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'Nunca assediei ninguém', diz indicado por Trump; professora afirma estar '100%' certa de ataque

27.set.2018 - Christine Blasey Ford fala na Comissão de Justiça do Senado americano - Jim Bourg/AFP
27.set.2018 - Christine Blasey Ford fala na Comissão de Justiça do Senado americano Imagem: Jim Bourg/AFP

Do UOL, em São Paulo

27/09/2018 13h31Atualizada em 27/09/2018 19h08

A Comissão de Justiça do Senado americano iniciou nesta quinta-feira (27) uma audiência que tem Christine Blasey Ford, 51, como protagonista. Christine acusa o juiz Brett Kavanaugh, indicado do presidente Donald Trump à Suprema Corte, por assédio, afirmado que ele tentou estuprá-la durante uma festa quando ambos eram adolescentes.

"Estou aqui hoje não porque eu queira estar. Estou apavorada", desabafou Christine, diante de uma sessão lotada, aberta por volta das 10h locais (11h em Brasília) com uma apresentação do presidente da Comissão, o republicano Chuck Grassley.

"Acredito que seja meu dever como cidadã dizer a vocês o que aconteceu comigo, quando Brett Kavanaugh e eu estávamos no Ensino Médio", declarou, com a voz embargada, tentando conter as lágrimas.

Blasey Ford descreveu ter sido abordada por um Kavanaugh "visivelmente bêbado" e seu amigo Mark Judge, que a levou para um quarto e trancou a porta, antes que Kavanaugh tentasse tirar suas roupas. "Achei que ele fosse me estuprar", disse ela aos congressistas.

Ao ser questionada se tinha certeza que era ele, respondeu sem hesitar: "100%". E ao ser perguntada sobre como poderia ter tanta certeza, ela respondeu: "do mesmo jeito que tenho certeza de que estou falando com você agora. Apenas funções básicas de memória".

Christine disse ter certeza da identidade do agressor, porque a "traumática experiência" foi alojada de modo "indelével" em seu cérebro.

Pouco após o depoimento da professora, Kavanaugh foi à corte dar sua versão do episódio. O indicado por Trump para Suprema Corte negou todas as acusações e acusou a "esquerda mundial" de patrocinar uma campanha da mídia contra sua indicação.

"Nunca assediei a sra. Ford, nunca assediei ninguém. Nunca estive nessa festa que ela descreveu, e tenho depoimentos de amigos próximos dela que também negam sua versão da festa", disse Kavanaugh. "Isso é um circo, e tudo que vai, volta", afirmou o indicado.

"Houve uma campanha para destruir minha reputação. Um senador democrata me chamou de 'mal'. A imprensa, financiada por milhões de dólares de grupos de esquerda de todo o mundo, me atacou todo esse tempo", disse o juiz. 

Em determinado momento de seu depoimento, o juiz afirmou que não teve relações sexuais durante sua adolescência e nem nos anos subsequentes. "Entreguei uma carta com 65 assinaturas e depoimentos de mulheres que era minhas amigas nessa época, e elas descreveram que eu sempre as tratei com respeito", afirmou Kavanaugh.

No momento mais conturbado da sabatina, o senador Dick Durbin, um dos líderes do Partido Democrata no Senado, desafiou Kavanaugh. "Se você é a favor de uma investigação do FBI, porque não liga para Trump agora mesmo e pede para ter sua indicação suspensa até que tudo seja esclarecido?". O juiz ficou calado por alguns segundos, depois contornou a questão e afirmou que "fará o que o comitê quiser". 

O episódio

Em sua declaração de abertura, Christine contou que ela foi a uma festa com uma amiga em 1982. Ela então relembrou que em um determinado momento, foi empurrada para dentro de um quarto enquanto se dirigia para o banheiro. Ainda segundo seu depoimento, ela não conseguiu ver quem a puxou, mas que lembra ter sido levada para dentro de um quarto, que teve a porta trancada, e que dentro dele estavam Brett Kavanaugh e Mark Judge.

De acordo com o que contou, ela foi empurrada para uma cama, onde Kavanaugh ficou em cima dela. Ele teria a apalpado e tentado tirar suas roupas, mas Christine diz que o fato dela usar um maiô por baixo das roupas e o nível de embriaguez do agressor dificultaram esta tentativa.

Ela então tentou gritar, mas Kavanaugh teria tapado a boca dela para impedir. Christine ainda disse que cruzou olhares com Mark Judges e que achou que ele iria ajudá-la, mas que ele não o fez. Ela conta que conseguiu escapar quando Kavanaugh saiu de cima dela após Judge pular na cama.

5.set.2018 - Brett Kavanaugh testemunha durante audiência de confirmação à Suprema Corte - Saul Loeb/AFP - Saul Loeb/AFP
Brett Kavanaugh nega as acusações
Imagem: Saul Loeb/AFP

Marcas duradouras

Christine disse que o episódio causou problemas de ansiedade, ataques de pânico e que chegou a afetar seu desempenho escolar. Sobre não falar do assédio antes, ela diz que ficou com medo de contar aos pais que tinha ido a uma festa sem supervisão de adultos.

Ela contou que falou do caso poucas vezes depois disso e que só detalhou o que tinha sofrido em uma sessão de terapia de casal em 2012. Seus familiares não entendiam a razão dela insistir em colocar uma segunda porta na entrada de sua casa durante uma reforma, então ela explicou que a necessidade era um reflexo do assédio que tinha sofrido.

Entre as grandes expectativas da audiência estava ver pela primeira vez o rosto de Blasey Ford, de quem se conhecia apenas fotos antigas e uma imagem das redes sociais, na qual aparecia de óculos escuros.

"Os detalhes dessa noite, que são o que me trazem aqui, são coisas que nunca vou esquecer. Ficaram gravadas na minha memória e me atormentaram por momentos em minha vida adulta", disse.

Brett Kavanaugh e Donald Trump - Leah Millis/Reuters - Leah Millis/Reuters
Brett Kavanaugh foi indicado para vaga na Suprema Corte por Donald Trump
Imagem: Leah Millis/Reuters

Indicação à Suprema Corte

Há duas semanas, Kavanaugh parecia prestes a ganhar sua aprovação do Senado para entrar na Suprema Corte, uma jurisdição que trata de questões fundamentais da sociedade americana, como direito ao aborto, porte e posse de armas de fogo e direitos das minorias.

Para Trump, colocar um juiz conservador em um cargo vitalício na alta corte selaria seu objetivo de deixar em minoria os juízes progressistas, ou moderados, durante muitos anos.

Até agora, apesar das novas denúncias de supostos abusos cometidos por Kavanaugh, Trump manteve seu apoio ao juiz. Se Christine conseguir convencer o presidente americano, ele disse que poderia renunciar a seu candidato e propor outra pessoa.

Outras acusações

Após Christine revelar o assédio por Kavanaugh, uma segunda acusação partiu de Deborah Ramirez em artigo publicado pelo The New Yorker. Ela contou que nos tempos da faculdade, Kavanaugh estava bêbado, quando teria tirado a roupa dela, durante uma festa em uma residência de estudantes, colocado o pênis em seu rosto, além de fazer com que o tocasse, sem seu consentimento.

Na quarta-feira (26), outra mulher acusou o juiz. Julie Swetnick, 55 anos, divulgou um comunicado no Twitter, por meio de seu advogado. Ela relatou ter visto Brett Kavanaugh  ter condutas "muito inapropriadas" com outras mulheres, em festas na década de 1980.

Julie não afirmou explicitamente ter sido estuprada por Kavanaugh, mas disse que ele estava em uma festa em que ela sofreu um estupro coletivo. Acrescentou que ele bebia muito e tinha um comportamento fisicamente agressivo em relação às mulheres.

No comunicado publicado pelo advogado Michael Avenatti, Julie também afirmou que Kavanaugh tinha o costume de colocar "drogas" nas bebidas das colegas, alegando que assim poderia deixá-las mais "desinibidas".

(Com AFP e Agência Brasil)