Ghosn pode não deixar o Líbano; você poderia ser extraditado do Brasil?
Resumo da notícia
- Via de regra, países não extraditam seus cidadãos para serem julgados em outros países
- A maior parte das extradições acontece apenas em situações excepcionais, quando há tratados de extradição
- Em 2018, Brasil extraditou pela primeira vez na história uma cidadã nata para os EUA
Na semana passada, o Líbano recebeu da Interpol um mandado de prisão contra Carlos Ghosn, ex-presidente do grupo de montadoras de automóveis Renault-Nissan. Ele fugiu do Japão, onde é processado por má conduta financeira.
Ghosn, que possui cidadanias francesa, libanesa e brasileira, porém, dificilmente seria extraditado. Isso seria em razão de um consenso no direito internacional: via de regra, os países não extraditam seus cidadãos.
Grosso modo, à exceção de situações específicas, um brasileiro nato que comete um crime no exterior e retorna ao país, por exemplo, não é extraditado.
Em entrevista à agência AP, o ministro da Justiça libanês, Albert Serhan, afirmou que Ghosn entrou no país com um passaporte legal e que o Líbano não recebeu um pedido oficial de extradição do Japão. Serhan também observou que os dois países não possuem um tratado de extradição.
O governo francês já informou que não vai extraditar o executivo caso ele vá para a França. O governo brasileiro não se manifestou sobre o caso. Até o momento, nenhum país pediu a extradição de Ghosn.
Por que Brasil não extradita brasileiros?
No Brasil, a Constituição de 1988 definiu diretamente a regra para a extradição de brasileiros. Em seu artigo 5º, a carta afirma que "nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei."
Tratados mudam cenário
"Como regra, um país não extradita seu nacional. O Brasil não extradita brasileiros e o Líbano não extradita libaneses, e por aí vai", diz à reportagem Claudio Finkelstein, professor de direito internacional da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Ele argumenta, no entanto, que existem exceções, como quando dois ou mais países assinam um tratado de extradição.
"O processo de extradição é como qualquer outro tratado internacional. Ele é pautado na relação contratual entre dois países. Algumas vezes há um entendimento de 'reciprocidade', ou seja, eu extradito meu cidadão e o outro país extradita o dele. Mesmo com o tratado, existem regras específicas dentro desses acordos para extradição", argumenta Finkelstein.
O ministério da Justiça afirma que há, atualmente, 37 acordos de extradição entre tratados bilaterais e multilaterais. No Oriente Médio, o Brasil possui tratado de extradição apenas com Israel, firmado em 2009 e ratificado no ano passado.
Um acordo de extradição entre Brasil e Líbano chegou a ser assinado em 2002 em Beirute, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso. O texto foi ratificado no Brasil, segundo informe do Itamaraty ao UOL, mas ainda não foi aprovado no Líbano. Após ser aprovado, a diplomacia libanesa no Brasil requereu mudanças no documento e, desde então, não houve avanços para sua aprovação no país árabe.
Primeira brasileira extraditada
Em 2018, a brasileira Cláudia Cristina Sobral foi extraditada para os Estados Unidos por conta de uma acusação de homicídio em Ohio.
Carioca, ela se mudou para os EUA nos anos 1990, casou-se duas vezes e obteve a cidadania norte-americana. Em 2007, segundo as autoridades dos EUA, Cláudia embarcou de volta ao Brasil horas depois de ter assassinado seu marido a tiros.
Sobral foi a primeira brasileira a ser extraditada para ser julgada por crimes que supostamente cometeu em outro país. Em março de 2017, Supremo Tribunal Federal se embasou na Constituição para revogar sua cidadania brasileira e pavimentar caminho para sua extradição.
O artigo 12º da Constituição indica a perda de cidadania brasileira para os cidadãos que obtiverem uma naturalidade estrangeira em país com o qual não possuem vínculos sanguíneos.
O caso gerou intensa discussão no mundo jurídico, incluindo uma comparação com a extradição de Olga Benário Prestes, enviada pelo governo de Getúlio Vargas para um campo de concentração na Alemanha nazista com a chancela do Supremo. Entre estudiosos, não há consenso se houve uma situação legal propícia para a revogação da cidadania de Cláudia ou se o governo brasileiro apenas cedeu à pressão dos EUA.
Em fevereiro de 2019, Cláudia foi condenada à prisão perpétua. A Justiça dos Estados Unidos, no entanto, atendeu ao acordado com o Brasil —de que a acusada não poderia ter penas não estejam estipuladas no código penal brasileiro— e possibilitou que ela cumpra 28 anos até passar para a liberdade condicional.
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