Baixa adesão popular na Catalunha é inédita em referendos para "criar" país na Europa
Se a Catalunha declarar independência, o referendo do último domingo (1º) será aquele com menor participação popular a dar origem a um país europeu na história recente. Nas últimas décadas, processos similares tiveram adesão até duas vezes maior.
Declarado ilegal pelo Tribunal Constitucional espanhol, a votação catalã foi marcada por confrontos entre forças do governo central, que tentavam impedir a realização da votação e chegaram a fechar 440 colégios, segundo a "Generalitat" (governo catalão), e os catalães que tentavam votar.
Apesar de 90% dos participantes terem votado pela independência catalã, a taxa de comparecimento às urnas, 42% dos eleitores aptos, não chega à metade da verificada em 2006 em Montenegro -- último país criado na Europa após um referendo, com 86% de participação.
"Sob mediação da União Europeia, estabeleceu-se a participação de pelo menos 50% dos eleitores como critério chave [para a independência de Montenegro], além da aprovação em si", diz o professor de história e política europeia, Florian Bieber, da Universidade de Graz, na Áustria. "O objetivo era assegurar que tanto oponentes quanto apoiadores da independência participassem, tornando o resultado claro o suficiente para ser legítimo".
O comparecimento catalão também fica abaixo das taxas registradas na década de 1990, durante a dissolução da Iugoslávia (84% de participação na Croácia, maior país a se dissociar) ou da União Soviética (84% verificados na Ucrânia).
"Em todos os referendos da ex-Iugoslávia, a taxa ficou acima dos 50%", diz Bieber. "A taxa de comparecimento é crucial", completa.
Levando em conta os cálculos dos líderes catalães, de que 770 mil pessoas teriam deixado de votar por conta do fechamento dos locais de votação, a taxa de comparecimento teria chegado a 56%, ou 3 milhões de votos.
Ainda assim, a participação teria sido menor do que a obtida em 1992 na Bósnia e Herzegovina -- até então, o referendo com menor participação popular a culminar na independência de um país, com 63% de comparecimento.
"A baixa adesão foi resultado de um boicote promovido por um dos três blocos que compunham o país, o dos sérvios", Ivo Banac, ex-ministro de Meio Ambiente da Croácia e professor de história na Universidade de Yale. "O absenteísmo catalão, de alguma maneira, se aproxima ao verificado na Bósnia, onde só votou quem queria a independência", diz.
A participação no referendo do último domingo situa-se abaixo também da verificada nas últimas eleições catalãs: em setembro de 2015, 75% do eleitorado votou na escolha dos membros do Parlamento Catalão.
Deputado pela Espanha no Parlamento Europeu, o catalão Jordi Solé, da Esquerda Republicana, relativiza os números. "Apesar das ameaças e perseguições, conseguimos que 2,3 milhões de catalães votassem, o que demonstra a vontade da maioria do povo catalão em se tornar um Estado", disse.
Diferenças
Os pesquisadores ouvidos pelo UOL ressaltam que o referendo catalão se diferencia dos anteriores por ter sido declarado ilegal pelo governo central.
"Os referendos de Eslovênia, Croácia e Bósnia foram promovidos pelas autoridades de cada república e não sofreram oposição do governo central", diz Banac.
Para Bieber, autor de livros sobre a independência das repúblicas iugoslavas, há também pontos em comum: "Em similar, há a teimosia dos governos centrais que se recusam a tratar o assunto [independentismo] seriamente, o que cria polarizações".
Por fim, o historiador austríaco aponta que "há padrões de respostas aos referendos -- o de autorizar, como aconteceu no Canadá ou no Reino Unido, ou o de tentar minar. Está claro que as democracias que autorizaram se saíram melhores".
Fora da Europa
A taxa de assistência no referendo catalão é também pequena se comparada às observadas recentemente em movimentos fora da Europa, ou mesma na comparação com o referendo da Escócia.
O referendo escocês, em que a maioria votou pela permanência no Reino Unido, teve 84,59% de comparecimento - um dos índices mais altos da história britânica.
No Iraque, há menos de um mês, a consulta pró-independência do Curdistão registrou 72% de participação. No Sudão do Sul, em 2011, na África, a taxa registrada foi de 97%.
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