Gestão Bolsonaro cria problemas desnecessários na diplomacia e Brasil pagará, dizem ex-ministros
Um mês e meio antes de assumir o governo federal, a equipe do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) dá “maus sinais” no que diz respeito à política externa, segundo dois diplomatas e ex-ministros ouvidos pela reportagem do UOL: Celso Amorim, que ocupou por duas vezes o Ministério das Relações Exteriores, e Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e ex-ministro do Meio Ambiente.
Nos últimos dez dias, ao menos três incidentes causaram desentendimento entre o Brasil e outros países.
"O que seria necessário é que essa política se orientasse justamente pela objetividade, pela busca pragmática de novos mercados, novos investimentos, mas com isso nós vamos fechar mercados, em vez de abri-los", afirma Ricupero.
"Política externa é uma coisa que você pode fazer com uma certa afirmação, mas tendo compreensão de que está no mundo e de que não pode impor a sua opinião, em nenhum assunto. Você deve levar em conta também os consensos internacionais que se formam", diz Amorim.
Em 5 de novembro, o governo do Egito cancelou uma visita que seria feita ao país pelo atual chanceler brasileiro, Aloysio Nunes Ferreira, por conta de uma declaração de Bolsonaro no Twitter sobre Israel, no início do mês: “Como afirmado durante a campanha, pretendemos transferir a Embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém. Israel é um Estado soberano e nós o respeitamos.”
A iniciativa de Bolsonaro pode ser avaliada como polêmica, uma vez que seria o reconhecimento de Jerusalém como capital do país, que está fixada em Tel Aviv. Por ser considerada sagrada, Jerusalém é disputada por Israel e pela Palestina.
No dia 13 de novembro, o embaixador da Noruega, Nils Martin Gunneng, convidou o futuro ministro da Casa Civil, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), para uma conversa, após declaração deste último sobre preservação ambiental.
No dia anterior, o futuro ministro havia criticado o país nórdico, durante entrevista coletiva, comparando as atuações de Noruega e Brasil em relação à preservação do meio ambiente: "O que nós fizemos não vale nada, o que vale é a Noruega. E a floresta norueguesa, quanto eles preservaram? Só uma coisa importante que tem que ser lembrada: o Brasil preservou a Europa inteira territorialmente, toda a União Europeia, com as nossas matas, mais cinco Noruegas. Os noruegueses têm que aprender com os brasileiros, e não a gente aprender com eles."
Em 14 de novembro, o governo de Cuba anunciou o fim da parceria com o Brasil no programa Mais Médicos, após Bolsonaro condicionar a manutenção do programa a mudanças no acordo entre os dois países.
"Condicionamos a continuidade do programa Mais Médicos à aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias. Infelizmente, Cuba não aceitou", afirmou Bolsonaro, por meio de sua conta no Twitter, após a decisão do governo cubano.
"Além de explorar seus cidadãos ao não pagar integralmente os salários dos profissionais, a ditadura cubana demonstra grande irresponsabilidade ao desconsiderar os impactos negativos na vida e na saúde dos brasileiros e na integridade dos cubanos", disse o presidente eleito.
“Brasil não tem o mesmo poder dos EUA”
Os dois diplomatas ouvidos pela reportagem do UOL avaliam que os incidentes envolvendo Cuba, Noruega e Egito prejudicam a imagem do Brasil na comunidade internacional. “Esse governo ainda não tem nem a realidade do poder, tem apenas a expectativa, mas já está criando um dano muito grande à imagem do Brasil e está isolando o país cada vez mais”, afirma Rubens Ricupero.
Todos esses episódios são episódios que foram criados gratuitamente, porque eram problemas que não existiam. O Brasil, que já tem tantos problemas reais, como déficit, a dívida, a Previdência Social, tanta coisa preocupante, não precisa inventar problemas novos, desnecessários
Rubens Ricupero, diplomata
“O que vai dizer para o mundo se o Brasil tem uma política de meio ambiente boa são as ações: se vamos preservar a Amazônia, se vamos cuidar da poluição nas grandes cidades, se vamos cumprir as metas do Acordo de Paris, é isso que vai dizer, não o que a gente disser dos outros”, diz Celso Amorim.
Ideológico é isso, é você subordinar totalmente o seu interesse a um certo tipo de visão de mundo que, a rigor, não é nem a nossa. Se você fizer uma enquete entre os brasileiros que se dedicaram minimamente ao assunto, eles não vão querer sair da ONU nem querer contrariar normas que são necessárias para a paz
Celso Amorim, diplomata
Os dois enfatizam que está na Constituição brasileira o norte a ser seguido na política externa:
“Os princípios básicos da política externa estão na Constituição: não intervenção, autodeterminação dos povos, solução pacífica de controvérsias, integração latino-americana, que pode ser entendida como sul-americana, incluindo o Caribe depois também, esses são os princípios”, afirma Amorim. “Não é acusando os outros que você se defende.”
“Essa nova equipe deveria ter em mente justamente manter o princípio do universalismo, da política externa brasileira, buscar a defesa dos nossos interesses, ter um relacionamento com todos sem se guiar por considerações ideológicas. Esses casos [dos últimos dias] são todos casos em que, na raiz do problema, existe uma motivação ideológica. A crítica a Cuba, a ideia de mover a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém...”, critica Ricupero.
“Só se pode atribuir isso mesmo ao despreparo dessa equipe, à falta de informação, à falta de conhecimento, é um mau sinal. Porque não permite esperar nada de bom se, antes de tomar posse, as pessoas se portam dessa maneira.”
Na quarta-feira (14), foi anunciado que o novo chanceler brasileiro será o embaixador Ernesto Araújo, atual diretor do Departamento dos Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos do Ministério das Relações Exteriores.
“[Se continuar nesse ritmo], o Brasil vai ser olhado como um pária da comunidade internacional. Os Estados Unidos fazem isso, mas têm um poder gigantesco, e as pessoas estão dispostas a calar em relação dos EUA por causa do poder dos EUA, mas o Brasil não tem esse poder. Não será de graça, nós vamos pagar um preço por isso”, pondera Ricupero.
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