2011, 4 milhões de sírios já fugiram para países vizinhos

AFP

Qual é a posição dos EUA?

O governo americano é contra a investida russa na Síria. Os EUA e vários países árabes lançam, desde setembro de 2014, vários ataques aéreos contra os jihadistas do Estado Islâmico, sem conseguir neutralizá-los até agora. Outros países ocidentais, entre eles o Reino Unido e a França, se uniram ao esforço, sem conter o avanço do grupo radical islâmico. Washington é contra o governo de Assad e defende a saída do presidente sírio.

Além da coalizão, o governo americano tem um programa secreto para treinar e armar rebeldes sírios moderados. Outro projeto do Pentágono treina os rebeldes na luta contra o Estado Islâmico.

Qual é a situação do Exército de Assad atualmente?

O Exército sírio, que contava com 300 mil soldados em suas unidades no começo do conflito, viu este número cair pela metade, seja por mortes, mutilações ou insubordinação. As forças perderam dois terços do território do país para o Estado Islâmico, curdos, rebeldes moderados e islamitas da Frente Al Nusra, braço sírio da Al Qaeda. No entanto, o território que ainda controlam é estratégico, já que compreende a capital, Damasco.

As milícias pró-regime contam com 150 mil a 200 mil homens. A principal, as Forças de Defesa Nacional (FDN, com cerca de 90 mil combatentes), foi criada em 2012. Além desta, há uma dezena de milícias locais, que provém do Líbano, Irã, Iraque e Afeganistão. A mais importante é o Hezbollah libanês, que compreende entre 5.000 e 8.000 combatentes, segundo especialistas.

Quem são os inimigos de Assad e da Rússia?

Entre os rebeldes, o Ahrar al Sham é um dos grupos mais importantes. Criado em 2011, é financiado pelos países do Golfo Pérsico e pela Turquia. Segundo especialistas, esta milícia está presente sobretudo no norte do país e na região de Damasco. De ideologia salafista, em 2015 se apresentou ao Ocidente como moderado.

A Frente Al Nusra é a filiação síria da Al Qaeda, o mais importante grupo jihadista depois de seu rival, o Estado Islâmico. Liderado por Abu Mohamad al Jolani, é classificado como terrorista por Washington. Está aliado a outros grupos rebeldes, em particular às províncias de Idleb (noroeste) e Aleppo (norte). Também está presente perto de Damasco, no sul.

Estes dois grupos integram junto a outras milícias rebeldes menos importantes o "Exército da Conquista". Financiado por países do Golfo, derrotou por completo o Exército de Assad na província de Idleb.

O Estado Islâmico, ou Daesh, é o grupo que autoproclamou, em junho de 2014, um califado ao longo de faixas do leste da Síria e do norte do Iraque. Mais organizado, mais e rico e temido graças às atrocidades que comete, o EI conquistou desde o início do conflito metade do território sírio.

Liderado por Abu Bakr al Baghdadi, conta com dezenas de milhares de soldados, combate o regime de Assad, a Al Nusra, outros grupos rebeldes e os curdos.

Quase 30 mil jihadistas estrangeiros chegaram em ambos os países desde 2011, a maioria para se filiar ao EI, segundo os serviços de inteligência americanos. 

Sobretudo presentes no norte e no noroeste da Síria, os curdos defendem eles mesmos suas regiões após a retirada do regime das mesmas. Receberam o apoio da coalizão internacional para vencer o Estado Islâmico em várias de suas cidades.

Quem ainda apoia Assad na região?

O Irã apoia Assad e é contra o Estado Islâmico, que vê os xiitas como hereges.

Teerã tem um histórico de aliança com Assad, fornecendo apoio militar e financeiro. Assad tem sido um forte aliado iraniano para frear a influência da Arábia Saudita no Oriente Médio.

Quais são os governos regionais contrários a Assad?

Rival do Irã na região, a Arábia Saudita apoia os rebeldes sunitas contra Assad. É parte da coalizão dos EUA contra o Estado Islâmico. O país é um dos principais financiadores de rebeldes, até mesmo dos mais radicais. Mas diversos sauditas ricos já doaram dinheiro ao Estado Islâmico, e estima-se que mais de 2.000 árabes tenham viajado para Síria e Iraque e se juntado às fileiras do grupo extremista.

Outros países árabes que fazem parte da coalizão EUA são Qatar, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Jordânia.

A Turquia apoia a coalizão e os grupos rebeldes. Além de desejar a queda de Assad, os turcos são contra os separatistas curdos –que também vivem em seu território.

Inicialmente, Ancara bancou o Exército Livre Sírio, o então principal movimento rebelde. O país também deu asilo a opositores de Assad e atacou posições curdas na Síria –mesmo que os curdos estejam lutando contra o Estado Islâmico. (Com NYT, AFP e BBC)

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AFP