Guerra às drogas, pobreza em alta e caos político: entenda crise no Equador
A fuga de um narcotraficante de um presídio no Equador foi o estopim para uma crise que se arrasta há mais de uma década no país. Ao menos 13 pessoas morreram ontem, e o governo enviou as Forças Armadas para as ruas depois que traficantes armados invadiram uma estação de televisão ao vivo.
O que explica a crise
Guerra às drogas liderada pelos Estados Unidos transformou o Equador em nova rota para distribuição de cocaína. Sede de alguns dos maiores cartéis do mundo, México e Colômbia entraram na mira dos EUA, que há anos tentam estrangular a exportação de drogas a partir desses países. No México, a rota terrestre na fronteira foi reforçada; na Colômbia, o cerco é pelo mar.
Pressionados, esses cartéis encontraram no Equador uma nova opção. A estratégia foi financiar as diversas gangues equatorianas. "São grupos armados que não tinham grande expressão, mas começam a receber recursos e armas e passam a atrair muitos jovens", diz Leonardo Paz, professor de relações internacionais da FGV.
Em pouco tempo, o Porto de Guayaquil foi dominado pelo tráfico. Situado entre Peru e Colômbia —maiores produtores mundiais de cocaína— o porto rapidamente se transformou no principal escoador de drogas para EUA e Europa. As províncias de Esmeraldas e Los Rios, ambas portuárias, também foram dominadas pelo tráfico.
A presença dos cartéis internacionais no Equador é "uma das explicações" para a crise. "É justamente a pressão [internacional] sobre as rotas marítimas da Colômbia e terrestre mexicana que obrigou esses grupos a buscarem rotas mais seguras, menos custosas, menos policiadas, e o Equador apareceu como alternativa", analisa Paz.
Pobreza e falta de alternativas à população contribuem para o caos. Com 18 milhões de habitantes, o Equador tem uma economia pouco diversificada, e muito dependente das exportações de petróleo. A falta de alternativas para trabalhar é apontada por especialistas como um fator que prejudica o país.
O terremoto de 2016, seguido pela pandemia em 2020, também teriam fragilizado ainda mais a economia, dolarizada desde o ano 2000. "O Banco Mundial estima em 27% a população equatoriana abaixo da linha de pobreza, atrás apenas do Haiti na América Latina", comenta Leonardo Trevisan, professor de relações internacionais da ESPM.
Corrupção fragiliza instituições. O narcotráfico se expande devido à corrupção infiltrada no poder Judiciário, avalia Gonzalo Alban, do Observatório de Políticas Públicas de Guayaquil. "Com um sistema de Justiça que se corrompe facilmente, a lei não é temida e o poder do Estado fica relegado e não é uma barreira intransponível", diz Alban. A economia dolarizada também seria um fator que facilita a lavagem de dinheiro e atividades ilegais, completa o analista político Jacobo García.
Gangues equatorianas recrutam "soldados" de uma sociedade cada vez mais pobre. Financiadas por cartéis de México e Colômbia, elas se infiltram em instituições de Estado, fragilizado por anos de caos político.
Índices de criminalidade explodiram. De 2016 a 2022, a taxa de homicídios a cada 100 mil habitantes no país saltou de 6 para 26. As mortes violentas nos presídios saltou de 32 para 323 de 2019 para 2021.
"Lá qualquer um tem arma." O professor Trevisan explica que o ex-presidente Guilherme Lasso, na tentativa de recuperar popularidade, liberou o porte de armas em abril do ano passado.
Com dinheiro, os grupos armados brigam entre si por espaço, enquanto se infiltram no Estado. "Eles têm uma relação de comprometimento com a polícia, juízes e políticos. Quem tenta se opor, morre", diz o professor Paz, da FGV.
Caos político fortalece gangues
Essas gangues se aproveitaram do caos político que há anos domina o Equador. As disputas começaram já no governo do esquerdista Rafael Correa, que teve os direitos políticos cassados após deixar o mandato, em 2017.
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Quero receberDesde 2021, a crise aumentou. Pressionado, o presidente eleito naquele ano, Guillermo Lasso, escapou de um processo de impeachment em 2023, quando dissolveu o Parlamento e convocou novas eleições.
Candidato à presidência foi morto no ano passado. Ocorreram "dezenas" de atentados contra políticos nos últimos anos, como o que matou o candidato Fernando Villavicencio.
A confusão política tem amarrado a mão do Estado para estruturar uma luta contra esses grupos que ocupam esse vácuo de poder.
Leonardo Paz, da FGV
O assassinato de Villavicencio inviabilizou candidaturas favoritas de centro-direita e centro-esquerda e catapultou Noboa, filho de um dos homens mais ricos do Equador.
Leonardo Trevisan, da ESPM
A situação atual
Daniel Noboa virou presidente em novembro, com uma plataforma de liberalismo e endurecimento contra o crime organizado. Noboa terá apenas um ano e meio para cumprir suas promessas.
Algumas dessas propostas foram postas à prova com a insurgência das gangues nesta semana. Noboa prometia transferir de presídios os principais traficantes e construir prisões em alto mar. Depois que o maior narcotraficante do país, José Adolfo Macías Salazar, o Fito, fugiu de uma prisão de segurança máxima, no domingo (7), o presidente declarou "estado de exceção", impondo toque de recolher.
Depois de Fito, foi a vez de Fabricio Colón Pico, da facção Los Lobos, fugir da prisão, o que aumentou a tensão. A Los Lobos é ligada ao cartel mexicano Jalisco Nueva Generación.
Ontem, as gangues se insurgiram. Ironizando a determinação do presidente, os grupos armados —que já comandavam o tráfico da cadeia— tomaram presídios, invadiram hospital, universidade, um canal de TV e sequestraram policiais.
A resposta de Noboa foi aumentar o cerco. Ontem (9), o chefe do Executivo decretou estado de "conflito armado interno" em todo o território; agora, as Forças Armadas podem "neutralizar" 22 grupos criminosos, que passaram a ser considerados "organizações terroristas".
A fuga de Fito e Pico deixou clara a participação de agentes policiais em conluio com os traficantes. O presidente afirmou hoje que ao menos 20 mil pessoas integram essas bandas terroristas, incluindo juízes e promotores.
Não podemos combater [o narcotráfico] somente de um lado. Não é só com bala, é também com o Judiciário. Vamos considerar juízes e promotores que apoiem líderes desses grupos terroristas como terroristas também.
Daniel Noboa, presidente do Equador
Para especialistas, a guerra às drogas precisa ser revista. Ela "vem sendo vencida pelas drogas há 40 anos", analisa Fabricio Pontin, professor de relações internacionais da Universidade LaSalle.
A questão é se o governo agora tem força para impedir o avanço do narcotráfico. A aposta é que não tem.
Fabricio Pontin, da Universidade LaSalle
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