Brasil deveria aprofundar relação com Israel, mas não mudar embaixada, avalia Celso Lafer

À frente do Ministério das Relações Exteriores em duas ocasiões, em 1992 (governo Collor) e entre 2001 e 2002 (FHC), o jurista Celso Lafer, 77, vê com bons olhos a aproximação do Brasil com Israel desejada pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).
Mas pondera: transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, intenção externada por Bolsonaro em algumas ocasiões, não é uma boa ideia. "Um país deve selecionar as áreas de atrito, e não ampliar suas áreas de atrito", disse em entrevista ao UOL.
Descendente de família judaica e autor de "A Reconstrução dos Direitos Humanos - um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt", sobre a obra de uma das mais influentes pensadoras judias do século 20, Lafer diz que sua avaliação parte de "uma perspectiva laica, não religiosa".
"Considerando a dimensão simbólica que a mudança da embaixada tem, eu não me precipitaria", afirmou Lafer.
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Hoje, embaixada está em Tel Aviv
Atualmente, a embaixada brasileira (assim como a da maior parte dos países) está instalada em Tel Aviv, cidade que funciona como capital israelense para comunidade internacional.
Mas para Israel (e também para a Palestina), a capital deveria ser Jerusalém. E em 1980, o governo israelense declarou a cidade sagrada sua capital "indivisível" e anexou a parte leste -- o que contraria acordos internacionais que previam que a cidade deveria ser compartilhada entre israelenses e palestinos.
"Quem decide a capital do Estado é o respectivo Estado. Não vejo o porquê desta celeuma toda", disse Bolsonaro na última quarta-feira (7).
Lafer explica:
Jerusalém é uma cidade simbólica. Reconhecer Jerusalém (como capital de Israel), neste momento, na minha percepção, é mais ou menos como jogar uma pá de cal no tema dos dois estados [Israel e Palestina]
A transferência da embaixada também contraria os Acordos de paz de Oslo (1993), que previam negociações pacíficas entre Israel e a Autoridade Nacional Palestina sobre fronteiras e o status de Jerusalém.
"Sei que os acordos de Oslo vêm sendo comprometidos por várias circunstâncias. Israel tem a sua responsabilidade, mas os palestinos também", avalia Lafer.
Uma possível mudança da embaixada do Brasil mimetiza movimento realizado em maio por Donald Trump, que levou a embaixada dos EUA para Jerusalém.
Lafer diz que o gesto de Trump respondia também às aspirações de grupos evangélicos nos Estados Unidos. "Acho que este é o caso de Bolsonaro também", afirmou.
O ex-chanceler alerta ainda que a transferência da embaixada brasileira para Jerusalém poderia atrapalhar o comércio brasileiro com os países árabes.
"Pode afetar, porque símbolos e valores têm o seu papel na política externa. A situação do Oriente Médio também é muito complicada. Existe hoje um tipo de entendimento entre Arábia Saudita, Egito e Israel que se contrapõe a Irã e talvez Turquia, por exemplo. No entanto, o Egito suspendeu a visita oficial por problemas de agenda, o que mostra que este é um tema que gera muito atrito", disse Lafer.
Expertise israelense
Mesmo sem mudar a embaixada de local, Lafer acredita que há espaço - e vantagens - para um aprofundamento das relações entre Brasil e Israel.
O presidente eleito reuniu-se algumas vezes com o embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelly, durante a campanha e após a vitória. E Bolsonaro elogiou, em reiteradas oportunidades, o poderio militar e científico de Israel.
"Examinei isso mais de perto quando presidi a Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo], e acompanhei um pouco do que se faz em Israel. Esta é uma área que eu escolheria como prioritária e preferencia, mais do que qualquer outra coisa", afirmou. "É uma área onde Israel tem interesse, e onde o Brasil também tem. E significaria um adensamento das relações", defende.
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