Brasileiro acusado de abusar de filho é inocentado e ganha processo nos EUA
Um brasileiro inocentado após ser acusado pela ex-mulher de abusar sexualmente do próprio filho nos Estados Unidos obteve na Justiça o direito a receber uma indenização de US$ 540 mil, ou R$ 2,7 milhões, de dois jornais que circulam na região de Boston, voltados à comunidade brasileira, e que noticiaram o caso. Cabe recurso da decisão.
Tudo começou há cerca de sete anos, quando um empresário e pastor e sua ex-mulher, uma esteticista também brasileira, passaram a disputar a guarda do filho, à época com 4 anos. (Por se tratar de um caso envolvendo menor, a reportagem vai omitir os nomes dos envolvidos.)
A partir daí, o empresário se viu numa "campanha de falsas acusações" por parte de sua ex, segundo documentos do processo obtidos pelo UOL. Ele foi parar na cadeia por acusações de violência doméstica, imigração ilegal e posse de arma de fogo.
Nas contas do brasileiro, de 46 anos, e de sua atual esposa, uma professora de música, ele foi preso cinco vezes. Ao todo, foram 94 dias em celas.
A ex-mulher, que atualmente mora em Miami, na Flórida, foi procurada pelo UOL por telefone, aplicativo de mensagens, redes sociais e uma advogada, mas não foi localizada. Seus esclarecimentos serão publicados se forem recebidos.
- Veja as notícias do dia no UOL News com Fabíola Cidral:
Prisões e processos
As acusações contra o empresário
- Fev.2011 - violência doméstica - 4 horas na prisão. Aceitou uma condicional;
- Set.2011 - violência doméstica - um dia na prisão. Encerrado por falta de provas.
- Jan.2017 - imigração ilegal e porte ilegal - 34 dias de prisão. Acusações arquivadas*, mas respondeu a processo por ter visto de turista vencido;
- Junho.2018 - abuso sexual e abuso físico contra o filho - Não houve prisão. Acusações consideradas sem provas suficientes;
- Agosto.2018 - quebrar ordem de restrição de proximidade da ex-mulher - 5 dias de prisão. Arquivado em 2019*;
- Agosto.2018 - quebrar condicional no processo do visto de turista vencido - 54 dias de prisão. Acusação arquivada: aguarda obter green card*.
*Informação prestada pelo próprio empresário ou seus advogados.
Fontes: Departamento das Crianças das Famílias de Massachusetts, Tribunal de Imigração de Massachusetts, Corte de Julgamento de Massachusetts, advogado Anthony Drago e empresário brasileiro.
De Goiás para Massachusetts
O empresário é de Pilar de Goiás (GO). Morou em Goiânia, onde foi eletrotécnico, e, em 2000, mudou-se para os Estados Unidos. Abriu uma empresa de pintura em Woburn, Massachusetts, cidade onde atuava também como pastor assistente voluntário.
Foi na igreja evangélica que ele conheceu a esteticista. Namoraram por seis meses e se casaram em 2008, contou ele ao UOL.
Quando a gente começou a namorar, no primeiro dia, o dia em que eu a beijei pela primeira vez, ela já falou em casamento"
Empresário e pastor
Dia dos namorados e discussão
Em 2011, no dia dos namorados dos EUA, a mãe do empresário passou na casa dele para ajudar a cuidar do neto, então com um mês. Mas, segundo ele, a então esposa chegou em casa depois do trabalho e não gostou da mudança na organização da residência feita pela sogra. Houve discussão, e ela afirmou que foi agredida. O homem nega.
"A única coisa que eu fiz foi afastar ela para tentar sair, e ela tentando me impedir. Ela chamou a polícia." O empresário foi para a prisão por volta das 23h, mas saiu de lá horas depois após sua mãe pagar fiança.
"Eu admiti que houve uma confusão e, para eu sair de casa, eu acabei admitindo para poder resolver esse problema logo", contou. O empresário ficou fora de casa alguns meses, mas retomou o casamento com a esteticista.
Divórcio e escalada do conflito
Em 2013, divorciaram-se de vez. O empresário casou com a atual mulher, uma professora de música, em 2016. A ex-mulher dele casou-se com um argelino. Mas, volta e meia, o ex-casal discutia por uma série de fatores, como divergências em relação à escola islâmica onde o filho deles estudava, o tratamento dentário da criança ou o período de visitas.
No meio dessas discussões, em 2017, uma denúncia anônima contra o empresário foi aberta no setor de imigração, acusando-o de ter entrado ilegalmente pelo México e de portar armas de fogo. Ele passou 34 dias na cadeia, pagou US$ 6.000 de fiança, e as acusações contra ele foram arquivadas.
No entanto, foi aberto um processo porque ele havia entrado nos EUA 17 anos antes com visto de turista, que só lhe permitia permanecer no país por seis meses.
Polícia interveio em disputas
Os problemas do ex-casal se intensificaram em 2018, quando a esteticista foi à Justiça tentar mudar o regime de guarda do filho. Em junho daquele ano, o menino contou às professoras da sua escola que sofria abuso sexual do pai.
A acusação foi formalizada em 21 de junho. A denúncia incluía abuso sexual e físico por parte do pai e abusos físicos por parte da mãe, de acordo com relatório do Departamento de Crianças e Famílias (DCF), uma espécie de conselho tutelar local.
Mas, menos de um mês depois, em 11 de julho, o próprio DCF considerou que as suspeitas contra ambos careciam de provas. O departamento indicou haver indícios de negligência no cuidado com a criança, praticados pela mãe, mas não houve acusação criminal contra ela.
As divergências do ex-casal continuaram. Em 13 de julho de 2018, o empresário levou a polícia para a frente da casa da ex-mulher, na cidade de Medford, ao norte de Boston. O objetivo era conseguir passar uns dias com o filho, já que, segundo o empresário, ela não o deixava ver o garoto.
Problema com imigração
O pai, porém, foi acusado de violar uma ordem judicial para não se aproximar da ex-mulher. Ficou cinco dias preso, em agosto de 2018. Segundo ele, foi inocentado só em 2019.
Quando estava deixando a cadeia, oficiais do setor de imigração o prenderam de novo. Ao descumprir a medida restritiva, teria violado a ordem de não se envolver em mais crimes enquanto não era concluído seu processo sobre o visto de turista vencido. Passou mais 54 dias detido.
O processo só seria removido em 2021. O brasileiro não pode se envolver em crimes e tem que renovar o cartão de trabalho todos os anos até obter residência permanente, o chamado green card.
Para o advogado do empresário, Edward Prisby, a ex-mulher de seu cliente se valeu de órgãos policiais e judiciais de Massachusetts para fazê-lo ser preso tantas vezes. "No sistema de Justiça norte-americano você pode ser preso a qualquer momento", disse.
Segundo ele, a situação se agravou por causa do divórcio litigioso. "Toda vez que ele ganhava uma decisão num tribunal no divórcio, ela fazia acusações falsas de novo."
Escola denuncia ameaça
Em 14 de dezembro de 2018, a polícia foi acionada pela escola em que o menino estudava. A conselheira do colégio disse aos policiais que o garoto lhe contou que a mãe o ameaçou de morte se não acusasse o pai de tocá-lo de forma "inapropriada".
Àquela altura, o menino já estava com o pai. Mas, pouco tempo depois, os processos que o ex-casal movia entre si para alterar a guarda do filho chegaram a um desfecho.
Em janeiro de 2019, o juiz Thomas Barbar, do Tribunal de Famílias de Middlesex (Massachusetts), declarou que a mãe fazia "campanha" contra o ex-marido. "A Justiça conclui que a mãe tem feito campanha de acusações falsas contra o pai para desacreditá-lo e para romper o relacionamento do pai com o menino", disse o magistrado, que garantiu ao pai maior parte da guarda com o filho.
Em julho de 2019, a mãe desistiu da guarda e do próprio poder familiar do filho, deixando-o sob custódia do pai, "para o objetivo de adoção", segundo documento assinado por ela. Ela disse ao Tribunal de Família de Massachusetts que não tinha condições de pagar suas despesas ou visitá-lo. A esteticista vive atualmente na Flórida.
"A mãe está consciente de que sua renúncia e desistência de direitos parentais é permanente e irrevogável e ela nunca poderá retornar ao tribunal para buscar direitos ligados ao garoto", diz o documento assinado pelo ex-casal no tribunal.
A decisão foi confirmada no Brasil pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) em agosto do ano passado.
Justiça mandou jornais apagarem notícias
No meio da briga judicial e acusações, o caso apareceu em jornais voltados para brasileiros da região de Boston. Mas o empresário reclamou que os periódicos só deram a versão de sua ex-mulher, sem ouvi-lo.
Em 17 de agosto de 2018, por exemplo, o semanário The Brazilian Times afirmou que ele foi preso por abusar sexualmente do filho. Mas, àquela altura, o Departamento de Crianças e Famílias já havia afirmado em documento que a acusação não tinha provas.
O brasileiro então processou veículos de comunicação por difamação. Na semana passada, o Tribunal Superior de Middlesex condenou os jornais Brazilian Times e Negócio Fechado, além de um jornalista.
Segundo a sentença da juíza Maureen Mulligan, eles deverão pagar US$ 540 mil (ou R$ 2,7 milhões), publicar uma retratação e apagar as notícias veiculadas na internet sobre o brasileiro.
"Todos os réus admitiram a responsabilidade como os fatos alegados na reclamação", afirmou Mullingan na sentença, obtida pelo UOL. "Os réus confessaram publicar notícias falsas sobre [o empresário], que o apresentaram como abusador físico de sua ex-mulher e sexual de seu filho", disse.
Na sentença, a juíza calculou que o empresário teve perdas materiais de US$ 180 mil entre 2019 e 2021 por causa das notícias, como cancelamento de contratos de pintura.
Além disso, a magistrada considerou ameaças de morte que ele recebeu por meio de comentários em redes sociais. "Isso o afetou emocionalmente", afirmou.
Dono de jornal diz duvidar de acusação de ex
O dono do semanário Brazilian Times, Edirson Paiva, afirmou ao UOL que não autorizou a confissão de culpa no processo. Ele disse que a confissão foi feita por um advogado que trabalhou para ele, mas que, atualmente, não teria autoridade para representá-lo na acão.
Ele publicou um artigo em seu próprio jornal no qual afirma que considera verídico o conteúdo das reportagens. "Acreditávamos e ainda acreditamos, que a matéria escrita pelo jornalista Jehozadak Pereira, na época editor do Jornal Sports, tenha cunho verdadeiro", disse.
O dono do semanário afirmou, porém, que a acusação feita pela ex-mulher poderia ser falsa. "Minha dúvida é se ela estava falando a verdade ou se era apenas uma briga de casal", disse ao UOL.
Pode ser que não seja verdade. Ela fez uma acusação falsa e nos colocou em problema"
Edirson Paiva, fundador do Brazilian Times
Paiva afirmou não saber sobre o arquivamento das denúncias contra o empresário ou se isso foi noticiado por seu semanário depois, e acrescentou que vai recorrer da sentença. "A imprensa precisa continuar livre", disse.
Procurado, o jornalista Jehozadak Pereira afirmou que "está impedido judicialmente de comentar o assunto por ora". Por telefone, o dono do jornal "Negócio Fechado", Walter Medeiros, afirmou que não concederia entrevistas.
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