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Para estudiosos, 'affair' Brasil-EUA não seria inédito, mas peculiar

Aproximação entre Bolsonaro e Trump depende da retomada do crescimento do Brasil e da disposição dos EUA de oferecerem benefícios ao Brasil, diz pesquisador da USP - MANDEL NGAN e Nelson ALMEIDA / AFP
Aproximação entre Bolsonaro e Trump depende da retomada do crescimento do Brasil e da disposição dos EUA de oferecerem benefícios ao Brasil, diz pesquisador da USP Imagem: MANDEL NGAN e Nelson ALMEIDA / AFP

Tatiana Pronin

Colaboração para o UOL, em Nova York

28/11/2018 04h01

A admiração mútua entre o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) e o presidente norte-americano Donald Trump poderia render uma aproximação entre Brasil e Estados Unidos. Não seria um movimento inédito na história dos países, mas ainda assim peculiar, pelo momento político que cada país enfrenta.

A avaliação é de pesquisadores brasileiros e norte-americanos, reunidos esta semana no Fapesp Week New York, evento organizado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo em parceria com o Wilson Center (um centro de pesquisa dos EUA) e a Universidade da Cidade de Nova York (CUNY, em inglês) para promover colaborações entre cientistas dos dois países. 

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Entre apresentações sobre neurociência, biologia estrutural e estudos sobre desigualdade, especialistas expuseram suas expectativas sobre o próximo governo no Brasil.

Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI/USP) Felipe Loureiro, o acercamento só irá se concretizar sob duas condições: a retomada do crescimento brasileiro e a disposição de Trump em oferecer benefícios reais, “como ajuda militar e econômica, cooperação técnica e científica e reconhecimento do status do Brasil na América Latina”.

Loureiro foi um dos que observou que uma eventual aproximação entre Brasil e EUA não seria novidade. Ele destacou as semelhanças entre as intenções de Bolsonaro, que anunciou para chanceler Ernesto Araújo (pró-Trump), e a política internacional do general Humberto Castelo Branco logo após o golpe militar de 1964.

Com um estágio em escola de guerra dos Estados Unidos na bagagem e com bom trânsito com o poderio norte-americano, Castelo Branco era visto com bons olhos pelos EUA, que evitavam o termo ditadura e falavam em "intervenção militar" no Brasil.

“Há lições para aprender do passado, mas as comparações devem ser feitas com cuidado”, ressalta. Assim como hoje, o Brasil enfrentava problemas econômicos graves e desequilíbrio nas contas públicas; economistas pediam mudanças estruturais, havia denúncias de corrupção do governo anterior e valores tradicionais, como família e cristianismo, estavam em alta.

Semelhanças e diferenças

Ao traçar paralelos, Loureiro também abriu espaço para ponderações. "Apesar das semelhanças, há diferenças importantes: a natureza da crise econômica é diferente, havia um apelo por reformas, e não apenas para combater a corrupção, e a terceira grande diferença é que houve um golpe, enquanto Bolsonaro foi eleito", disse.

No cenário internacional, as diferenças também eram marcantes: havia a Guerra Fria, e Washington tinha um papel crucial para a economia brasileira:

Hoje a China virou o maior parceiro comercial, e a relação do Brasil com outros países da América Latina também está mais consolidada.

O historiador diz que as políticas econômicas dos então ministros Otávio Bulhões e Roberto Campos, comparáveis, para ele, às de Paulo Guedes, tornaram-se impopulares e, quando o general Artur da Costa e Silva assumiu, a situação se reverteu, com o aumento da intervenção do Estado.

No fim dos anos de 1970, no governo de Ernesto Geisel, a relação entre Brasil e EUA atingiu seu ponto mais baixo, com o rompimento do acordo militar de 1952, após um relatório que apontava desrespeito aos direitos humanos ser publicado pelo governo norte-americano.

Paulo Sotero, diretor do Brazil Institute no Wilson Center, também deu exemplos de aproximações mais antigas com EUA no evento. Comentou o aval de Bolsonaro à fusão entre Boeing e Embraer, mas pontuou que certas questões vão dificultar o “affair” com Trump, como os confrontos com a China: “É muito difícil para o Brasil tomar partido em relação a isso”.

Educação e pesquisa

A preocupação com eventuais impactos do novo governo e dos ideais neoliberais em educação e pesquisa também permearam o debate.

“Estamos vivenciando uma mudança drástica na produção e uso do conhecimento”, opina o brasilianista John Collins, professor de antropologia da Queens College-CUNY que realiza estudos na Bahia desde 1992, ao comentar o crescimento das faculdades privadas no Brasil – muitas delas pertencem a corporações norte-americanas das quais não se ouve falar nos EUA, segundo ele.

Em relação ao novo governo brasileiro, as expectativas manifestadas no evento foram variadas.

Enquanto alguns pesquisadores de ciências sociais expressaram preocupação quanto a possíveis formas de censura, outros acreditam que movimentos como o “Escola Sem Partido” não terão impacto no livre pensamento nas universidades.

Questionado sobre o que espera da gestão Bolsonaro, o diretor científico da Fapesp Carlos Henrique de Brito Cruz responde que, assim como todos os brasileiros, o que se espera é o controle da corrupção, para que a economia retorne aos eixos. “Quando a economia do país funciona, a ciência funciona, a indústria gera mais empregos e assim por diante. Sempre foi assim”, avalia.