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Ataque de Bolsonaro cai bem para campanha de Cristina Kirchner, diz autora

Martin Acosta / Reuters
Imagem: Martin Acosta / Reuters

Talita Marchao

Do UOL, em São Paulo

07/05/2019 04h00

A ex-presidente e senadora Cristina Kirchner ainda não é oficialmente candidata à Presidência da Argentina, mas lidera nas pesquisas de intenção de voto, derrotando o atual presidente, Mauricio Macri, que deve disputar a reeleição em outubro. Devido a este cenário, a líder do kirchnerismo foi diretamente criticada por Jair Bolsonaro (PSL). Mas, na avaliação da escritora argentina Natalia Volosin, os ataques do presidente brasileiro só devem ajudar a candidatura da senadora.

"Acredito que o ataque de Bolsonaro cairá muito bem para Cristina, porque Bolsonaro está muito mal visto na Argentina. Isso ocorre por razões óbvias: é um país muito mais liberal do que o Brasil e tem uma história e um movimento de direitos humanos muito forte. Qualquer pessoa que tenha expressões neofascistas como Bolsonaro é muito malvista --não só pelos kirchneristas, mas pela sociedade em geral", diz Natalia, doutora em direito pela Universidade Yale e autora de "La Máquina de la Corrupción: Un Análisis Urgente para Terminar con el Gran Mal Argentino" (A máquina da corrupção: uma análise urgente para acabar com o grande mal argentino, em tradução livre).

Em sua transmissão semanal pelo Facebook, Bolsonaro afirmou que "a questão da Argentina, ninguém quer se envolver em questões fora do país, mas eu, como cidadão, tenho a preocupação de que volte o governo anterior do Macri". "A presidente anterior é ligada com Dilma, com Lula, com a Venezuela de Maduro e de Chávez, com Cuba. Se isso voltar, com toda a certeza a Argentina vai entrar numa situação semelhante à da Venezuela."

O presidente disse ainda que, "se o Macri não está indo bem, paciência até. Vai lutar para melhorar, ou alguém da linha dele. O que não pode é voltar Cristina Kirchner, que no meu entender, os reflexos serão para o povo argentino e para todos nós."

Cristina Kirchner é investigada por corrupção. Para a advogada e especialista anticorrupção Natalia Volosin é certo que será condenada. Mas, ainda assim, poderia disputar as eleições, diferentemente do que aconteceu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "A questão do foro é basicamente política na Argentina. No caso de Cristina Kirchner, há poucas possibilidades de que ela perca o benefício, já que o governo de Macri não tem votos suficientes para vencer essa disputa no Congresso", explica.

Acho que Cristina Kirchner tem muito mais chances de ser eleita do que Lula teve. Afinal, ela não está presa e não estará por muito tempo, ainda que seja condenada, já que ela tem foro e imunidade como senadora
Natalia Volosin, escritora

"Os governistas precisariam dos votos do peronismo. Apesar de os peronistas não estarem ao lado de Cristina, têm uma posição histórica e só votariam pela retirada do foro e da imunidade de Cristina no caso de uma condenação firme. Cristina hoje nem condenada está", diz Volosin.

"Acredito que ela será condenada, mas até que a condenação seja firme, podem se passar muitos anos, até que o caso passe pela Suprema Corte. Enquanto isso, Cristina não será presa e pode perfeitamente ser candidata", afirma. "Se ela disputará a Presidência ou não, é uma questão vinculada a critérios políticos e não ao foro ou às acusações de corrupção."

O julgamento de Cristina está marcado para começar no próximo dia 21. Ela é acusada de lavagem de dinheiro através dos hotéis da família na Patagônia. Estrategicamente, a ex-presidente planeja lançar sua candidatura na véspera dessa data. Como possível palanque, ainda lança sua biografia, "Sinceramente", nesta semana na Feira do Livro de Buenos Aires.

De acordo com a pesquisa da consultora Isonomía divulgada no meio de abril, Cristina tinha uma diferença de nove pontos porcentuais em relação a Macri (Cristina com 45%, contra 36% de Macri).

No começo de maio, o próprio governo divulgou outra pesquisa que colocava Macri quatro pontos à frente de Cristina (Macri com 37%, contra 33% de Cristina), segundo a Demos Consulting SRL. Os dois institutos têm contratos com o governo para medições.

Nesta semana, Macri convidou Cristina para discutir um acordo de governabilidade. Ela deve se reunir com o possível rival nesta quinta.

Mesmo com crise na Venezuela, Bolsonaro diz que preocupação é com Argentina

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Críticas a Moro

Natalia Vosolin diz ainda que, na Argentina, o Poder Judiciário não tem independência suficiente para investigar e julgar casos de corrupção. "Efetivamente, a Justiça penal na Argentina é menos independente do que no Brasil. Mas, quando o juiz Sergio Moro aceitou integrar o Poder Executivo, foi muito lamentável. Fez parecer com o jeito como as coisas são feitas aqui na Argentina. Em relação ao julgamento de Lula, ele colocou em questão a independência e seus critérios ao aceitar um cargo político", diz a advogada.

"Aqui, promotores e juízes não têm garantias suficientes para atuar contra o poder político e econômico. Muitos dos juízes e promotores que hoje perseguem a corrupção na Argentina e colocam a capa de Super-Homem, como se fossem os grandes paladinos da luta contra a corrupção, foram cúmplices durante o kirchnerismo e o menemismo nos anos 90 [em referência ao governo de Carlos Menem]. Eles mudam de lado quando muda o governo. O problema aqui é estrutural", afirma a escritora.

Segundo ela, o atual governo assumiu com uma forte retórica anticorrupção, mas gerou "mais frustrações do que qualquer outra coisa". "Veja o exemplo do escritório anticorrupção: a pessoa que o comanda é alguém que, 15 dias antes de assumir o cargo, era uma deputada do partido do próprio presidente."

É um organismo que não tem independência, seu titular é designado e removido por ordem direta do presidente. Isso é ridículo. Não há nenhum organismo de controle no mundo que se autocontrole. Nenhum presidente pode controlar a fiscalização a si próprio
Natalia Vosolin, escritora

"Além disso, o próprio governo e seus funcionários estão envolvidos em suspeitas de casos de conflito de interesses e corrupção. Antes pertenciam ao setor privado, mas, assim que passaram para a função pública, acabaram beneficiando as suas próprias empresas, seus próprios familiares e os setores da economia nos quais eles atuam ou têm interesses econômicos ou financeiros."

Lava Jato não avança na Argentina

Fachada da sede da empresa Odebrecht, na zona oeste de São Paulo - Eduardo Anizelli/Folhapress - Eduardo Anizelli/Folhapress
Fachada da sede da empresa Odebrecht, na zona oeste de São Paulo
Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress
De acordo com Vosolin, a Lava Jato argentina não avança por problemas na legislação em relação às delações premiadas e pela falta de vontade do Judiciário em ter acesso às informações que envolveriam políticos e empresários argentinos.

"Temos problemas para assegurar imunidade aos acusados para que falem, como foi feito no Brasil. Como não podemos oferecer delações, eles não compartilham as informações. Além disso, aqui na Argentina, juízes e promotores costumam jogam a culpa nos outros países por não ter informação, por exemplo no Brasil. Mas acredito que falta vontade por parte dos operadores judiciais em obter essa informação, que isso tem mais a ver com o fato de que a Argentina não quer obter dados", diz.

"Se as delações da [construtora] Odebrecht fossem passadas para a Argentina, voaria tudo pelos ares, afinal os contratos não afetam só o kirchnerismo, mas também os empresários vinculados aos parentes do presidente Macri. Ninguém quer que estas informações cheguem."