'Fui presa, espancada e chicoteada após participar de manifestação no Irã'
A artista plástica e ex-galerista iraniana Mojan, que ficou um mês presa em seu país, foi libertada provisoriamente, conseguiu deixar o Irã e chegou à França.
Ela relatou os métodos usados pelo regime em Teerã para reconhecer, prender, interrogar e punir as pessoas que se manifestam, desde de setembro de 2022, nas ruas para exigir liberdade e democracia.
Mojan foi presa em sua casa em uma manhã de novembro, após ter sido reconhecida em fotos tiradas pelos serviços de segurança durante as manifestações contra o regime iraniano, em Teerã.
"Eram 9 horas da manhã. Eles tocaram a campainha. Cerca de vinte pessoas. Havia duas mulheres entre eles", disse ela à RFI.
"Fotografaram os quatro cantos da casa, fizeram vídeos. Eles vasculharam tudo, viraram meu quarto de cabeça para baixo e colocaram todas as minhas coisas em sacos de lixo para levá-las embora. Minha irmã interveio para impedir que me levassem. Eles a empurraram violentamente. Seu rosto ficou machucado."
Ela foi levada em um carro escoltado por outros dois veículos. As duas agentes femininas que sentaram com ela, uma de cada lado, no banco de trás, pediram para que Mojan abaixasse a cabeça.
"Fizemos quase dois quilômetros antes que o carro parasse embaixo de uma ponte. Um homem se aproximou e me entregou uma venda e ordenou que eu colocasse nos olhos. Trocamos de carro e partimos."
A artista diz que perguntou várias vezes para onde a estavam levando. "Silêncio! Cala a boca, não fale nada", responderam os agentes, segundo ela.
Mojan relata que o carro parou depois do que pareceu para ela um tempo interminável. Os agentes a desceram do veículo e a acompanharam, ainda com os olhos vendados, até que ela ouviu uma porta de metal se fechando.
A venda foi então removida e eles disseram: "Você está em Evin, distrito 209!".
Vida na prisão
A prisão de Evin, nas proximidades de Teerã, é conhecida por ser o local para onde são levados os presos políticos.
A jovem foi obrigada a tirar todas suas joias.
O agente atrás do balcão, ao me entregar o uniforme dos presos, ficou me pedindo para abaixar a cabeça para não ser visto
Mojan
Ele explicou que ela teria um número, pelo qual seria chamada. "Quando você ouvir esse código, prepare-se", informou o homem. Quando chegou à cela, o guarda entregou um saco de lixo para que ela colocasse suas roupas.
Interrogatório, tortura e ameaça
A partir desse dia, começaram os interrogatórios, das 17h às 23h.
Fui espancada, chutada, chicoteada. E fui insultada, fui ameaçada de estupro e de morte. Às vezes, depois dos interrogatórios, recebia injeções, mas não sabia o que era como produto! Não fui estuprada fisicamente, mas fui constantemente ameaçada disso
Mojan
"Durante os interrogatórios, me mostraram fotos minhas no meio da multidão e faziam perguntas sobre as pessoas que estavam nas imagens. Eu não as conhecia. Me perguntaram para quem trabalhava, para que organização, para que partido. Eu tinha apenas participado em manifestações pelas mulheres, pelos jovens, pela nossa liberdade e pelo meu país", diz.
Mojan diz que os oficiais de interrogatório estavam sempre encapuzados e parecem temer serem reconhecidos. De acordo com ela, os agentes perguntavam frequentemente sobre o que ela sabia sobre eles, repetindo: "O que você disse sobre nós? O que você está dizendo sobre nós?", conta.
"Eles estão arrasados psicologicamente", afirma Mojan.
Acho até que estão com medo, porque sabem que desta vez a população não vai desistir da luta. Eles sabem que é o fim de seu reinado, baseado na repressão por armas e cassetetes
Mojan
O calvário da artista plástica durou 30 dias, em isolamento, sem advogado. Do lado de fora, sua família lutava para encontrá-la. Quando conseguiram, pagaram uma fiança e Mojan foi liberada.
No dia da libertação, ela foi informada de que estava sendo levada a um tribunal. O agente pediu que ela desse o telefone de um parente.
Estava perdida, não entendia nada. Não me lembrava de nenhum número. Eles me levaram para uma praça e me jogaram para fora do carro. Eu estava um farrapo, pedi às pessoas que passavam que me ajudassem e me levassem para casa
Mojan
Protestos por Mahsa Amini
Em setembro de 2022, quando estourou a revolta, após a morte de Mahsa Amini, ela "inevitável e entusiasticamente" se juntou aos protestos e saiu às ruas para pichar muros com frases antirregime. Mahsa, de 22 anos, morreu após ser presa pela polícia de Teerã.
Assim que conseguiu sair da prisão, a família de Mojan pediu que deixasse o país para sempre. Mojan conta que sua mãe pediu que "mesmo se você ouvir que morri, não volte".
A militante acha que tem sorte porque, apesar de ter sido torturada e de não esquecer os gritos e lágrimas que ouviu nos corredores da prisão de Evin, conseguiu sair de lá e seguir o caminho do exílio.
O que é incompreensível é a reputação de Evin. Alguns, especialmente do lado de fora, acham que é a prisão mais horrível do Irã. Mas eles não sabem o que está acontecendo nas outras prisões. Jovens são massacrados ali sem que suas famílias saibam onde estão
Mojan
Por quase três semanas, data de sua chegada à França, Mojan não teve notícias de sua família e também não tentou falar com ela.
"É melhor para todos", afirma. Apesar de tudo, a militante continua mais do que nunca otimista e determinada a continuar sua luta. "Tenho certeza que vamos vencê-los. Não importa quanto tempo leve. A população, mulheres e jovens estão determinados a derrubar este regime bárbaro."
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