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Corredor de fuga protege civis, mas abre brecha para Rússia

Delegações da Rússia e da Ucrânia terão uma terceira rodada de negociações nos próximos dias - Belta/Reuters
Delegações da Rússia e da Ucrânia terão uma terceira rodada de negociações nos próximos dias Imagem: Belta/Reuters

Ana Paula Bimbati

Do UOL, em São Paulo

03/03/2022 19h41Atualizada em 03/03/2022 19h59

Depois de quase dez dias de conflito entre Rússia e Ucrânia, o único acordo entre os países até agora foi a criação dos corredores humanitários, chamados também "corredores de fuga" para os civis. A proposta foi aprovada em reunião entre representantes dos dois países, nesta quinta-feira (3), em Gomel, Belarus.

Implantados em outras guerras recentes, os corredores de fuga podem promover um cessar-fogo temporário e proteger a população, mas já sofreram críticas, dizem especialistas ouvidos pelo UOL.

Segundo Larissa de Souza, mestranda em relações internacionais pela UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), os corredores são áreas não ocupadas por forças militares e funcionam como uma forma de acesso legal aos imigrantes a zonas fora da guerra.

É um lugar de desmilitarização, que visa permitir a passagem de refugiados, como as pessoas que estão saindo da Ucrânia por causa da guerra e querem chegar a outros países da Europa, e também facilita o transporte de ajuda [comida, medicamento]."
Larissa de Souza, mestranda em relações internacionais

A criação conjunta de corredores humanitários foi confirmada por autoridades russas e ucranianas, mas não foram divulgados detalhes sobre quando, como e onde eles serão implantados.

"As partes chegaram a um entendimento sobre a criação conjunta de corredores humanitários com um cessar-fogo temporário", disse o conselheiro presidencial da Ucrânia Mykhailo Podolyak.

O chefe da delegação russa, Vladimir Medinsky, disse que os grupos discutiram três pontos: militar, internacional e humanitário. "Conseguimos chegar a um acordo sobre alguns deles, mas o principal foi o resgate de civis que se encontram em uma zona de confronto militar", afirmou ele, segundo a CNN Internacional.

Medidas de logística devem ser colocadas em prática

Corredores humanitários foram usados na Síria, em 2016, mas não eram consenso entre organizações internacionais, a ONU (Organização das Nações Unidas) e os Estados Unidos, que alertaram que a retirada da população de determinadas regiões poderia deixá-las mais vulneráveis.

No caso da Ucrânia, especialistas dizem que deixar as áreas vazias pode facilitar o deslocamento de tropas e a ocupação militar russas.

"É um passo significativo já que diminui cenas que temos visto de civis sendo atingidos, mas tem uma série de medidas de logística para colocar em prática, que ainda não estão claras", disse Denilde Oliveira Holzhacker, doutora em ciência política e professora de relações internacionais da ESPM.

De acordo com a professora, é importante entender quais áreas terão esses corredores e por quanto tempo eles funcionarão, por exemplo.

O professor de direito internacional Lucas Carlos Lima, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), ressalta que "naturalmente" existem riscos que não podem ser subestimados.

"Há casos históricos em que foram mal utilizados", avalia. Como exemplo, cita o conflito entre forças congolesas e rebeldes, em 2008, na província de Nord Kivu, na República Democrática do Congo. "Corredores humanitários criados pelas forças de manutenção de Paz da ONU foram acusados de facilitar o acesso a armamentos na região", conta.

Em alguns casos, há dúvidas sobre a eficácia do instrumento, como mostra o exemplo da baixa utilização do corredor humanitário estabelecido na cidade de Grozny, na Chechênia, em 1999."
Lucas Carlos Lima, professor de direito internacional

Lima diz que, em Grozny —na guerra entre Rússia e Chechênia—, o corredor "foi uma saída sem grandes alternativas". "Muitos vulneráveis permaneceram na cidade. O corredor não serviu à população idosa ou doente e dependente", explica. "O corredor sozinho, sem ajuda humanitária, pouco resolve."

No começo dos anos 2000, Grozny foi considerada a cidade mais destruída do planeta pela ONU.

Apesar disso, Lima afirma que os corredores ainda são o modo mais eficiente de proteger civis.

Para a cientista política Laissa de Souza, é importante destacar que os corredores humanitários não significam o fim do conflito, "mas uma opção para que as pessoas consigam sair".

"É uma oportunidade para que mais pessoas possam deixar o país de forma segura e receber ajuda. Só precisamos ficar de olho para saber como esse corredor vai funcionar, se as pessoas vão conseguir, de fato, esse auxílio", complementa.

Ataques continuam

Antes do acordo, hoje, oitavo dia de guerra, o sul da Ucrânia amanheceu sob bombardeio. Tropas russas voltaram a bombardear a cidade de Enerhodar, no sul da Ucrânia.

Ontem, moradores do mesmo município tentaram impedir a entrada das tropas —a região abriga a usina nuclear de Zaporizhzhia, a maior unidade energética da Europa.

Por volta das 17h (horário de Brasília, 22h em Kiev), sirenes foram ouvidas em diversas regiões —Khmelnytsky, Vasylkiv, Sloviansk, Rivne, Ternopil, Volyn, Vinnytsia, Zhytomyr, Chernihiv e Lviv.

A tensão também continua na capital Kiev —nos últimos dias, um comboio com mais de 60 km de veículos militares russo se aproximava lentamente do município, que tem 3 milhões de habitantes.