Ataques a políticos põem em risco democracia no México, dizem especialistas

Os ataques contra candidatos no México colocam em risco a democracia no país. O UOL conversou com especialistas em relações internacionais que avaliam que as quase 40 mortes de políticos fazem dessas eleições as mais violentas da história recente do país.

O que aconteceu

Ataques a políticos mexicanos são "incompatíveis com o sistema democrático", avalia especialista. Segundo o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília Fidel Pérez Flores, a violência no país atingiu, principalmente, candidatos que faziam campanhas municipais, que concorriam às prefeituras do interior dos estados.

Recorrência dos ataques torna situação drástica, diz professor. "O governo federal mexicano tem reconhecido parte do problema, mas a frequência dos ataques colocam a trajetória da democracia no país em um nível de preocupação maior do que o que esteve nos anos anteriores." Segundo Flores, o fato de o México ter mais de 3 mil quilômetros de fronteira com os EUA, maior mercado consumidor de drogas do mundial, torna o problema mais complexo.

Ataques têm se agravado nos últimos anos. "Esses candidatos buscam competir de uma forma natural, legítima. Essa violência existe há alguns anos, mas tem se agravado neste ano. É uma situação que a democracia mexicana terá de enfrentar", afirma.

Política da guerra às drogas está no cerne da violência, avalia professor. "O México é um país que, desde a década de 1970, utiliza a abordagem da guerra às drogas. Mas o que tem se revelado é que esse negócio [das drogas] como atividade econômica não para e as organizações envolvidas conseguem arrecadar recursos cada vez maiores e acabam conseguindo ampliar a capacidade e poder, de fogo e enfrentamento", avalia.

Ataques a políticos e à população releva poder de organizações criminais no país. "De alguma maneira a essa onda de violência a candidatos está vinculada às organizações criminais e à falta de capacidade política de se enfrentar isso", diz Flores. O professor ressalta ainda que países que estão na rota das drogas para os Estados Unidos enfrentam cenários de violência semelhantes.

Corrupção dentro do sistema político. Flores afirma que a regulação do comércio de substâncias ilícitas contribuiria para a redução da corrupção na atividade pública, uma vez que há denúncias de envolvimento de políticos e organizações criminais.

Vontade dos cartéis substitui pluralidade social, diz cientista político. Segundo Uriã Fancelli, mestre em Relações Internacionais pelas Universidades de Groningen (Países Baixos) e Estrasburgo (França), a violência política coloca a democracia em risco. "Quando a população comum tem receio de se candidatar, necessitando de autorização dos integrantes dos cartéis para não correr o risco de serem assassinadas, ou é coagida a votar nos candidatos dos cartéis, como ocorre com o voto de cabresto na América Latina, não há representatividade real", afirma.

Confiança no processo político x violência

Para Uriã Fancelli, a confiança no processo político é colocada em xeque. "Essa violência generalizada corrói a confiança no processo político e eleitoral, criando uma atmosfera de medo e intimidação que compromete a probabilidade de eleições livres e justas", afirma.

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Fracasso das políticas públicas de segura estão por trás da violência. "O ex-presidente do país, Andrés Manuel López Obrador prometeu abordar as causas socioeconômicas do crime com sua política de "abrazos, no balazos" [abraços, não balas]. Contudo, essa abordagem mostrou-se ineficaz contra a violência e o crime organizado", aponta o mestre em Relações Internacionais.

Mais municípios sob influência direta de gangues, diz Fancelli. Segundo o Crisis Group, um think-tank independente, o número passou de 11% em 2010 para cerca de um quinto dos municípios mexicanos em 2021. "A infiltração dos cartéis na política local resultou em uma situação onde eles passaram a decidir quem poderia competir eleitoralmente e a usar fundos ilícitos para financiar campanhas", afirma Fancelli.

Nova política de segurança pública

Novo governo deve reavaliar o que aparentemente não tem funcionado, diz Fancelli. Segundo o cientista político, a criação da Guarda Nacional, em 2019, para lutar contra o crime não atingiu os resultados esperados. "É necessário que o novo governo reavalie o papel das forças armadas no combate aos cartéis, potencialmente redirecionando o foco para uma abordagem mais orientada pela comunidade e menos pela militarização, o que pode ajudar a reduzir a violência."

Implementação de reformas estruturais e legais é crucial, aponta Fancelli. Segundo ele, com elas é possível garantir processos mais eficazes contra membros de cartéis, incluindo medidas para proteger testemunhas e juízes de possíveis retaliações.

"Combate ao narcotráfico só pode ser efetivo com um fortalecimento da cooperação internacional", defende o cientista político. Para ele, no caso do México, isso precisa ser feito com os Estados Unidos. "Assim seria possível melhorar a partilha de inteligência, o rastreamento de ativos financeiros dos cartéis e a execução de operações conjuntas contra o narcotráfico."

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Fortalecimento de instituições de segurança e judiciais. Além de ataques contra políticos, a população mexicana também enfrenta medo de violência e extorsões. Segundo Fancelli, o novo governo deve criar forças-tarefa especializadas e a implementar medidas de proteção a funcionários públicos. "Além disso, o governo deve expandir programas de proteção a testemunhas que enfrentam riscos ao denunciar crimes de extorsão e outras atividades criminosas."

É crucial aprovar leis mais rígidas contra a corrupção e a infiltração do crime organizado em instituições estatais, garantindo transparência e prestação de contas em todos os níveis de governo.
Uriã Fancelli, mestre em Relações Internacionais pelas Universidades de Groningen (Países Baixos) e Estrasburgo (França)

Quando as organizações criminosas se infiltram no processo eleitoral, elas decidem quem pode ou não competir por meio de intimidações e assassinatos, além de usar dinheiro sujo para financiar campanhas que prometem proteger seus interesses. Isso aponta para uma erosão da autonomia política e uma grave ameaça à integridade do processo democrático. A longo prazo, essa situação pode levar à desilusão com o sistema democrático e diminuir a participação cívica.
Uriã Fancelli, mestre em Relações Internacionais pelas Universidades de Groningen (Países Baixos) e Estrasburgo (França).

Nova presidente precisa sinalizar mudanças na segurança

Cientista e política, a nova presidente do México, Claudia Sheinbaum terá de enfrentar o tema da segurança pública no país. Apoiada pela popularidade do presidente em exercício, Andrés Manuel López Obrador, a então candidata disputou o pleito como favorita para governar o país até 2030.

Nova presidente precisa sinalizar mudanças na segurança. "Ela tem se esforçado para expressar que a proposta dela é uma continuidade do governo López Obrador. A política dele sinaliza mais apoio a indivíduos em situação de vulnerabilidade, mas nos quase seis anos de governo a situação não melhorou e a violência continua", diz Flores.

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"Problema que o governo tem relutado em reconhecer", avalia professor. "O governo de López Obrador costuma associar os episódios mais marcantes de segurança a críticas de adversários, vem tentando minimizar a questão". Para Flores, Sheinbaum não "se esforçou para apresentar um conjunto de propostas na segurança pública".

Estratégias de regulação do consumo de drogas. Segundo Flores, o país deve começar a discutir abordagens de regulação das drogas e de saúde. "As formulas de enfrentamento não devem passar pela aspiração utópica de que seja possível barrar essas substâncias do mercado. É um debate que está ocorrendo lentamente. Portanto, é preciso ao menos abrir a conversa em relação a isso, não há uma abordagem sobre segurança para a América Latina sem passar por esse debate.

Mortes em locais de votação

Duas mortes foram registradas no estado de Puebla. Uma das vítimas morreu em Coyomeapan, durante um tiroteio no local de votação. De acordo com jornais mexicanos, um grupo de homens encapuzados abriu fogo contra uma escola onde ocorria a votação. Duas pessoas foram detidas pela Guarda Nacional mexicana.

Outra vítima morreu em Tlapanalá. A mulher foi baleada após um grupo armado, formado por cerca de seis pessoas — duas delas com capacetes de motociclistas —, entrar no local de votação e roubar cédulas e documentos. Ela morreu enquanto recebia os primeiros socorros. O ataque foi confirmado pelo governador de Puebla, Sergio Salomón Céspedes, que garantiu que o Ministério da Segurança Pública já deteve "vários suspeitos".

Violência interrompeu a votação. De acordo com o site de notícias mexicano Infobae, o Instituto Eleitoral de Puebla relatou que os atos de violência em Coyomeapan levaram à suspensão temporária da votação na zona afetada. Ainda não há informações se a votação será retomada.

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Durante a semana, ataques ocorreram no estado de Chiapas. Na sexta-feira (31), o Instituto de Eleições e Participação Cidadã (IEPC) de Chiapas confirmou que as instalações do Conselho Municipal Eleitoral de Chicomuselo foram incendiadas, conforme noticiou o jornal PorEsto!. Por falta de segurança, 73 urnas não foram instaladas em Chiapas.

Candidatos mortos a tiros

Jorge Huerta Cabrera, candidato que concorria a uma vaga no conselho municipal da cidade de Izucar de Matamoros, foi morto a tiros, segundo a promotoria estadual. Ele foi assassinado na sexta-feira (31) em um comício político, elevando o número de candidatos assassinados para 37.

Consultoria Integralia contabilizou 828 ataques não letais a candidatos durante a atual temporada eleitoral. No início desta semana, um candidato a prefeito local no estado de Guerrero, no sul do país, foi morto a tiros à queima-roupa durante um comício de campanha.

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