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Por que a reaproximação entre as Coreias é importante para o mundo?

Os patinadores norte-coreanos que irão à Olimpíada de Inverno - Matthias Schrader/AP - Matthias Schrader/AP
Os patinadores norte-coreanos que irão à Olimpíada de Inverno
Imagem: Matthias Schrader/AP

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

10/01/2018 04h00

A diminuição da tensão entre a Coreia do Sul e Coreia do Norte chegou a um ponto-chave nesta semana. Por meio de um comunicado conjunto divulgado na terça-feira (9), os dois países anunciaram que concordam em colaborar para buscar a reconciliação e reduzir a preocupação militar na península.

Com os Jogos Olímpicos no território sul-coreano como pano de fundo, especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que este é um passo importante não apenas para a política da região, mas para as preocupações globais.

Embora com repercussões ainda difíceis de estimar, o primeiro acordo aponta para a restauração da paz em uma das fronteiras mais tensas do mundo, além de uma possível reaproximação dos vizinhos sem a mediação dos Estados Unidos –algo inédito na região em décadas.

O encontro indica ainda uma estratégia de ganho de poder --e relevância-- de Kim Jong-Un com sua série de testes nucleares para, só agora, ir para a mesa de negociação.

Reunião entre representantes da Coreia do Sul e do Norte, que aconteceu nesta terça (9) - Reuters - Reuters
Reunião entre representantes da Coreia do Sul e do Norte, que aconteceu nesta terça (9)
Imagem: Reuters

A importância do anúncio

O anúncio conjunto feito pelas Coreias diz: "O Sul e o Norte concordaram em colaborar para facilitar a reconciliação e a unidade por meio da redução da tensão militar e estabelecer um ambiente pacífico". 

Este é o maior passo rumo à reaproximação deste que o ditador norte-coreano assumiu o poder há pouco mais de seis anos. Entre os combinados, estão a restauração de uma das linhas de comunicação militar, do Mar Amarelo, fechada há dois anos pelo Norte, e o envio da delegação norte-coreana à Olimpíada de Inverno de PeyongChang, no Sul, em fevereiro.

"Podemos observar uma sequência de atos, e não apenas de discursos, conciliadores por parte da Coreia do Norte", afirma a professora Zelia Schervier, da Universidade de Brasília (UnB). "Esses atos demonstram mudança de direção quanto a sua política internacional, passando da escalada beligerante para a aproximação na diplomacia e no esporte."

Para Schervier, é uma forma do ditador norte-coreano demonstrar sua mudança de postura para o mundo.

"A busca de aproximação com Seul é um passo importante para o início de um diálogo entre os principais atores regionais e praticamente uma declaração de boas intenções por parte de Kim Jong-un para o resto do mundo, que assistia, até poucos dias atrás, a escalada nuclear da Coreia do Norte."

A 'Aldeia da Trégua', local na fronteira entre os dois países, onde as negociações acontecem - Ed Jones/AFP - Ed Jones/AFP
A 'Aldeia da Trégua', local na fronteira entre os dois países, onde as negociações acontecem
Imagem: Ed Jones/AFP

Estratégia política

Segundo Alexandre Ratsuo Uehara, coordernador do Grupo de Estudos Asiáticos da USP (Universidade de São Paulo), este anúncio ajuda a entender certos aspectos do governo norte-coreano. 

"Ele sempre teve como meta tornar o país uma potência militar e conseguiu recentemente. Mesmo que se discuta a qualidade ou a precisão do armamento, a tecnologia é um fato", argumenta Uehara. De acordo com o docente, este era o grande trunfo do ditador para se manter no poder e explica parte de suas atitudes. "Agora que ele conseguiu o que queria, consegue negociar."

É no tipo de acordo, no entanto, que paira a grande dúvida sobre a longevidade da distensão entre os países. Segundo divulgado, o Sul pede que o Norte pare com seus testes nucleares e de mísseis. Do outro lado, o Norte quer que o Sul reduza sua força militar e sua relação com os Estados Unidos.

"Ambos são pedidos difíceis de se cumprir. Além disso, qual a garantia? Tem a ver com a palavra de cada um", argumenta Uehara. "O ponto-chave é que vai ter de haver confiança de ambas as partes.”

O papel dos Estados Unidos

Para Uehara, um dos grandes destaques dessa reunião é que, pela primeira vez em décadas, os dois países negociaram bilateralmente sem a intervenção norte-americana. "Os Estados Unidos podem ajudar tanto quanto podem atrapalhar, e o governo [de Donald] Trump não está muito aberto para diálogos", afirma o docente.

O especialista explica que a influência norte-americana sobre as relações na península é tão grande que, desde os anos 1990, acordos de paz só deram certo quando os presidentes dos Estados Unidos e da Coreia do Sul estavam, ao mesmo tempo, abertos ao diálogo com os comunistas do Norte.

O primeiro grande acordo entre Estados Unidos e Coreia do Norte ocorreu em 1994, durante o governo de Bill Clinton, quando o líder norte-coreano ainda era Kim Jong-il, pai do atual ditador. Em 1998, o presidente sul-coreano Kim Dae-jung juntou-se a Clinton e iniciou a política Sunshine, de reaproximação com o Norte, que mais tarde lhe rendeu o Nobel da Paz.

"A relação estava melhorando até o governo de George W. Bush colocar a Coreia do Norte no Eixo do Mal. Foi quando eles voltaram a se afastar", explica Uehara. "A partir dai, Barack Obama era favorável [à reaproximação], mas a ex-presidente sul-coreana Park Geun-hye era radicalmente contra. Agora, vemos o contrário com Trump e o atual presidente Moon Jae-in, que já falava disso em campanha. Por isso é tão importante que os dois tenham decidido fazer uma reunião bilateral.”

Para Kim Jong-un, a não-interferência dos Estados Unidos, em especial sob a tutela de Trump, é crucial. "Há uma racionalidade em meio às suas decisões, por incrível que pareça. Ele acompanhou o que aconteceu na Líbia e no Iraque: Muammar Gaddafi e Saddam Hussein aceitaram abrir as portas e não só foram depostos como mortos”, lembra Uehara.

"Com o Trump, houve uma escalada no tom que passou de retóricas competitivas e beligerantes a uma guerra econômica que, sem dúvida, teve consequências na análise do dirigente norte-coreano. Mas ainda é muito cedo para afirmar se haverá uma desnuclearização no país", completa Schervier, da UnB.

E a China?

A especialista pondera também a influência de outro grande país relevante no global e vizinho das Coreias: a China. 

"Apesar da diplomacia sul-coreana ter ficado dividida entre a diplomacia chinesa e norte-americana, há alguns anos existe uma aproximação com a China que vislumbrou maior oportunidade de atuação com a troca no poder em Seul", afirma a docente. "Se Trump tem estado tão envolvido em questões domésticas, talvez seja o momento para focar nossas análises no gigante vizinho, pelo menos por enquanto."

“Foi dado um passo importante, embora ainda seja cedo para dizer se será duradouro”, afirma Uehara.