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Corpo de mulher achado 3 anos após a morte intriga ingleses e gera críticas

Colaboração para UOL, em Santo André

25/07/2022 11h46

O corpo da secretária médica, Sheila Seleoane, 61, ficou em seu apartamento em Londres, na Inglaterra, por quase três anos, apesar de os vizinhos terem alertado as autoridades sobre seu sumiço. O cadáver foi descoberto em fevereiro, mas novos detalhes surgiram nos últimos dias, após investigação da imprensa inglesa. Esse fato misterioso, envolvendo toda a vizinhança e os parentes da senhora, deixou questões no ar: será que ninguém notou a sua falta?

"Ao agir neste caso, não fizemos a pergunta mais fundamental: Sheila está bem?", disse Ian McDermott, executivo-chefe da Peabody, uma das maiores e mais antigas associações habitacionais de Londres, com mais de 55 mil propriedades britânicas, que encomendou um relatório independente sobre o caso.

De acordo com o The Guardian, o inquérito sobre o ocorrido defende que Sheila era uma inquilina exemplar e o fato de ela ter morrido sem ser chamar atenção por tanto tempo, apesar de não pagar seu aluguel desde 2019 e dos vizinhos terem alertado autoridades, é um fato intrigante.

O corpo de Sheila foi encontrado no sofá de seu apartamento no terceiro andar, no sul de Londres, onde permaneceu sem ser detectados por cerca de dois anos e meio, apesar das repetidas tentativas de moradores locais de pedir à polícia para arrombar sua porta e verificar o seu bem-estar, o que não foi feito.

Ela não tinha amigos ou familiares próximos e seu sumiço foi alertado — mais uma vez — quando foram notados danos causados por uma tempestade na porta da varanda de seu apartamento e os oficiais foram obrigados a forçarem a entrada no apartamento da senhora.

O legista Julian Morris disse que ficou "claro que algo estava errado", com os relatos de que Seleoane parou de falar com o proprietário do imóvel por tanto tempo. Além disso, quando engenheiros de gás e o polícia tentaram entrar em contato com ela sem resposta ao longo desse tempo, a suspeita de algo não estava certo ficou ainda mais clara para ele. "Qualquer morte é triste. Morrer sem ser notado é difícil de compreender", disse o legista ao concluir o inquérito.

União da vizinhança

Há uma ironia silenciosa na forma como a morte de Sheila uniu seus vizinhos. O prédio tem 20 andares, com paredes finas e portas frágeis, mas foi só com seu sumiço que eles foram forçados a se conhecer.

"O padre disse que ela era uma pessoa muito amada", diz Christine (nome fictício dado ao The Guardian), uma gerente de eventos que morava em frente a ela. Ela perguntou à Peabody se ela poderia ir ao funeral, mas ninguém lhe enviou os detalhes. Em vez disso, mais tarde ela recebeu um link por e-mail para assistir a uma gravação do evento. Sheila, que tinha 61 anos quando morreu, recebeu um serviço cristão tradicional; os carregadores de caixão haviam colocado um arranjo de flores brancas em seu caixão de madeira. "Foi muito triste", diz Christine.

A bicicleta alugada do lado de fora do apartamento de Sheila, que foi deixada lá por meses. - Imagem fornecida ao jornal The Guardian - Imagem fornecida ao jornal The Guardian
A bicicleta alugada do lado de fora do apartamento de Sheila, que foi deixada lá por meses. Fotografia: imagem fornecida
Imagem: Imagem fornecida ao jornal The Guardian

Apesar do enorme interesse da mídia na história de Sheila, pouco se sabe sobre ela. Antes de sua morte, poucos vizinhos sabiam o nome da mulher do apartamento 16. "Eu ouvia as chaves dela balançando na porta. Acho que ela tinha um horário comum para entrar e sair do apartamento, das 9h às 17h, mas eu mal a via", comenta Christine.

Foi somente após a morte de sua vizinha que ela descobriu que a senhora trabalhava como recepcionista médica, por meio de uma agência de trabalho temporário. "Era um tipo de trabalho administrativo; ela estava sempre vestida com calças pretas, sapatos formais e uma camisa branca", finaliza.

Parecia óbvio para os outros inquilinos que morava por lá que ela não estava viva. As faxineiras comunitárias tiraram o capacho dela para lavar o chão e o deixaram encostado na parede, onde ficou por meses. Sua caixa de correio no hall de entrada ficou tão cheia que o correio começou a transbordar para o capacho. As crianças brincavam com as cartas, e algumas dessas correspondências acabaram amontoadas no fundo do elevador. No início de 2020, Christine pegou uma das cartas e a abriu.

"Eu sei que não deveria abrir as cartas de outras pessoas, mas eu estava preocupada. Era uma carta da Peabody dizendo que ela não pagava o aluguel desde setembro de 2019". Então, a vizinha ligou para os proprietários para dizer que estava preocupada; a essa altura, ela estava comprando velas perfumadas e colocando toalhas embaixo da porta da frente por conta do cheiro, que causava náuseas.

Ela chamou a polícia duas vezes. "Eles vieram e ficaram do lado de fora da porta, mas disseram que não podiam sentir o cheiro de nada, que talvez ela tivesse ido embora ou deixado um animal de estimação para trás, ou que talvez alguma comida tivesse estragado e apodrecendo. Eu queria que eles arrombassem a porta, mas eles disseram que não podiam sem um mandado e que o proprietário precisava lidar com isso".

Na segunda vez que ela ligou para a polícia, achou a resposta deles ainda menos útil. "Eles pareciam bastante irritados - como se fôssemos apenas um bando de vizinhos intrometidos. Disseram que não podiam fazer nada."

Tratamento desumano

Um relatório independente sobre o caso, encomendado pela Peabody, apurou 89 tentativas de contato com a senhora entre agosto de 2019 e fevereiro de 2022. Depois de encontrarem seu corpo, apenas duas pessoas compareceram ao funeral, que ocorreu em abril: um irmão que se mantinha afastado dela e um representante da associação de moradores responsável pelo bloco de apartamentos onde ela morava

Há relatos de larvas e moscas no apartamento de Seleoane, além do mau cheiro. As autoridades da associação falharam em garantir qualquer "contato significativo" com ela, disse o relatório independente, preferindo uma abordagem distante, e-mail texto, carta ou mensagem telefônica, para evidenciar que o trabalho havia sido feito e não uma ida ao local para tentar falar direto com a senhora.

Em um comunicado, o executivo-chefe da Peabody, Ian McDermott, disse:

"Estamos devastados com o que aconteceu. Sentimos muito por nossa parte nisso e pedimos desculpas a Sheila, sua família e a todos que vivem em Lord's Court.