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Corpos carbonizados são rotina em porto do Equador disputado pelo tráfico

Do UOL, em Guayaquil (Equador)

16/01/2024 04h00

Um terço da cocaína produzida pela Colômbia chega à Europa e aos Estados Unidos pelo porto de Guayaquil, no Equador. Acompanhado pela polícia, o UOL entrou nas imediações deste local, estratégico para as facções do tráfico de drogas.

O que aconteceu

A geografia e a urbanização, ou a falta dela, tornam o porto de Guayaquil particularmente vulnerável. Praticamente sem áreas para depósito de cargas — espaços que no transporte marítimo costumam ser quase um latifúndio —, o terreno do terminal fica colado nas casas.

Também há moradores na beira do curso d'água que dá acesso ao porto. Não existe uma zona de exclusão que mantenha estranhos a uma distância segura. Desta forma, casebres e barracos tomaram a vizinhança dos terminais portuários.

Em Guayaquil não dá para saber onde terminam as casas e onde começam os guindastes do porto Imagem: Felipe Pereira/UOL

Para completar, o terminal fica num local que permite o acesso de embarcações clandestinas pelos dois lados. Uma ilha à frente do ponto de embarque de cargas serve de esconderijo a criminosos.

O porto se encontra a apenas 33 km da Penitenciária do Litoral — a mais perigosa do Equador, onde estava preso José Adolfo Macías Villamar, o Fito. Ele é o criminoso mais procurado do país atualmente, e a fuga dele foi o estopim para a nova onda de violência.

Os traficantes se aproveitam das fragilidades e amarram cargas de droga no casco dos navios. Um rastreador indica a posição para comparsas na Holanda, Estados Unidos e Ásia recolherem a remessa, diz o capitão Roberto Quilumba.

A prática é chamada de "gancho cego", explica o tenente-coronel Freddy Ávalos, chefe do policiamento local.

Sem fiscalização no porto, a droga é facilmente contrabandeada pelos traficantes para que ela siga pelos navios. Hoje, 12 quadrilhas brigam pelas vielas nas imediações do terminal.

A ligação com cartéis mexicanos resultou na importação de métodos hediondos. Esquartejamentos, decapitações e corpos incinerados entraram na rotina das favelas ao redor do porto de Guayaquil. Máfias do Leste Europeu também atuam no país.

Três corpos carbonizados foram encontrados dentro de uma SUV Sportage branca consumida pelo fogo na terça passada (9). A polícia acredita que as vítimas nem tiveram o consolo da morte rápida. Todas estavam amarradas, o que indica que houve tortura.

O capitão Quilumba fala que ninguém se chocou aos saber que três pessoas foram carbonizadas. A reação mais comum foi uma curiosidade mórbida por detalhes — inclusive por parte de crianças.

Bombeiros de Guayaquil apagam o fogo de carro onde três pessoas foram incineradas Imagem: Divulgação

Metástase da violência

A combinação acesso fácil e segurança precária tornam o porto o paraíso dos criminosos. Mesmo com um posto de polícia na entrada do terminal.

Caminhoneiros pagam pedágio. Caso contrário, têm seus veículos de 40 anos ainda mais desvalorizados porque os vidros são quebrados.

Moradores pagam diária por proteção, segundo relatos ouvidos pelo UOL. O método para convencer as pessoas é bater onde machuca mais. Um homem contou que recebeu um ultimato: ou paga, ou as duas netas morrem.

Quem consegue um emprego formal é intimado a contribuir com a caixinha da quadrilha. O dinheiro serve para comprar mais armas, mais drogas e conquistar mais território, permitindo extorquir mais moradores e caminhoneiros.

No porto de Guayaquil, caminhoneiros pagam taxa a criminosos para não ter os veículos avariados Imagem: Felipe Pereira/UOL

Esta espiral do crime está saindo da parte miserável de Guayaquil na opinião do tenente-coronel Freddy. Ele considera a invasão a uma TV de Guayaquil o começo de metástase da violência.

O oficial da polícia acredita que os criminosos estão tentando replicar na cidade o que fazem nos grotões. Os efeitos já estão sendo sentidos na opinião dele.

Os saques e roubos a comércios se tornaram rotina na avenida perimetral de Guayaquil. Como o nome indica, a via rápida contorna uma parte considerável da cidade.

Balas perdidas voam sobre a via na região do porto. Pessoas que não fazem do tráfico e dos assassinatos um meio de vida são atingidas nos carros e calçadas.

O capitão Quilumba usa os três homens carbonizados para explicar a engrenagem que faz a disputa entre quadrilhas se esparramar pela cidade. Ele conta que as investigações iniciais sugerem que duas vítimas viviam na parte amazônica do Equador. O outro era colombiano.

Barcos trafegam por canal que dá acesso ao porto, mesmo caminho usado por traficantes Imagem: Felipe Pereira/UOL

Negócio sem alma

A suspeita é que o trio trazia drogas para uma das 12 organizações criminosas que agem no porto. Interceptados, tiveram a carga roubada e a morte decretada. Os executores aplicaram a dose característica de violência desta parte de Guayaquil.

Para as quadrilhas, controlar a área perto da perimetral representa segurança e lucros. Em outras palavras, traficante dono de território conquista o direito de ir e vir, fica mais rico e mais tranquilo.

O tenente-coronel Freddy afirma que a operação militar atual é a esperança de mudar a situação. Em caso de falha, toda a cidade será exposta a corpos incinerados.

O pragmatismo se aplica porque o tráfico é um negócio — mas um negócio sem alma. O crime é instrumento para prosperidade e atalho para morte violenta.

Prova da validade desta regra é que ela se repete no Equador, no Brasil, no México e por aí afora. Claro que toda regra tem uma exceção, mas elas não costumam se manifestar em barracos como os existentes perto do porto de Guayaquil.

Com ação de máfias e cartéis estrangeiros, Equador tornou-se corredor para tráfico de drogas Imagem: Arte/UOL

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