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"Green card" canadense para brasileiros cresce mais que o dobro em 2 anos

Higor Falcão, dono da startup Aptah: malas prontas assim que conseguir parceria no Canadá - Arquivo pessoal
Higor Falcão, dono da startup Aptah: malas prontas assim que conseguir parceria no Canadá Imagem: Arquivo pessoal

Talita Marchao

Do UOL, em São Paulo

28/06/2019 04h00

O médico Higor Falcão, 39, escolheu o Canadá para alavancar a internacionalização de sua startup. Ele busca investidores e laboratórios dispostos a bancar o desenvolvimento das pesquisas da Aptah, focada em bioengenharia para novos medicamentos. No Brasil, ele não consegue expandi-la.

Se a firma encontrar parceiros no Canadá, Falcão e sua equipe, formada por mais duas pessoas, se mudarão com as famílias para acompanhar os trabalhos em Toronto.

Eles têm o perfil ideal procurado pelo governo canadense: profissionais qualificados e empreendedores.

Brasileiros que se enquadram nesses requisitos têm uma perspectiva positiva naquele país. Segundo dados da imigração, a concessão do visto de residência permanente para brasileiros cresceu 128% nos dois últimos anos no Canadá.

No ano passado, 3.950 brasileiros conseguiram tirar o visto para residência. Neste ano, até abril, outros 1.310 também receberam a concessão. Os números mostram ainda o aumento nos vistos concedidos para estudantes cujos cursos duram mais de seis meses. No ano passado, foram mais de 10 mil vistos; em 2017, 8.875. Até abril de 2019, outras 3.250 pessoas receberam a permissão para estudar no país.

A opção escolhida pelo médico para buscar apoio canadense para suas pesquisas foi um programa da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), o Startout Brasil, que atua na internacionalização de startups brasileiras, em uma parceria da agência com o Ministério das Relações Exteriores, o Ministério da Economia, o Sebrae e a Anprotec (Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores).

"O principal motivo para optarmos pelo Canadá foi financeiro. Se a gente conseguir os investimentos necessários em Toronto, nos mudamos para lá assim que possível", disse Falcão, que não pretende encerrar os trabalhos da Aptah no Brasil. "A questão é que no Canadá será muito mais fácil conseguir a patente de medicamentos e a comercialização global, já que a burocracia é muito menor", diz ele.

Ademar Seabra, vice-cônsul do Canadá, durante evento da Apex em Toronto - Divulgação/Apex - Divulgação/Apex
Ademar Seabra, vice-cônsul do Canadá, durante evento da Apex em Toronto
Imagem: Divulgação/Apex

Segundo Paula Gomes, coordenadora de internacionalização da Apex, o objetivo não é que empresários como Falcão deixem o Brasil definitivamente, mas exportar a tecnologia brasileira, mantendo a raiz do negócio no Brasil e, ao mesmo tempo, fazer com que o empreendedor possa expandir seus negócios pelo mundo --neste caso, em Toronto, cidade com a maior concentração de empresas de inteligência artificial, considerada uma espécia de "Vale do Silício" canadense.

"O Canadá é rico em aceleradoras de empresas, em programas e, ao mesmo tempo, é muito aberto a outras culturas, a pessoas de outros lugares, e isso facilita a chegada do estrangeiro", afirma a responsável da Apex pelo programa escolhido por Falcão.

Em entrevista ao UOL, o vice-cônsul do Brasil em Toronto, Ademar Seabra, explica que o Canadá busca imigrantes qualificados por causa das baixas taxas de fecundidade no país, que enfrenta um decréscimo em sua população.

"A população daqui é bastante envelhecida, e o contingente populacional com mais de 65 anos é muito superior ao de 21 anos, por exemplo. Com este déficit demográfico, você precisa atrair imigrantes. É por isso que buscam pessoas jovens, casais com filhos pequenos, pessoas com nível superior ou com uma carreira consolidada", diz o diplomata.

Seabra destaca ainda que a maior parte dos cidadãos brasileiros que já vivem no Canadá têm um perfil bem definido: "São pessoas que saem do Brasil com uma trajetória profissional bem-sucedida e querem um desafio --e a estratégia canadense é buscar este imigrante. Além disso, a maior parte dos brasileiros citam a questão da violência urbana como um fator determinante para a mudança de país", afirma.

Imagem aérea de Toronto, no Canadá - Reprodução/ The City of Toronto/ Flickr - Reprodução/ The City of Toronto/ Flickr
Imagem aérea de Toronto, na província de Ontário, onde vive a maior parte dos brasileiros no país
Imagem: Reprodução/ The City of Toronto/ Flickr

O cônsul-adjunto lembra ainda que o Canadá é um país bastante fácil para investir, por isso tem atraído brasileiros. "A questão é pensar em como mantê-los conectados com o Brasil e fazer com que eles não deixem de investir no próprio país também", afirma o diplomata.

Sistema de pontuação para o visto permanente

O Itamaraty estima que 109.200 brasileiros vivam no Canadá, segundo dados do ano passado da embaixada e de consulados. A grande maioria --85 mil pessoas-- moram justamente na jurisdição do consulado de Toronto.

Dois tipos de vistos são os mais pedidos por brasileiros, segundo dados do consulado canadense em São Paulo: de estudante com mais de seis meses de curso e de residência permanente. Isso ocorre por causa do sistema de pontuação usado pelo Canadá para conceder o "green card". Quanto maior a pontuação, mais chances a pessoa tem de ser aceita para viver no país.

Como funciona?

Para solicitar o visto de residência, é preciso criar uma espécie de poupança de pontos, que qualifica a pessoa para um convite da imigração canadense a um visto permanente. Critérios como idade, tempo de carreira profissional, formação acadêmica, proficiência de francês e inglês (as línguas mais faladas no Canadá) e até ter um convite para trabalhar no país contam na avaliação.

É por isso que muitos começam o processo com o visto de estudo para mais de seis meses. Estudar no país, seja como tecnólogo, numa graduação ou numa pós-graduação, soma uma quantidade de pontos que qualifica para um futuro visto de permanência.

O tempo de duração do curso dá direito a um período posterior trabalhando em solo canadense. Por exemplo, uma graduação concluída proporciona um visto de trabalho de três anos. Após três anos trabalhados, o brasileiro acumula maior experiência profissional --e novos pontos. Se a pessoa já estiver falando inglês e/ou francês e comprovar a fluência com testes, sobe na pontuação.

Vista da cidade de Montreal, na província de Quebec, no Canadá - Reprodução/Denis Labine/Ville de Montréal/Flickr - Reprodução/Denis Labine/Ville de Montréal/Flickr
Vista da cidade de Montréal, na província de Québec, no Canadá
Imagem: Reprodução/Denis Labine/Ville de Montréal/Flickr

Ed Santos, diretor de operações da Canadá Intercâmbio, empresa especializada em processos imigratórios, conta que a procura de brasileiros cresceu cerca de 1.000% nos últimos anos. "O número de vistos concedidos é o resultado final de quem é aprovado no processo, mas a procura, em geral, é gigantesca desde 2015. Se antes a gente tinha um ou dois clientes por semana, hoje tem em torno de dez por dia", conta.

Segundo Santos, um dos primeiros critérios avaliados é a idade (até 29 anos). "Isso quer dizer que uma pessoa mais velha não possa imigrar? É claro que ela pode, mas ela precisa ter uma pontuação maior nos outros critérios, como fluência nos idiomas, uma formação acadêmica sólida, pelo menos dois diplomas superiores, como graduação e pós, por exemplo. Além disso, a experiência profissional conta demais. Sem isso, a pessoa não tem a menor chance", diz.

O especialista afirma que existe um visto voltado para profissionais não tenham formação universitária. Neste caso, é preciso apresentar credenciais técnicas bastante exigentes. "Um eletricista precisa ter estudado seis anos. Não funciona só com um diploma de seis meses", explica.

Brasileiros assim costumam pedir o visto de estudo por mais de seis meses. "A pessoa vem para cá, estuda em um curso superior, ganha a pontuação e já começa a trabalhar. Até mesmo pessoas com a carreira consolidada no Brasil costumam entrar no Canadá com este visto de estudo, assim acumulam os pontos para imigração", conta Santos.

De acordo com pesquisa divulgada pela Belta (Associação Brasileira de Agências de Intercâmbio) em abril, o Canadá foi o destino mais buscado por estudantes no ano passado. Mas a maior parte dos brasileiros acaba entrando no país com a Autorização Eletrônica de Viagem (ETA, na sigla em inglês), que é o mesmo sistema usado por quem vai para o país como turista. Nessa modalidade, é possível estudar no país por algumas semanas ou mesmo alguns meses --desde que não ultrapasse o período de seis meses.

No ano passado, mais de 196 mil brasileiros viajaram para o Canadá; em 2017, foram 150 mil. Entre janeiro e abril deste ano, mais de 66.700 brasileiros pediram a autorização de viagem.

Vale lembrar que, ainda que os canadenses possam entrar sem visto no Brasil desde meados deste mês, a reciprocidade diplomática não é aplicada. Brasileiros precisam pedir a autorização eletrônica de viagem para entrar no Canadá.