Terra de Stálin evita citar crimes e política para retratar ditador como herói
Um dos principais nomes da Revolução Russa de 1917 -- que completa seu centenário no dia 7 de novembro -- ao lado de Vladimir Lenin, Josef Stálin (1878-1953) é um personagem que desperta amor e ódio na Rússia atual e em todas as 14 ex-nações soviéticas. Stálin é abominado pelos horrores cometidos no tempo em que governou a então União Soviética. Mas ainda hoje há um lugar em que o ditador responsável pela morte de mais de 1 milhão de pessoas nos gulags (campos de trabalho forçado) entre 1934 e 1953 é venerado e sua imagem é praticamente onipresente. Esse lugar é Gori, sua cidade natal, na Geórgia.
Localizada a 80 quilômetros da capital Tbilisi e de fácil acesso por transporte público em uma bem conservada rodovia, Gori tem somente 49 mil habitantes. É um pacato vilarejo, com uma bela fortaleza medieval, algumas igrejas e até um acanhado estádio que neste ano foi sede do Campeonato Europeu de Futebol Sub-19. O comércio é uma das principais atividades. Mas nada de grandes shoppings centers ou lojas de grandes marcas. São estabelecimentos simples, administrados por famílias locais. Até mesmo restaurantes são difíceis de serem encontrados.
Em que pese todo este clima pacato, a cidade é visitada a cada dia por centenas de turistas, totalizando cerca de 50 mil a cada ano. São viajantes individuais ou grupos guiados vindos das mais diversas partes do mundo em excursões organizadas desde a capital. O destino único é o Museu Stálin, localizado não à toa na Avenida Stálin, número 32. A via corta praticamente toda a cidade.
Aberto em 1957, apenas quatro anos após a morte do ditador, o museu ocupa uma grande construção localizada logo atrás da casa onde em 18 de dezembro de 1878 nasceu Josef Vissarionovich, filho de uma pobre família georgiana. O nome "Stálin" foi adotado por ele em seus primeiros anos de atividade política em referência à palavra russa ferro (stal). Josef assinava seus artigos como K.Stalin e o mais famoso dele explodiu a sua popularidade: "Marxismo e a Questão Nacional". Por causa de seu nome, foi muitas vezes chamado de "Homem de Ferro".
Hoje, a casa onde ele passou os quatro primeiros anos de sua vida ainda está lá, bem conservada e com uma placa indicando que ali nasceu o filho mais famoso de Gori. É um patrimônio histórico tombado e o acesso é proibido.
Mas as grandes atrações sobre Stálin estão no museu. Visitá-lo não é caro. O bilhete custa somente 10 laris georgianos, o equivalente a 3,90 dólares, ou R$ 12,65. Durante a visita, que dura entre 40 e 50 minutos, os turistas são acompanhados por guias que falam com orgulho de seus conterrâneos. Há explicações em russo e inglês.
Explicações estas, assim como os objetos à mostra, que não fazem questão alguma de citar os horrores cometidos por Stálin, o sofrimento imposto a judeus e uma boa parte da população soviética e as diversas mortes durante o seu regime. O museu é uma ode a sua trajetória. São diversas salas, com estátuas, bustos, fotos, tapetes e quadros retratando a sua vida, desde o nascimento até a consolidação como um dos homens mais poderosos do planeta.
Há objetos raros, como a mala usada por Stálin quando deixou sua casa ainda criança para ir estudar fora e seus primeiros manuscritos. O primeiro andar, aliás, aborda sua infância e adolescência, falando de seu lado poético, suas atividades revolucionárias na Geórgia, os sete anos passados na prisão durante o governo czarista (sendo seis na Sibéria).
Presentes recebidos de líderes de outros países também compõem a exposição. Seu papel na Segunda Guerra Mundial e a vitória imposta aos nazistas são citados a todos os momentos.
Durante a visita da qual o UOL fez parte, um turista questionou a guia sobres os crimes cometidos por Stálin e o porquê de não haver praticamente nada sobre o tema. Ela demonstrou certa irritação e disse que não estava ali para discutir política, ignorando a pergunta. Quem visitar o local tem de estar preparado para ouvir um só lado da história. Duas pequenas salas, sem qualquer indicação e muito difíceis de serem encontradas, falam um pouco, mas bem pouco mesmo sobre a repressão existente durante seu regime autoritário.
Ao final do "tour" está a máscara da morte de Stálin, feita de bronze com a sua feição logo após a morte. No local, os guias pedem silêncio para um momento de reflexão. Ela fica localizada no meio de uma sala redonda.
Fora do museu e com entrada paga à parte (apenas R$ 6,37) fica o vagão usado por Stálin por suas viagens na União Soviética e para o exterior, uma vez que ele odiava aviões. À prova de bala, ele possui uma banheira e um primitivo sistema de ar-condicionado.
Hoje, a imagem de Stálin é usada em prol do capitalismo. Dentro do museu há venda de camisetas, canecas e até vinhos com a imagem do ditador. Do lado de fora, ambulantes vendem ímãs, chaveiros, caixas de fósforo.
Do lado de fora, também há a única estátua ao ar livre de Stálin em Gori. Logo atrás da casa onde nasceu, é parada quase que obrigatória para os turistas que ali estão.
Por falar em estátua, havia duas grandes espalhadas pela cidade. A maior, que ficava em frente a Prefeitura, foi removida em 2010 em meio a diversos protestos da população. A remoção, por ordem do ex-presidente Mikhail Saakashvili aconteceu de madrugada com forte presença policial para evitar maiores problemas. Outra que ficava em uma praça em frente ao museu também foi derrubada. Hoje, o que se vê são apenas tapumes cobrindo a sua base.
Na Rússia, todas as estátuas suas já foram removidas de locais públicos de Moscou. Na capital, para se ver monumentos ao ditador só mesmo no Parque Muzeon de Artes, uma espécie de cemitério de "obras de arte" da época comunista. Em 1961, no governo de Nikita Kruschev, também teve seu corpo embalsamado retirado do famoso mausoléu na Praça Vermelha, que hoje homenageia apenas Lenin. O corpo de Stálin foi colocado em uma tumba logo atrás, junto às paredes do Kremlin.
Na Armênia, uma grande estátua sua que ficava no ponto mais alto da cidade foi derrubada em 1967 e substituída por uma em homenagem à "Mãe Armênia".
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