Da Síria à Suécia: trajetória de refugiados fotografada por brasileiro ganha exposição no MIS
A esperança e apreensão da mulher amamentando um bebê em meio a centenas de refugiados na fronteira. O olhar ansioso dos imigrantes iranianos e africanos que ficavam para trás enquanto apenas sírios eram recebidos. Uma família síria cuja mãe grávida enfrenta a travessia sem saber como será o futuro de seu bebê.
A jornada dramática de milhões de pessoas - o deslocamento atual já é calculado em 60 milhões de pessoas pela ONU, superando o da Segunda Guerra Mundial - está representada na exposição “Farida, um conto sírio”, que abre nesta quarta-feira (12) no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo.
As fotos foram premiadas com o Pulitzer, recebido pela primeira vez por um brasileiro, o fotógrafo Maurício Lima.
A exposição se divide em duas partes: a saga da família Majid, que Maurício acompanhou por 29 dias em 2015, e diversas incursões em campos de refugiados na Síria e no Iraque, passando pela chegada dos refugiados na ilha de Lesbos, na Grécia, e o caminho por diversos países da Europa, num trabalho que durou cerca de seis meses. As fotos foram publicadas no jornal "The New York Times".
Farida significa “única” e é o nome da filha do casal Ahmad e Jamila Majid. Ela estava com cinco meses de gravidez ao iniciar a jornada saindo da região rural de Afrin, a 60 km de Alepo, na Síria, até Backhammar, na Suécia, onde nasceu Farida, passando por oito países.
“A perseverança e a resiliência deles é algo que dificilmente vou esquecer”, diz Maurício, que já visitou a família Majid duas vezes na Suécia e mantém contato via Whatsapp e com ajuda de tradutor. “Como uma mulher com uma criança dentro de si consegue adquirir tamanha bravura e fazer uma viagem dessas? Cinquenta e um dias na incerteza, na escuridão. Entrar em um bote sem saber se vai chegar em algum lugar.”
Ahmad e Farid são irmãos e fizeram a trajetória com a família no total de 13 pessoas, entre filhos e sobrinhos. Eram donos de uma indústria de jeans, camisetas e suéteres. O encontro entre o fotógrafo e a repórter do "New York Times" Anemona Hartocollis aconteceu Belgrado, na Sérvia, na praça central próximo ao terminal de ônibus.
Na fronteira da Hungria, Maurício ajudou uma das crianças que ficou para trás a atravessar a fronteira. Seguiu-os quando foram deportados da Dinamarca e passaram uma noite na prisão. Faziam questão de dividir cobertores e alimentos com o fotógrafo, que achou a parte mais mais difícil a hora da despedida. “Eles foram todos na estação de trem comigo e choraram. Eu também chorei.”
A curadora da exposição, Elisabeth Biondi, cresceu no na Alemanha do pós-guerra e sua melhor amiga era refugiada.
“Quando ouvimos as notícias, esquecemos que pessoas estão envolvidas. Uma exposição pode mostrar as razões por que as pessoas deixam seus países, não são apenas econômicas, eles estão buscando uma vida melhor porque é muito terrível pelo que eles estão passando”, diz. “Ninguém faria essa viagem se não tivessem realmente que fazer.”
A conexão entre as duas partes da exposição é a emoção do que as pessoas passam, segundo Elisabeth. “A mulher amamentando o bebê faz você pensar na próxima geração”, diz.
“Quando uma mãe passa por essa viagem enquanto está grávida, o quanto o bebê vai herdar disso? Talvez um pouco de coisas boas, mas talvez algumas coisas ruins”, diz ela que lembra como a guerra marcou a vida de seu pai, que teve que lutar na guerra, e de sua família.
Diversas barreiras
Em Budapeste, na estação de trem de Keleti, o governo húngaro suspendeu o serviço de trens em direção à Alemanha. O número de refugiados chegou a 2 mil em um dia e superlotou a estação central. A família Majid passou cinco noites de espera e foi ali que o fotógrafo e a jornalista Anemona Hartocollis começaram a acompanhá-los.
Em Idomeni, cidade grega na fronteira com a Macedônia, estavam sendo distribuídos capas de chuva, cobertores, fraldas e só atravessava quem era da Síria, Iraque e Afeganistão. Africanos, iranianos, paquistaneses e bengaleses ficavam para trás.
Após a fronteira ser fechada por algumas nacionalidades, os que não podiam passar se revoltaram e começaram a jogar pedras na polícia da Macedônia, que fechou a linha do trem. As pedras voam sobre as cabeças dos policiais e um saco de dormir largado no chão lança a dúvida: é uma pessoa? É uma coisa? Depois no local foi construída uma cerca com arame farpado e barras de ferro.
A pilha de coletes junto com restos de botes usados para atravessar do norte da Turquia para a Ilha de Lesbos, na Grécia. "Em botes de rafting que carregam 10 pessoas normalmente, cerca de 50 pessoas embarcavam", conta Maurício. Muitas não chegavam com vida, como no acidente do menino Aylan, que chocou o mundo.
Em 2016, foram contabilizadas 5098 mortes no Mediterrâneo, segundo a ONU. “Essa foto dos coletes é um gesto simbólico das pessoas que não conseguiram atingir aquele objetivo”, diz Maurício. “Muitas dessas pessoas nunca viram o mar na vida, só viram em filmes. De repente essas pessoas são obrigadas a entrar num bote para ir parar numa ilha. O que passava pela cabeça delas?”
Maurício conta que muitos fotógrafos ajudaram os refugiados na chegada à ilha de Lesbos. "Existe essa fama de que os fotógrafos se alimentam da desgraça alheia, só que há pessoas pensam de outra forma, inclusive fotógrafos", diz. "No final, somos todos humanos e o que a gente quer é simplesmente que essas cenas não se repitam. Por isso fotografamos."
Debate com a família Majid no MIS
No dia 4 de maio, às 19h30, haverá uma mesa de debates com os irmãos Ahmad e Farid Majid e alguns filhos. O debate também reunirá a jornalista Anemona Hartocollis, Maria Laura Canineu, diretora da Humans Right Watch. Será gratuita e os ingressos serão distribuídos uma hora antes. Endereço: Av. Europa, 158 - Jardim Europa - São Paulo - SP. A abertura da exposição acontece hoje (12), às 18h.
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