Opinião: Com bombas nos EUA e ataques à mídia no Brasil, corremos o risco de explodir a democracia
Bombas foram enviadas a uma série de atores políticos democratas nos Estados Unidos. A família Obama, a família Clinton e o ex-vice presidente Joe Biden receberam artefatos que, felizmente, não foram detonados.
No momento em que escrevo este artigo, ainda não se sabe quem os enviou. Mas é assustador que políticos recebam bombas em vez de cartas de protesto.
Esses atentados se explicam em um contexto no qual adversários são tratados como inimigos a serem eliminados.
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O discurso de ódio e a ideia de prender adversários (Trump fez campanha dizendo que ia colocar Hillary na cadeia) em vez de vencê-los nas urnas têm consequências evidentes na maneira como a sociedade se engaja politicamente. Manifestações pacíficas viram ataques nas ruas, e cartas de protestos viram cartas-bombas.
Mas há algo ainda mais grave na série de bombas enviadas essa semana. Além de políticos, as bombas foram dirigidas à imprensa, a artistas e à sociedade civil.
Foram alvos dos ataques a CNN, principal rede notícias dos EUA; o ator Roberto De Niro e George Soros, fundador da Open Society Foundations - fundação da qual sou diretor para a América Latina, que apoia uma parte relevante das organizações que defendem a democracia e os direitos humanos no mundo todo.
A inclusão da imprensa, de artistas e da sociedade civil no rol de inimigos políticos que devem ser eliminados mostra uma visão de mundo que não apenas não tolera os adversários (o que já seria grave), mas que é incompatível com o ambiente democrático.
Isso porque democracia não se faz apenas com eleições e instituições estatais. Ela se compõe de órgãos de imprensa, ou seja, jornalistas trabalhando com segurança e independência. Compõe-se também de artistas e agentes culturais se manifestando livremente. E de organizações da sociedade civil que possam apontar erros e alternativas e, por que não, apoiar cidadãos que queiram lutar por seus direitos.
Trump fez campanha e repete isto em seu governo: ataca de maneira radical e violenta políticos com quem disputa eleições, organizações da sociedade civil e a imprensa.
O presidente dos EUA nega-se a responder perguntas de determinados jornalistas. Acusa-os de propagar fake news, tendo sido ele o grande beneficiário das mentiras na campanha. E trata qualquer crítico de seu governo, mesmo sem vinculações partidárias, como inimigos que devem ser eliminados ou sufocados.
É evidente que esse tipo de atitude reverbera profundamente na sociedade -- em qualquer lugar do mundo.
Quando vemos no Brasil jornalistas ameaçados por reportagens contrárias a um candidato, é impossível não vincular isso aos ataques à imprensa que ele perpetra. Quando vemos ativistas acuados, não se pode esquecer que um candidato à presidência da República prometeu acabar com toda forma de ativismo.
A sociedade reage aos estímulos de seus líderes. E isso é uma das belezas da vida política: ela é capaz de fazer a sociedade avançar justamente em função dessa relação. Mas o contrário também é verdade: uma sociedade corre o risco de regredir sob líderes tiranos e não democráticos.
Por isso, exige-se uma responsabilidade enorme desses atores, qualquer que seja o espectro político. É preciso medir atitudes e discursos, tendo em vista as consequências mais profundas que podem gerar.
Mas não é o que se vê. Um novo tipo de líder, que arrebata massas com violência verbal, cresce na Venezuela, na Nicarágua, na Turquia, na Rússia, no Egito, na Índia, na Arábia Saudita, na Hungria, nos Estados Unidos e também no Brasil.
É preciso parar isso. É preciso fazer um pacto pelo diálogo, pelo convívio com adversários e com opositores. Na falta de líderes responsáveis, cabe à sociedade exigir esse compromisso claro e explícito de apoio à democracia, sustentada por uma sociedade civil forte e uma imprensa independente e corajosa.
Afinal, uma sociedade em que artistas, ativistas ou imprensa, pelo simples fato de existirem ou por fazerem denúncias, temam receber voz de prisão, expulsão ou até uma bomba pelos correios não pode ser chamada de democrática.
*Pedro Abramovay é diretor da Open Society Foundations para a América Latina e foi Secretário Nacional de Justiça (2010).
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