Israel espera apoio do Brasil em votações futuras na ONU, diz cônsul
A diplomacia israelense tem grandes expectativas com o governo de Jair Bolsonaro graças às muitas declarações de apoio presidente eleito. Espera-se que o Brasil passe a apoiar Israel nas votações em diversos órgãos das Nações Unidas (ONU). As afirmações foram feitas por Dori Goren, cônsul-geral de Israel em São Paulo, em entrevista ao UOL. Para o diplomata de 61 anos, a primeira visita de um primeiro-ministro de Israel ao país em 70 anos mostra que Benjamin Netanyahu e seu governo passam a ver o Brasil como um "amigo especial que merece este gesto".
Netanyahu desembarcou no Rio de Janeiro na sexta-feira (28) e se reuniu com Bolsonaro e autoridades do governo eleito, entre elas o futuro chanceler, Ernesto Araújo.
Veja os principais trechos da entrevista com o diplomata israelense:
UOL - Como Israel vê esta mudança de posicionamento diplomático brasileiro na era Bolsonaro?
Dori Goren - Acho que não é segredo que antes, durante os governos do PT, a relação de Israel com o Brasil não era excelente. Tivemos várias crises. Em 2014, por exemplo, na operação militar que Israel fez em Gaza, o Brasil chamou para consultas o seu embaixador e foi ativo em convencer outros países latino-americanos a fazerem o mesmo. Outra crise foi quando o Brasil não quis aceitar a indicação do embaixador israelense Dani Dayan. Já no governo Temer, um novo embaixador assumiu o posto. Entre 2014 e 2016, não tivemos grandes visitas oficiais de ministros brasileiros, somente de parlamentares. No último ano e meio, tivemos várias visitas de ministros, entre eles o chanceler brasileiro.
Agora, com Bolsonaro, é verdade que temos muitas expectativas com base em todas as declarações dele, de que vê Israel como um modelo tecnológico, para a agricultura, o tratamento de água e a segurança etc. E também pelas declarações de que ele vai mudar a embaixada brasileira para Jerusalém.
Bolsonaro teve um almoço pessoal com o premiê ainda como presidente eleito, sem tomar posse. Acho que isso mostra que as relações são e serão diferentes
Para Israel, qual é o significado da primeira visita do premiê ao Brasil?
Em 70 anos, desde a criação de Israel, não tivemos a visita de um primeiro-ministro na América Latina. Neste ano, Netanyahu já visitou a Argentina, a Colômbia e o México pela primeira vez. E agora vem para a região pela segunda vez. Sabemos que este não é o melhor momento, já que esta época do ano não é ideal para fazer visitas com uma delegação empresarial e tudo isso, mas a mensagem que Israel quer transmitir é a de que nós, o Ministério de Relações Exteriores e o primeiro-ministro, consideramos o Brasil, com esse novo governo, como um amigo muito especial que merece este gesto de parte do premiê.
Como podemos avaliar este olhar especial de Israel para a América Latina, em especial a América do Sul?
Existem duas questões: na primeira, a América Latina está cada vez mais presente na arena global e é cada vez mais importante também na área comercial. Nós consideramos a região, em primeiro lugar o Brasil, como um mercado que temos que aproveitar mais e aumentar as relações bilaterais. Isso já começou com a assinatura do acordo com o Mercosul, assinado em 2007 e que entrou em vigor em 2010, ainda no governo Lula. Desde este acordo, a relação comercial bilateral com o Brasil praticamente triplicou. Mas, mesmo assim, dentro de toda a balança comercial israelense no mundo, a América do Sul não representa nem a 6% e poderia chegar a muito mais. Então, temos interesse em ter maiores relações comerciais.
Agora, em questões políticas, o continente mudou. Dez anos atrás, o continente tinha governos que não eram muito pró-israelenses, não somente no Brasil, mas também em outros países. E isso mudou. Essa mudança, essa aproximação, tem a relação especial de Netanyahu com o presidente de Argentina, Mauricio Macri, e agora com o novo presidente do Brasil.
Gostaria de saber mais sobre as expectativas de Israel sobre a possibilidade de o Brasil mudar a sua embaixada de Tel Aviv em Jerusalém.
Ainda precisamos ver se isso vai acontecer depois da posse de Bolsonaro. Essa é uma pergunta que deve ser feita para os brasileiros. A posição israelense é muito clara: Jerusalém é a capital de israel há 70 anos. Isso é reconhecer uma situação que já existe: o governo israelense está em Jerusalém, o Congresso está em Jerusalém, a Corte Suprema, o presidente fica em Jerusalém. Na realidade, esta é uma situação que não é normal.
Desde os anos 1950, todos os países reconhecem Jerusalém como uma capital de facto. Quando chega um novo embaixador, ele apresenta sua credencial em Jerusalém, e não em Tel Aviv; os embaixadores fazem consultas em Jerusalém; quando temos visitas oficiais, elas acontecem em Jerusalém. Existe um reconhecimento de facto. Agora os EUA, a Guatemala e a Austrália reconheceram Jerusalém como capital, a parte ocidental. E esperamos que outros países sigam este passo, em primeiro lugar o Brasil, mas isso depende do governo brasileiro.
Jerusalém é a capital de Israel. E é como Bolsonaro mesmo falou: cada país tem direito a escolher a sua capital.
Se o Bolsonaro decide transferir a embaixada, a diplomacia israelense avalia que os países vizinhos poderiam seguir o mesmo caminho?
É prematuro dizer isso, e acho que não somos nós que podemos responder. Esta é uma questão que deveria ser feita ao Itamaraty e aos países vizinhos do Brasil. É possível que, como o Brasil tem posição de liderança na região, outros países da América Latina e do mundo inteiro sigam este exemplo brasileiro. Mas fazer este tipo de avaliação ainda é prematuro, já que Bolsonaro falou que vai transferir a capital, mas isso ainda não aconteceu.
Neste mês, o Brasil votou pela primeira vez contra o grupo militante palestino Hamas, sem se abster. Como Israel viu este movimento?
Vimos o voto do Brasil com olhos muito positivos. Esperamos que a votação brasileira vá mudar. Há muitas votações no Conselho de Direitos Humanos da ONU, por exemplo, que são uma hipocrisia total. Sempre há muitas votações contra Israel, e não contra a Síria ou o Irã. Na Unesco, o Brasil votou em uma resolução que não reconhece a ligação do povo judeu com Jerusalém, só a ligação dos muçulmanos. Não é possível que o Brasil seja um país que acha que o povo judeu não tenha ligação com Jerusalém. Jesus era judeu! Então, vamos ver se a votação brasileira vai mudar, esperamos que sim. Tudo depende do novo governo.
O próximo governo brasileiro já definiu que teremos uma série de privatizações, e empresas israelenses teriam recursos para investir. Esta é uma questão que está em consideração durante a visita de Netanyahu?
Na minha opinião, não sei se tenho razão, há questões técnicas que não serão discutidas em detalhes nesta visita. Neste encontro, não teremos grandes reuniões bilaterais entre os Ministérios de Comércio Exterior dos dois países. Isso tudo deve acontecer depois da posse. Mas, sem dúvida, empresas israelenses estão olhando para o Brasil, e acho que a abertura do voo direto da Latam entre São Paulo e Tel Aviv vai ajudar. Israel tem muito capital e as empresas israelenses investem muito forte no Brasil. Já temos hoje empresas que investem pesado no Brasil, nas áreas de segurança, de agricultura e em outras áreas. Além disso, muitas empresas israelenses atuam no Brasil e produzem aqui muita tecnologia que chega ao mercado brasileiro. Aparece como produto brasileiro, mas tem componentes israelenses, são israelenses.
Quando falamos de privatização, são as empresas israelenses que poderiam querer investir, mas não a posição do governo. Não podemos responder sobre a política dos empresários privados israelenses. A assinatura de acordos, como o do Mercosul, passa pelos governos. Mas para fazer negócios diretos, na minha opinião, depende da vontade das empresas israelenses.
Pode ser que a gente assine outros acordos de cooperação. Tomara! E estes acordos, sem dúvida, vão facilitar as parcerias entre Israel e Brasil. Mas, neste momento, tudo isso é especulação.
O governador eleito do Rio, Wilson Witzel, viajou para Israel para prospectar a compra de equipamentos de segurança. Como cônsul em São Paulo, o senhor saberia dizer se o governador eleito de São Paulo, João Doria, que também se elegeu com uma campanha focada em segurança, tem parcerias neste sentido?
Com o estado de são Paulo, temos esperanças de fazer cooperações semelhantes às que estamos fazendo com o Rio de Janeiro. A situação da segurança em São Paulo é melhor do que a do Rio. Mas, mesmo assim, acho que nós podemos contribuir muito. Não posso responder pelo que está em negociação no Rio porque foge da minha área; o mesmo ocorre com os governos eleitos do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, que são estados sob a minha responsabilidade. Tomara que todos estes governadores eleitos assinem acordos de cooperação, que façam visitas a Israel etc. Mas as informações que temos são que o governador eleito do RJ vai fazer novamente uma visita após a posse. E a nossa perspectiva é justamente a de receber visitas de outros governadores de todo o Brasil.
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