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Comunidade brasileira em Israel se decepciona com cancelamento de encontro

1.abr.19 - O presidente Jair Bolsonaro caminha pelas ruas da Cidade Velha, em Jerusalém, cercado por seguranças - Thomas Ciex/AFP
1.abr.19 - O presidente Jair Bolsonaro caminha pelas ruas da Cidade Velha, em Jerusalém, cercado por seguranças Imagem: Thomas Ciex/AFP

Beatriz Montesanti

Do UOL, em São Paulo

02/04/2019 18h58

Comunidade que votou massivamente em Jair Bolsonaro perdeu ontem a chance de conhecer ao vivo o presidente que ajudou a eleger.

O último compromisso de Bolsonaro em Israel, de onde decola amanhã, seria um café da manhã na pequena Ra'anana, a 20 km ao nordeste de Tel Aviv. A cidade de cerca de 80 mil habitantes abriga a maior comunidade brasileira no país judaico. Nas eleições de 2018, 77,27% dos brasileiros em Israel votaram em Jair Bolsonaro.

Ao menos 200 famílias brasileiras vivem hoje em Ra'anana, fora os que se deslocam até ali para participar de encontros e eventos na sinagoga Kehilat Or Israel, fundada pelo rabino paulistano Ivo Zilberman e que congrega os brasileiros-israelenses na região. A sinagoga era responsável por organizar o evento de terça, com o apoio da prefeitura.

Mas já na segunda à noite a comitiva presidencial anunciou que o encontro, para o qual eram esperadas 250 pessoas, não iria mais acontecer. O motivo alegado foi a falta de segurança. Como contrapartida, cerca de 30 integrantes da organização do evento foram convidados a se encontrar com Bolsonaro em seu hotel, em Jerusalém, na noite de hoje.

"Isso é uma besteira sem tamanho. Todos os integrantes, todas as pessoas que foram confirmadas, a gente conhecia. Realmente é uma pena", desabafa a gerente de vendas Sharon Abadi, integrante da diretoria da comunidade.

O engenheiro aeronáutico A.G., que preferiu não se identificar, reverbera sua frustração: "Criamos uma expectativa, lógico, para conhecer o capitão, o mito. Pelo menos de longe. Foi uma decepção total".

Para ele, o cancelamento se deve, na verdade, a manifestações feitas por brasileiros-israelenses que se opõem a Bolsonaro. "Israel consegue controlar multidões e não vai conseguir controlar 250? Acho que o evento não aconteceu por causa da oposição", diz.

Rabino na sinagoga Kehilat Or Israel, Eliahu Bortman adota tom mais conciliador. "O presidente passou por um atentado, estava preocupado com a segurança, não tinha como verificar todo mundo", diz.

O desenvolvedor de blockchain Leonardo Majowka, embora decepcionado com o cancelamento, também diz entender a mudança de agenda. "Ra'anana é tão pequena, é como se o presidente americano Donald Trump fosse ao Brasil e visitasse Teresópolis. Ele fez uma viagem muito cansativa e precisa descansar. Entendemos isso e esperamos que ele venha em outra visita."

Majowka fez campanha ativa para o atual presidente no período eleitoral. Segundo conta, era dono da página Bolsonaro Zuero 3.0., em que compartilhava memes, notícias e enquetes favoráveis ao seu candidato --ou desfavoráveis à oposição. O desenvolvedor diz que a página foi fechada duas vezes pelo Facebook, sem explicações. Os critérios da rede social para derrubar perfis e contas são públicos e abordam diversos tópicos, como violência, bullying e discurso de ódio.

Evento foi organizado por WhatsApp

Segundo explica Abadi, a comunidade da sinagoga Kehilat Or Israel enviou a Bolsonaro, no dia 18 de março, uma carta-convite, assinada pelo prefeito de Ra'anana, por intermédio da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), que integra a comitiva brasileira em Israel.

"Depois de uns dias, recebemos a confirmação dessa visita e começamos a organizar o evento em contato com algum cerimonial do presidente", conta a gerente de vendas, que migrou para Israel há seis anos.

A prefeitura de Ra'anana cedeu então o espaço para o encontro, um centro cultural local voltado para música, e a comunidade ficou responsável pelos convidados. Tal qual faz o presidente, seus eleitores também se organizaram essencialmente por WhatsApp.

"Soltamos o convite em um grupo que temos. Não sabíamos se as pessoas viriam, se deixariam de ir para o trabalho, o rabino achava que não. Mas o anúncio viralizou, passou de um para o outro e, em muito pouco tempo, tivemos 500 inscritos. Foi o maior bafafá", completa Abadi. Segundo ela, devido ao limite de espaço, as pessoas mais ativas na comunidade foram selecionadas.

Dias depois, a mesma rede social espalhava a mensagem de que o evento não aconteceria mais.

"A expectativa era grande. A gente trabalhou bastante durante uma semana. Algumas pessoas marcaram reuniões. É uma cidade pequena, de 80 mil pessoas, ter o presidente era muito interessante", comenta o rabino Eliahu Bortman.

Policial israelense vigia a entrada da Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, durante visita de Bolsonaro - Thomas Coex/AFP - Thomas Coex/AFP
Policial israelense vigia a entrada da Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, durante visita de Bolsonaro
Imagem: Thomas Coex/AFP

O engenheiro aeronáutico A.G., que não chegou nem sequer a ser selecionado para o encontro, culpabiliza a organização por não conseguir encontrar seu ídolo. "Acho que foi mal organizado. Primeiro, um evento organizado na cidade e não veio nenhum assistente de Bolsonaro. Depois, conheço todo mundo aqui e não sei de nenhuma pessoa que foi selecionada", diz.

A agenda original do presidente previa que Bolsonaro chegasse a Ra'anana por volta das 9h30 (3h30 do horário de Brasília) de terça, onde ficaria por cerca de uma hora. De lá, iria direto para o aeroporto Ben Gurion, em Tel Aviv. Seu pouso na capital, esperado para as 20h40, deve acontecer agora duas horas mais cedo.

Brasileiros em Israel voltam às urnas no dia 9

Brasileiros-israelenses que falaram à reportagem veem com bons olhos os primeiros meses do governo Bolsonaro, assim como a aproximação entre seu governo e o do país que escolheram para viver.

No geral, eles destacam a tecnologia de segurança como grande vantagem das negociações feitas. "Um país pode ajudar muito o outro, no sentido de combater a criminalidade. No Brasil, o número de assassinatos são absurdos e em Israel possuímos tecnologia muito avançada, que pode ajudar muito a polícia no Brasil", diz Majowka. O tema é preocupação para especialistas do conflito israelo-palestino, que veem nessa tecnologia um aparato de repressão.

Abadi destaca também as oportunidades de emprego que podem surgir do encontro. "A aproximação ao nosso ver é maravilhosa. Várias empresas vão olhar para cá e para o Brasil e vão precisar de comunicação. Ser uma brasileira que conhece as pessoas e a cultura local abre oportunidades de trabalho."

Já na semana que vem, a comunidade brasileira em Israel volta às urnas, dessa vez para participar das eleições israelenses. Mas, se por um lado seus integrantes se mostram fiéis ao presidente do Brasil, o mesmo não pode ser dito em relação ao premiê que o ciceroneou por Israel.

Há mais de dez anos no poder, Netanyahu está cercado de escândalos de corrupção e corre o risco de perder o posto de primeiro-ministro para o general oposicionista Benny Gantz, considerado mais de centro.

"Não apoio Netanyahu no geral, porque ele faz parte da velha política, e nós estamos dando preferência para políticos como Bolsonaro e Trump", diz Majowka.

Há, no entanto, quem minimize os escândalos. "Se você parar para analisar o nível das queixas, é uma piada. São coisas nanicas e sem importância, armadilha política da oposição. Não faz coceguinhas para a gente que conhece a corrupção no Brasil", diz Sharon Abadi.