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Prioridade dos Bolsonaros, EUA estão há 10 meses sem embaixador no Brasil

Donald Trump e Jair Bolsonaro, na Casa Branca, em Washington - Kevin Lamarque/Reuters
Donald Trump e Jair Bolsonaro, na Casa Branca, em Washington Imagem: Kevin Lamarque/Reuters

Talita Marchao

Do UOL, em São Paulo

03/09/2019 04h00

Enquanto a relação com os EUA é uma prioridade da família de Jair Bolsonaro (PSL), a contrapartida não é semelhante, ainda que o filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), tenha sido recebido por Donald Trump na Casa Branca. A embaixada dos EUA em Brasília está sem chefe há quase um ano, quando o embaixador Peter Michael McKinley deixou o cargo, e ninguém foi indicado para o posto.

A missão diplomática americana é chefiada há cerca de dez meses, desde novembro do ano passado, pelo encarregado de negócios, William Popp.

McKinley foi indicado por Barack Obama em 2016 e deixou o Brasil para trabalhar como assessor da Secretaria de Estado de Trump quando Mike Pompeo, ex-chefe da CIA, assumiu a liderança da diplomacia americana. Antes de comandar provisoriamente a embaixada dos EUA no Brasil, Popp foi conselheiro da embaixada dos EUA no Quênia e vice-cônsul em São Paulo.

Além do Brasil, apenas o Panamá está sem embaixador indicado para o cargo no continente. Outras duas embaixadas que estão sem embaixador, Chile e Honduras, ainda tiveram nomes apontados por Trump —isso significa que, desde que assumiu a Casa Branca, em janeiro de 2017, Trump não indicou o seu representante em Brasília.

"A pouca atenção do presidente norte-americano com a embaixada brasileira é ainda mais extraordinária quando consideramos que a aproximação com os Estados Unidos tem sido a estratégia central da política externa do governo Bolsonaro", afirma Carlos Gustavo Poggio Teixeira, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos, em artigo publicado no site da entidade.

Em entrevista ao UOL, Poggio diz que existem duas possibilidades para Trump não ter indicado ninguém para o posto no Brasil.

"Pode ser que Trump considere desnecessário ter um embaixador para a relação diplomática, na medida em que ele tem interlocução direta com Bolsonaro, o que dispensaria a intermediação de um embaixador. Outra possibilidade é que o Brasil pode ser considerado um país de pouca relevância. Portanto, o Trump não se daria o trabalho de pensar em um nome —ou até mesmo ninguém se interessou por ser embaixador no Brasil", diz Poggio, professor do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas.

O Brasil está em uma posição de pouquíssimos lugares no mundo em que Trump não se deu o trabalho de indicar alguém

Carlos Gustavo Poggio Teixeira, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos

Segundo o professor, no caso da América do Sul, além do Brasil, o Chile também está vago, mas Trump indicou alguém —o empresário Andrew Gellert, em 2018—a nomeação, porém, foi retirada depois que encontraram ligações dos negócios do indicado com a família do genro do Trump, Jared Kushner.

O presidente Trump recebe Eduardo Bolsonaro na Casa Branca - Joyce N. Boghosian - 30.ago.19/Casa Branca - Joyce N. Boghosian - 30.ago.19/Casa Branca
O presidente Trump recebe Eduardo Bolsonaro na Casa Branca
Imagem: Joyce N. Boghosian - 30.ago.19/Casa Branca

A embaixada do Brasil nos EUA costuma ser oferecida a diplomatas de carreira. Em sua pesquisa, Poggio constatou que, assim como Bolsonaro pretende fazer com o filho, os EUA têm uma tradição em dar embaixadas como indicações políticas, e não a diplomatas. "Até agora, cerca de 40% das indicações para embaixadas feitas pela administração Trump foram políticas", afirma o professor.

"Barack Obama, durante sua candidatura à presidência em 2008, chegou a sugerir que acabaria com essa tradição e privilegiaria profissionais da carreira diplomática, ou indivíduos com extensa experiência em política externa. Entretanto, o ex-presidente democrata não cumpriu essa promessa e, em linha com seus antecessores, 30% das indicações para embaixadas feitas por Obama foram políticas", diz Poggio.

Nos EUA, grandes doadores de campanhas presidenciais podem ser agraciados com o cargo de embaixador. Foi o caso de George James Tsunis, empresário que jamais tinha visitado a Noruega e foi indicado para chefiar a missão diplomática americana em Oslo. Ele doou US$ 1,3 milhão para a campanha de reeleição de Obama em 2012 e, em 2013, recebeu a indicação.

Em sua sabatina, ficou claro o despreparo do empresário para assumir o cargo, e a embaixada ficou vaga por quase dois anos até que Tsunis retirou sua nomeação.

A embaixada americana no Reino Unido costuma ter indicados políticos —o atual embaixador é Woody Johnson, dono do time de futebol americano New York Jets, que doou mais de US$ 1 milhão para a campanha presidencial de Trump.

As embaixadas europeias, em sua maioria, são de nomeações políticas, assim como a Austrália, Canadá, Japão, África do Sul, Argentina e Uruguai —os dois únicos na América do Sul com indicações políticas.

Em sua pesquisa, o professor cita um indicado por George Bush em 1989 para a embaixada dos EUA nas Bahamas. O ex-senador Chic Hecht citou como sua experiência para representar os EUA na ilha a sua experiência com cassinos em Las Vegas. Poggio lembra ainda o caso da ilha dividida pelo Haiti e a República Dominicana, no Caribe. No lado devastado, um diplomata de carreira ocupa a embaixada em Porto Príncipe; no lado paradisíaco, onde Trump chegou a cogitar construir um resort de luxo, a indicação é política.

"Quando surgiu o boato de que Trump indicaria o filho, Eric, que comanda as Organizações Trump com os irmãos, era claro que a informação não era verdadeira. Brasília não é um posto de nomeação política. Além da questão de nepotismo, dificilmente ele mandaria o filho como embaixador no Brasil. Trump o mandaria para lugares mais importantes pelo mundo", disse o professor, lembrando que esta informação só circulou na imprensa brasileira.

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