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Exonerado por Araújo, presidente da Apex cita "esquema imoral" na agência

9.jan.2019 - O diplomata Mario Vilalva, apontado pelo ministro Ernesto Araújo para assumir a presidência da Apex - Reprodução/Itamaraty
9.jan.2019 - O diplomata Mario Vilalva, apontado pelo ministro Ernesto Araújo para assumir a presidência da Apex Imagem: Reprodução/Itamaraty

Alex Tajra e Talita Marchao

Do UOL, em São Paulo

09/04/2019 16h56Atualizada em 09/04/2019 18h18

Menos de três meses depois de assumir o cargo de presidente da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), o embaixador Mario Vilalva foi exonerado hoje pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Em entrevista ao UOL, o diplomata afirmou que recebeu a notícia "com um misto de alívio e frustração", e afirmou que não quis participar de um esquema "imoral".

Em nota, o Itamaraty anunciou a exoneração de Vilalva citando um "processo de dinamização e modernização do sistema de promoção comercial brasileiro" e o agradeceu pelos serviços prestados, sem indicar o seu substituto. "Eu já estava resistindo desde que cheguei à Apex e notei que eu não havia sido contratado para cuidar de comércio exterior. Fui contratado para cuidar de uma determinada pessoa que tem lá dentro e eu me recusei a participar de um esquema que achava absolutamente imoral", disse o ex-presidente da agência, sem citar nomes.

Vilalva, que tem mais de quatro décadas de carreira diplomática, afirmou ainda que passou a sofrer pressões também por parte de Araújo. "Foram 90 dias de muita agonia, muito bombardeio e desavenças internas. Eu tentei, seja pelo diálogo pela conversa, mostrar que é importante observar normas, leis e procedimentos. Mas as pessoas não querem saber, elas têm suas agendas próprias e nem querem que um sujeito da minha idade fique lembrando a eles que este tipo de comportamento é necessário", disse o embaixador.

O diplomata relatou ainda que foram oferecidos a ele outros postos diplomáticos para que ele deixasse a presidência da Apex. "Mas eu não saio pela porta dos fundos. A honra é muito mais importante do que qualquer tipo de benesse material. E eu não me vendo por este tipo de coisa, preferi morrer lutando."

Vilalva é diplomata de carreira com experiência em diplomacia econômica e passagens pelas embaixadas dos EUA, África do Sul e Itália. Foi ainda embaixador no Chile, em Portugal e mais recentemente na Alemanha. Ele foi ainda diretor do Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty entre 2000 e 2006.

Segunda demissão na agência em 3 meses

A agência passa por momentos conturbados sob a tutela de Araújo. Em janeiro, o chanceler havia anunciado a demissão de Alex Carreiro, então presidente da agência, mas ele recusou a demissão e continuou trabalhando em seu gabinete na Apex normalmente, afirmando que seria demitido somente por Bolsonaro.

Além de recusar a deixar o posto, Carreiro causou um mal-estar no Itamaraty por ter desmentido Araújo no caso. O ministro havia informado, por meio de suas redes sociais, que Carreiro pedira para ser demitido do cargo.

Poucos dias depois de assumir o cargo na Apex, o embaixador elogiou a postura do ministro no caso da demissão de Carreiro. "Fui testemunha ocular de cada momento, e ele [Araújo] agiu com extrema lisura, ética e não cometeu nenhum ato fora do script", disse Vilalva à época ao UOL.

"Ele me chamou no mesmo dia do anúncio da demissão e fez o convite. Ele é meu colega, é mais jovem do que eu, mas o conheço muito bem do Itamaraty, que é uma casa relativamente pequena. Araújo conhece meu currículo, minha trajetória. Fui uma escolha técnica. Ele não recebeu nenhuma pressão política ou pedido de ninguém", afirmou embaixador em janeiro.

Mudança no estatuto

Em entrevista ao UOL, Vilalva falou ainda sobre o desconforto em relação às mudanças feitas por Araújo no estatuto da agência sem informar ao embaixador, conforme revelado pela Folha.

"Sofri situações muito embaraçosas, até que chegou ao ponto do que foi visto na imprensa ontem, de que foi descoberta a tentativa do ministro Ernesto Araújo de mudar o estatuto da agência, transferindo os poderes da presidência da agência para os dois diretores. Isso foi feito na calada da noite, arquivado em um cartório e só 25 dias depois é que foi descoberto pela Folha", relatou. "Você imagina um ministro de Estado fazendo uma coisa dessa, com o conluio do advogado da Apex, que era subordinado a mim? Esse governo não pode fazer esse tipo de coisa", afirmou.

As demissões de Carreiro e Vilalva carregam um fator em comum. Ambos tiveram atritos com os diretores Letícia Catelani e Márcio Coimbra. Na entrevista concedida ontem à Folha, Vilalva classificou os dois funcionários da Apex como "despreparados, inexperientes, inconsequentes e irresponsáveis".

Na conversa, Vilalva relatou ter boas relações com os militares que atuam no governo Bolsonaro, informação antecipada pelo UOL em janeiro. Essa aproximação intensifica o debate sobre as divergências entre a ala militar do governo e a ala 'olavista' - funcionários indicados pelo guru bolsonarista Olavo de Carvalho.

Em entrevistas e publicações nas redes sociais, Catelani não esconde que é entusiasta do pensamento de Carvalho, que foi responsável por indicações de alguns ministros do governo Bolsonaro - entre eles o próprio Ernesto Araújo.