De bruços para morder terra: detalhe alimenta lenda da 'criança vampira'
Arqueólogos encontraram restos mortais de uma criança enterrada de forma incomum no século 17 na cidade polonesa de Bydgoszcz. De bruços e com um cadeado sob o pé esquerdo, a criança foi chamada de "vampira" e associada à lenda dos "renascidos", que amedrontava parte da Europa nos anos 1600, segundo o jornal americano The New York Times.
O que é a lenda
"Renascidos" eram "protozumbis" que assediavam os humanos bebendo seu sangue ou causando caos em suas moradias, segundo a crença da época.
Acreditava-se, segundo relatos históricos do século 17, que a Polônia estava cheia desses seres, chamados de "revenants" ("renascidos", em tradução livre).
Um relato de 1674 diz que um homem morto se levantou do seu túmulo para atacar os familiares e, quando seu túmulo foi aberto depois, o cadáver estava preservado de maneira "não natural" e com vestígios de sangue fresco.
A crença era tão comum que havia remédios e técnicas para impedir a reanimação de cadáveres. Entre as estratégias, estavam arrancar seus corações e pregá-los em suas sepulturas, martelar estacas nas suas pernas e abrir suas mandíbulas com tijolos para evitar que escapassem roendo a madeira do caixão.
O que aconteceu agora
'Criança vampira' foi encontrada. Investigadores da Universidade Nicolaus Copernicus em Torun, Polônia, desenterraram os restos do que tem sido descrito como uma "criança vampira". Esta seria a primeira evidência concreta do que se suspeita ser uma "renascida". Os restos mortais, do século 17, seriam de uma criança que parecia ter seis anos.
Cadáver foi enterrado de forma incomum. O corpo estava de bruços, com um cadeado triangular de ferro sob o pé esquerdo, em um provável esforço para amarrar a criança à sepultura e evitar que ela assombrasse a família e vizinhos, caso voltasse dos mortos.
O cadeado teria sido trancado até o dedão do pé.
Dariusz Polinski, arqueólogo-chefe do estudo, ao New York Times
A sepultura da criança foi profanada e todos os ossos, removidos, com exceção dos da parte inferior das pernas.
A criança foi enterrada de bruços para que, se voltasse dos mortos e tentasse ascender, mordesse a terra. [...] Até onde sabemos, este é o único exemplo de tal enterro infantil na Europa.
Dariusz Polinski, arqueólogo-chefe do estudo
Necrópole e outros cadáveres
Restos mortais de outras três crianças foram encontrados em uma cova perto do túmulo da suposta renascida. No local, havia um fragmento de mandíbula com uma mancha verde. Polinski especula que a mancha surgiu após uma moeda de cobre ter sido colocada na boca do corpo, uma prática funerária antiga e comum.
Newsletter
DE OLHO NO MUNDO
Os principais acontecimentos internacionais e uma curadoria do melhor da imprensa mundial, de segunda a sexta no seu email.
Quero receber'Almas abandonadas e excluídas'. A necrópole foi descoberta há 18 anos abaixo de um campo de girassóis na encosta de uma colina. Para o arqueólogo Polinski, o local abrigava "almas abandonadas e excluídas pela sociedade". A necrópole não fazia parte de uma igreja ou terreno sagrado. Cerca de 100 sepulturas já foram descobertas no local até agora.
Outro corpo, de uma mulher, achado perto da criança, revelou que a mancha verde na mandíbula não era de uma moeda. O resíduo continha vestígios de ouro, permanganato de potássio e cobre. Polinski acredita terem sido deixados por uma poção preparada para tratar doenças.
Pé e foice. O esqueleto da mulher também tinha um dedo do pé trancado com um cadeado e havia uma foice de ferro no pescoço. Não está clara a causa de sua morte, mas o pesquisador tem uma pista de qual seria a finalidade da foice: "A foice deveria decepar a cabeça da mulher caso ela tentasse se levantar".
Sepultura com cadeado
Rituais de trancar as sepulturas com cadeados duraram séculos na Europa Central —desde a Idade Média até pouco antes da Segunda Guerra Mundial, em comunidades na Polônia.
O objetivo seria "evitar que a pessoa falasse, falasse coisas ruins, ou melhor, falasse sobre este mundo no outro mundo", explicou Kalina Skora, pesquisadora do Instituto de Arqueologia e Etnografia da Academia Polonesa de Ciências de Lódz ao The New York Times.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.