Levitsky: Não sou fã de Bolsonaro, mas ele acerta ao apoiar saída de Maduro
Steven Levitksy, um dos autores do best seller "Como as Democracias Morrem", foi uma das vozes mais críticas contra Jair Bolsonaro antes da vitória como presidente do Brasil. Em entrevista ao UOL nesta quinta-feira (24), o cientista político norte-americano disse que não simpatiza com Bolsonaro ou o que ele representa, mas que o presidente brasileiro acerta em apoiar a saída de Nicolás Maduro do poder da Venezuela.
"Não sou nem um pouco fã de Donald Trump ou de Jair Bolsonaro. Acho que os dois são indivíduos autoritários que representam um grande perigo para as democracias de seus países. Mas, neste caso particular, acho que eles estão certos em rejeitar publicamente a legitimidade de Maduro. O governo venezuelano está sujeitando o povo a uma dor impronunciável", afirmou o professor da Universidade Harvard em entrevista por telefone.
Veja os principais trechos da entrevista. Ao fim, há a transcrição de elementos que caracterizam governos autoritários, segundo Levitsky e Daniel Ziblatt, co-autor do best seller.
Maduro é um líder que preenche todos os requisitos listados em seu livro para identificar um líder autoritário (estão listados no fim da entrevista). O senhor o descreveria como um ditador?
Sim, sem dúvida. A Venezuela hoje é facilmente vista como uma ditadura, além de Cuba, que é a ditadura mais aberta que tivemos na América Latina desde Augusto Pinochet no Chile.
O senhor considera que a Venezuela seja uma democracia morta?
A Venezuela é um caso clássico de como uma democracia morre na era contemporânea. Hugo Chávez chegou ao poder em eleições completamente livres. O país funcionou como uma democracia nos primeiros cinco anos de seu governo, quando, inicialmente os antidemocratas eram os opositores, que tentaram dar um golpe por meios anticonstitucionais entre 2002 e 2003. Em termos de democracia, inicialmente Chávez foi a vítima, e a oposição era a vilã.
Mas, de forma lenta, ao longo do tempo, com referendos, ataques contra a imprensa e a má decisão da oposição de não disputar as eleições de 2005, gradualmente Chávez constituiu muito poder e começou, de forma bastante grave, a atacar a oposição até um ponto em que a Venezuela transformou-se no que chamo de um regime autoritário competitivo. Você ainda tem instituições democráticas, mas a competição é feita de forma desleal por causa do abuso contra a imprensa, de recursos da máquina estatal, da repressão contra opositores e críticos. Isso é o que a Venezuela virou no começo segundo mandato de Chávez.
Até sua morte, Chávez tinha popularidade e sempre teve um grande apoio da maioria da população. Ele não precisava reprimir, fechar Congresso eleito ou fazer eleições desleais. Mas isso não significa que a Venezuela era uma democracia. Não é uma democracia se você fecha canais de TV, se a oposição é exilada ou ameaçada.
Depois que ele morre, Maduro perde popularidade muito rapidamente, parte por causa da crise da economia venezuelana. Mas ele também era inexperiente e não chegava nem perto do carisma de Chávez, além de governar sem o apoio da maioria. É difícil fingir que você comanda uma democracia quando tem 23% de apoio.
Na sua avaliação, Juan Guaidó é um presidente legítimo?
É possível argumentar que ele é um presidente legítimo. A eleição de 2015, que deu esse mandato para a Assembleia Nacional, foi bem limpa, justa e legítima [quando os opositores conseguiram eleger a maioria]. A reeleição de Maduro, ano passado, foi uma fraude, foi uma piada. A oposição foi impedida de disputar de forma justa. Ninguém além de observadores russos acreditam que a eleição de 2018 foi minimamente ou remotamente legítima. Então quem é mais legítimo? Um presidente que essencialmente roubou uma eleição em 2018 ou um cara escolhido em uma eleição legítima para a Assembleia Nacional?
Por outro lado, nada disso importa. O que importa é quem controla as armas e o poder. E isso ainda é o chavismo.
Como o senhor avalia o modo como Guaidó e demais líderes da oposição na Venezuela escolheram para desafiar Maduro desta vez?
A oposição tenta há quase duas décadas tirar os chavistas do poder. Estão exaustos, nocauteados. Tentaram todas as estratégias possíveis: golpismo, protestos, greves, boicotaram eleições, disputaram eleições, tentaram os canais institucionais, evitaram os canais institucionais, tentaram ganhar o apoio nacional, tentaram negociar, tentaram tudo. E tudo falhou, em parte porque este governo é teimoso demais em permanecer no poder.
Imagine: você tenta tudo o que é possível, devota a sua vida para tirar o chavismo do poder por duas décadas. Estão cansados, divididos, brigando entre si, não se decidem em uma estratégia. Mas isso não é porque a oposição seja burra. Estão tentando há tempo demais. E esta última é uma estratégia nova, e agora estão tirando vantagem do fato que de que isso é um recurso legal. Além disso, os governos de esquerda que toleravam Chávez na região acabaram, e o ambiente político latino-americano é bem diferente e muito mais solidário para a oposição.
E como o senhor vê o papel dos vizinhos em apoiar Guaidó, como fez o presidente Jair Bolsonaro?
Passei muito tempo falando com jornalistas brasileiros e escrevendo sobre o perigo que Bolsonaro representa. É um perigo terrível. Mas hoje, em janeiro de 2019, Jair Bolsonaro é um presidente eleito em eleições livres e não destruiu a democracia brasileira --ainda. E Nicolás Maduro é um ditador que roubou uma eleição e ajudou a destruir o seu pais. Mesmo que eu não tenha qualquer simpatia por Bolsonaro, e esteja terrivelmente preocupado sobre o que ele pode fazer com o Brasil, hoje ele é uma voz muito mais legítima, e está em uma posição legítima para condenar o regime autoritário da Venezuela.
Não sou nenhum pouco fã de Donald Trump ou de Jair Bolsonaro. Acho que os dois são indivíduos autoritários que representam um grande perigo para as democracias de seus países. Mas, neste caso particular, acho que eles estão certos em rejeitar publicamente a legitimidade de Maduro. O governo venezuelano está sujeitando o povo a uma dor impronunciável.
O que indica um governo autoritário?*
1. Rejeição das regras democráticas do jogo (ou compromisso fraco com elas)
- Os candidatos rejeitam a Constituição ou expressam disposição de violá-la?
- Sugerem a necessidade de medidas antidemocráticas, como cancelar eleições, violar ou suspender a Constituição, proibir certas organizações ou restringir direitos civis ou políticos básicos?
- Buscam lançar mão (ou endossar o uso) de meios extraconstitucionais para mudar o governo, tais como golpes militares, insurreições violentas ou protestos de massa destinados a forçar mudanças no governo?
- Tentam minar a legitimidade das eleições, recusando-se, por exemplo, a aceitar resultados eleitorais dignos de crédito?
2. Negação da legitimidade dos oponentes políticos
- Descrevem seus rivais como subversivos ou opostos à ordem constitucional existente?
- Afirmam que seus rivais constituem uma ameaça, seja à segurança nacional ou ao modo de vida predominante?
- Sem fundamentação, descrevem seus rivais partidários como criminosos cuja suposta violação da lei (ou potencial de fazê-lo) desqualificaria sua participação plena na arena política?
- Sem fundamentação, sugerem que seus rivais sejam agentes estrangeiros, pois estariam trabalhando secretamente em aliança com (ou usando) um governo estrangeiro - com frequência um governo inimigo?
3. Tolerância ou encorajamento à violência
- Têm quaisquer laços com gangues armadas, forças paramilitares, milícias, guerrilhas ou outras organizações envolvidas em violência ilícita?
- Patrocinaram ou estimularam eles próprios ou seus partidários ataques de multidões contra oponentes?
- Endossaram tacitamente a violência de seus apoiadores, recusando-se a condená-los e puni-los de maneira categórica?
- Elogiaram (ou se recusaram a condenar) outros atos significativos de violência política no passado ou em outros lugares do mundo?
4. Propensão a restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia
- Apoiaram leis ou políticas que restrinjam liberdades civis, como expansões de leis de calúnia e difamação ou leis que restrinjam protestos e críticas ao governo ou certas organizações cívicas ou políticas?
- Ameaçaram tomar medidas legais ou outras ações punitivas contra seus críticos em partidos rivais, na sociedade civil ou na mídia?
- Elogiaram medidas repressivas tomadas por outros governos, tanto no passado quanto em outros lugares do mundo?
* Critérios estabelecidos pelos autores Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em "Como as Democracias Morrem"
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