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Apesar das leis rígidas sobre comércio de armas, clima no Texas ainda remete ao Velho Oeste

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Imagem: Reprodução/Twitter

James Cimino

Colaboração para o UOL, em Nova York

07/11/2017 07h49

Com 12,8 armas para cada 1.000 cidadãos, o Estado do Texas, onde ocorreu um ataque com tiros dentro de uma igreja, que deixou 26 mortos e 11 feridos no último domingo (5), ocupa apenas a 18ª posição no ranking de armas dentre os 50 Estados americanos, segundo dados de 2013.

Para se conseguir uma arma de um vendedor licenciado, de acordo com a lei federal, é necessário passar por uma checagem da ficha criminal. Se o comprador tiver sido preso por algum crime, tiver sido considerado pela Justiça como mentalmente incapaz, sido preso por violência doméstica ou abuso ou, ainda, tiver sido acusado por envolvimento com o tráfico de drogas, a loja está proibida de realizar a venda.

"Você tem que preencher um questionário, apresentar sua identidade e o vendedor faz uma pesquisa cujos resultados saem rapidamente. Se for necessária uma nova checagem eles têm um prazo de 72 horas para concluir a pesquisa. Caso isso não aconteça neste prazo, ele é obrigado a completar a venda", explicou ao UOL Ed Scruggs, conselheiro da ONG Texas Gun Sense, que tenta fazer lobby por uma maior regulamentação sobre armas no Estado.

O ex-soldado da Força Aérea Americana Devin Patrick Kelley, 26, autor do massacre, se encaixava em dois dos três pré-requisitos que deveriam impedi-lo de ter acesso a uma arma. Como então ele conseguiu um rifle AR-556 (semelhante ao AR-15), criado para práticas militares, um colete à prova de balas e vários cartuchos de munição?

A hipótese da lobista pró-armas da Associação do Rifle do Estado do Texas (TSRA, na sigla em inglês) Alice Tripp era a de que a Força Aérea tinha falhado em informar a condenação por violência doméstica do atirador para o sistema do governo federal — o que foi confirmado mais tarde pelas autoridades.

"Não há falhas neste sistema. Se qualquer pessoa vender uma arma para um vizinho, por exemplo, ignorando que ele tenha um histórico de crime ou violência, esta pessoa está cometendo um crime. Se um condenado em liberdade condicional ao menos tentar comprar uma arma, ele volta para a prisão. Se a namorada de um condenado comprar uma arma para ele, o que acontece muito, ele volta para a prisão e ela será processada."

Mas segundo Ed Scruggs, há outras formas de se conseguir armas no Estado sem passar pela checagem obrigatória. Segundo ele, é muito fácil escapar desta checagem, porque tanto no Texas quanto em outros Estados é legal fazer uma venda de pessoa para pessoa. "Se alguém colocar um anúncio no Craigslist [site de classificados muito popular nos Estados Unidos] anunciando que quer vender uma arma, e alguém se oferecer para comprar, é possível se marcar um encontro em um estacionamento, por exemplo, receber em dinheiro vivo e vender o equipamento sem checagem de identidade ou ficha criminal."

Outra forma de se obter uma arma sem problemas são as feiras de armas, que embora exijam que seus expositores sejam licenciados, são locais perfeitos para que portadores independentes comercializem suas armas da mesma maneira. A terceira maneira é a compra pela internet, que também não exige checagem.

No Texas, o porte de arma à vista é permitido - Ilana Panich-Linsman/The New York Times - Ilana Panich-Linsman/The New York Times
No Texas, o porte de arma à vista é permitido
Imagem: Ilana Panich-Linsman/The New York Times

Controle

A lobista Alice Tripp ficou muito irritada com as perguntas da reportagem sobre um possível aumento no controle de armas devido aos constantes tiroteios que ocorrem no país. Depois de soltar uma risada debochada, disse que isso "é papo furado" e que controle de armas é "paternalismo", pois "armas nas mãos certas podem salvar vidas".

"Você deve levar em conta que os ataques de 11 de Setembro foram praticados com o uso de estiletes. O ataque ocorrido em Nova York na semana passada foi praticado com um caminhão da Home Depot [loja de material de construção]. Sempre haverá criminosos sociopatas com bombas feitas de fertilizantes ou de panelas de pressão. Implicar uma maldade inata a uma arma é ridículo. Quem impediu a escalada do ataque em San Antonio foi um vizinho armado…"

Ao ser questionada pela reportagem qual seria a outra utilidade de uma arma de fogo além de matar e confrontada sobre a impossibilidade de o vizinho em questão ter prevenido com sua arma a morte de 26 pessoas, a lobista da TSRA perdeu a paciência e desligou o telefone dizendo: "Eu não vou mais discutir isso com você!"

Direito divino

O clima no Texas, quando se trata de porte de armas, ainda é de Velho Oeste. A lei permite que qualquer pessoa porte armas de fogo em qualquer lugar, de restaurantes a edifícios público, além de seus próprios carros.

"Nas grandes cidades não é muito comum ver pessoas armadas, mas no sul [onde aconteceu a chacina] e no leste do Texas, é muito comum ver pessoas armadas inclusive com rifles AR-15 nas ruas. Muita gente fica enojada, mas está se tornando cada vez mais comum", diz o conselheiro da Texas Gun Sense — cujo objetivo é "não desarmar ou proibir o comércio de armas, mas trazer o bom senso ao seu uso"

Os comerciantes podem, no entanto, colocar um aviso em seus estabelecimentos vetando o porte, mas acabam sofrendo boicotes promovidos online. Sob o risco de sofrer represálias ou perder a clientela, acabam fazendo vistas grossas para os caubóis.

Ed Scruggs conta ainda que mesmo a polícia é contrária ao porte público de armas, pois em uma situação de confronto, terá dificuldade em identificar quem é o mocinho e quem é o bandido. "As pessoas aqui não confiam no governo nem na polícia, por isso acham que têm o direito de realizar o trabalho da polícia, o que fez com que policiais se colocassem contrários ao porte público."

Mas, segundo ele, um dos maiores obstáculos é a questão religiosa.

"Na cultura americana há essa ideia de que portar uma arma é uma forma de proteger sua família. Mas armas como esta usada em San Antonio são tão poderosas que antes que qualquer pessoa possa reagir a um atirador deste tipo já terá havido um assassinato em massa, especialmente neste caso, em um espaço pequeno em que as pessoas estão muito próximas e que não há muitas saídas. Para garantir segurança de todos seria necessário que todo indivíduo portasse uma arma, o que é impraticável. É como ter uma doença e tomar analgésicos para aliviar a dor em vez de tomar antibióticos para curar a infecção. Outro problema é a religião. As pessoas aqui acreditam piamente que a Bíblia lhes dá o direito de ter armas e que a Constituição é a palavra de Deus, porque essa ideia foi perpetuada ao longo dos séculos pelos fundadores da nação." 

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