Tristeza e frustração mobilizaram os mais vulneráveis na Venezuela
Yelitza Linares
Colaboração para o UOL, em Caracas
30/07/2024 05h30
A Venezuela teve protestos na capital Caracas e em diversas cidades do país, principalmente de moradores de áreas populares, atacados por grupos de civis armados e reprimidos pelas forças de segurança.
O resultado foram duas mortes e vários feridos. Os manifestantes exigem que os votos sejam contados. Em duas cidades, estátuas de Hugo Chávez foram derrubadas.
No estado de Táchira, morreu Julio Valerio García, 40. Ele foi ferido por homens armados enquanto esperava pelo resultado da votação na noite de domingo (28). Na segunda (29), um jovem no setor San Jacinto de Maracay, estado de Aragua, foi assassinado em um protesto pacífico.
Também houve civis e policiais feridos nas manifestações em Caracas e em outras partes do país. Entretanto, no momento da publicação deste texto, não havia informação oficial.
Declarações da oposição acalmaram manifestantes
As declarações da líder da oposição venezuelana, María Corina Machado, e do candidato da Plataforma Unitária, Edmundo González Urrutia, no final da tarde acalmaram o espírito dos manifestantes que exigem a contagem de votos. ,Um panelaço foi realizado na capital.
"Temos 73% das atas, e, com esses números, Nicolás Maduro obteve 2.759.256 votos e Edmundo González 6.275.182. Edmundo ganhou em todos os estados, Edmundo ganhou", disse Machado. Uma multidão que os ouvia do lado de fora aplaudiu. Então, um seguidor gritou: "Fale dos grupos que estão nos matando".
Protestos foram reprimidos pelas forças de segurança nas zonas eleitorais e logo após o anúncio que deu a vitória como presidente, sem contagem dos votos, a Nicolás Maduro.
O órgão eleitoral interrompeu a comunicação sobre a contagem dos votos, ordenou a não entrega de autos às testemunhas da oposição e houve zonas eleitorais nas quais foram roubadas as caixas com os votos físicos.
Comemorações e protestos
A noite que se seguiu ao dia das eleições, no domingo, foi longa e angustiante. Enquanto se aguardava a declaração oficial dos resultados eleitorais e o pronunciamento dos líderes da plataforma anti-Maduro, inúmeras fotos de relatórios de votação e vídeos mostrando testemunhas de verificação puderam ser vistos nas redes sociais.
Em todos os registros houve algo em comum: a vitória esmagadora do candidato da oposição sobre o governante Maduro.
Ao mesmo tempo, ocorreram manifestações noturnas isoladas, protestos contra os obstáculos dos militares e funcionários do Conselho Nacional Eleitoral ao processo de verificação, silenciados por grupos que apoiam o partido no poder.
De madrugada, ao contrário, o clima em quase todas as cidades era de silêncio, com comércio fechado, poucas unidades de transporte e poucos pedestres. Mas os ânimos estavam esquentando.
A proclamação, no meio da manhã, pelo CNE [Conselho Nacional Eleitoral], de Nicolás Maduro como presidente da Venezuela para os próximos seis anos, apesar das dúvidas sobre os resultados, gerou o "panelaço" em algumas áreas da capital. Já fazia muito tempo que esse forte protesto não era ouvido na cidade.
Seguiram-se manifestações pacíficas dos habitantes de Petare, o maior bairro oriental da América Latina, que decidiram sair espontaneamente para expressar o seu descontentamento com o anúncio oficial sobre as eleições. Uma multidão atravessou a cidade em direção ao oeste e confrontou com pedras as brigadas da Guarda Nacional.
Os protestos continuaram na estrada que liga a capital ao aeroporto internacional e, como uma torre de cartas, juntaram-se moradores de diversas zonas populares, bloqueando estradas com pneus em chamas, derrubando cercas e queimando cartazes alusivos a Maduro.
Mesmo sob chuva, os moradores de Caracas cantaram o hino nacional diante de contingentes da Guarda Nacional na rodovia Francisco Fajardo, enquanto os moradores de Coro, no estado ocidental de Falcón, derrubaram uma estátua do falecido presidente Hugo Chávez. Esta última cena se repetiu em La Guaira e em outros locais, segundo relatos: Mariara, Carabobo, Los Teques e Miranda.
À tarde, moradores de setores de classe média de Caracas que se uniram na rodovia Prados del Este foram repelidos pelas forças de segurança que tentavam impedir o fechamento da via.
Um acontecimento inédito nos últimos anos foi a manifestação que no meio da tarde ocupou as ruas ao redor do Palácio Miraflores, onde qualquer tipo de reunião da oposição não era permitida desde a época de Chávez como presidente
Os manifestantes gritavam perto da sede do governo Maduro: "E vai cair, e vai cair, este governo vai cair". Até que civis armados chegaram e começaram a atirar, primeiro para o céu e depois para os manifestantes.
Antes da declaração oficial da líder da oposição María Corina Machado e do candidato da Plataforma Unitária, Edmundo González Urrutia, houve registros de outros protestos em Lara, Carabobo, Anzoátegui, Miranda, Portuguesa e em Vargas - onde os manifestantes chegaram ao aeroporto internacional de Maiquetía.
Muito peculiar foi a caravana motorizada que percorreu os vales do Aragua, a caminho da capital, pela rodovia Regional Central, conduzida por um cavaleiro carregando uma bandeira nacional, em clara alusão às campanhas do libertador Simón Bolívar.
Frustração e tristeza
Um sentimento de frustração e tristeza era comum entre os cidadãos que votaram para mudar o governo. A psicóloga Lorena Gil disse que o sentimento era mais comum entre os vulneráveis, que foram mais afetados pela situação socioeconômica e pela migração de familiares.
"São eles que estão mais entusiasmados com a mudança política, porque sentem que o resultado eleitoral pode ter um impacto imediato na sua qualidade de vida. A sua busca aspiracional é mais forte naqueles que estão nas camadas mais baixas, eles têm essa esperança, estão cansados.
Gil afirma que as pessoas de classe média têm mais chances de aceitar um resultado contrário ao que esperavam. "Eles têm sido cautelosos e não caem em provocações."
As emoções são diferentes entre as dezenas de pessoas que participaram nas eleições como mesários, testemunhas e voluntários ou membros de partidos políticos. É o caso de Dorama Calderón, 60, de Táchira.
"Não estou triste. Sinto satisfação pelo que alcançamos e raiva, ao mesmo tempo, pela falta de conhecimento dos resultados. Sabíamos quem estávamos enfrentando, que não seria fácil. Por isso não nos surpreendeu", disse Calderón, coordenadora de voluntários do povoado Las Vegas de Táriba.
Calderón afirma que o processo correu bem e que as cópias dos registos eleitorais que manusearam estão entre os 73% que a oposição possui. "Todos nós que fomos testemunhas e vimos a ata passar pelas nossas mãos sabemos que Edmundo González Urrutia venceu. "Vamos aguardar instruções do líder desse processo para ver quais ações vamos seguir".
Ela participou da organização de testemunhas da oposição na sua cidade, repleta de idosos devido aos movimentos migratórios de jovens. Calderón quer que dois dos seus filhos, que emigraram para o Equador e a Argentina, regressem.
Resultados indefensáveis
Outro que está otimista quanto ao rumo dos acontecimentos futuros é o sociólogo Ignacio Ávalos, diretor do OVE (Observatório Eleitoral Venezuelano), organização que monitora as eleições no país há 12 anos e conta com uma rede de 700 observadores em todos os estados.
"Recolhemos uma amostra de 100 registos eleitorais e, na maioria, Edmundo González tem o dobro ou o triplo de votos de Nicolás Maduro. O presidente venceu em poucas mesas e perdeu em centros tradicionalmente chavistas".
Ávalos afirmou que este foi o processo eleitoral com mais irregularidades a favor do partido no poder. "Desde a escolha da data da eleição até a divulgação dos resultados, as regras foram violadas."
No domingo e na segunda-feira, a página do CNE estava fora do ar, por isso, foi impossível verificar os dados que justificariam o anúncio oficial.
Ávalos conta que em 28 de julho, dia das eleições, foram ignorados 2 milhões. "Se fossem considerados verdadeiros, não poderiam apresentar um boletim com 5% de diferença de votos entre os dois candidatos, com supostos 80% da contagem, porque o restante dos votos poderia alterar os números finais".
Além disso, alertou que outra irregularidade foi não informar o detalhamento das votações por estado e para cada um dos 10 candidatos. "Agruparam os outros oito candidatos como 'outros' e esta categoria não existe em matéria eleitoral".
O diretor do OVE concluiu: "O que a CNE apresentou como resultados o comando da oposição tem são demasiado sólidas para contestar as eleições."